A edição de número 267 do Jornal Página 13 está disponível aos leitores/as para ser acessada e descarregada na íntegra AQUI. Mais abaixo, é possível ler o editorial.
BOA LEITURA!
Editorial
Não pode faltar dinheiro
Esta edição do jornal Página 13 deveria ter sido publicada no início de junho, mas por uma série de motivos só está sendo publicada no final do mês. Faremos todo o esforço para que a próxima edição (de julho) saia o mais rápido possível.
A título de editorial, publicamos o roteiro sobre conjuntura aprovado pela executiva nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, numa reunião realizada no dia 2 de junho de 2024, aprovou a seguinte resolução sobre a situação política e as nossas tarefas. Embora alguns assuntos tratados tenham sido superados, as linhas gerais seguem válidas. A seguir, o referido roteiro.
“Iniciamos nossa reunião saudando a vitória de Claudia Sheinbaum, recém-eleita primeira presidenta do México. Que seu governo tenha êxito em avançar nas mudanças estruturais que o povo mexicano anseia desde a independência (1810-1821) e da grande revolução (1910-1920). Que outras vitórias como a de Cláudia venham a alegrar a vida do povo latino-americano e caribenho. E que estimulem os povos de outras regiões do mundo, na luta para derrotar a extrema-direita e neoliberalismo. Só a luta dos povos pode impedir que a situação atual evolua no sentido da guerra.
Para nós, que vivemos no Brasil, “guerra mundial” é algo que parece distante, tanto no tempo quanto no espaço. Não é assim para quem vive na Europa, na Ásia e no Oriente Médio. Naquelas regiões, em diferentes setores políticos e sociais, cresce a impressão de que caminhamos para uma nova guerra mundial. O sinal mais recente disso foi a autorização dada, pelo governo alemão, para que a Ucrânia utilizasse armamento de origem alemã, em ataques contra território russo. A autorização em si parece bizantina, uma vez que antes como agora os alvos serão russos. Mas o fato é que se cruzou mais uma “linha vermelha”: se existe autorização formal para o território russo seja atacado com armas provenientes de um país da Otan (e de um país que por duas vezes, no século XX, invadiu território russo), isto é um passo a mais para admitir que estamos diante de uma guerra entre a Otan e a Rússia. A reação imediata do governo russo foi atacar todo o território ucraniano, indo além do território onde os combates se concentravam (as repúblicas de Donetsk e Lugansk); e voltar a falar no uso de armas nucleares.
Outra região que vive em permanente estado de guerra é o Oriente Médio. Mas o genocídio cometido pelo Estado de Israel contra o povo palestino tende a produzir um salto de qualidade, como já ficou evidente nos combates diretos entre Israel e Irã, nos ataques de Israel contra Líbano e Síria, nas mobilizações maciças em inúmeros países, inclusive Turquia, que formalmente é vinculado à Otan.
Israel é um estado terrorista. O governo brasileiro deve romper relações com o Estado de Israel. Moções nesse sentido devem ser aprovadas em todos os espaços possíveis: diretórios partidários, direções de movimentos sociais etc.
Ao mesmo tempo em que dá apoio financeiro, logístico e de inteligência para a Ucrânia e para Israel, o governo dos Estados Unidos segue estimulando provocações contra a República Popular da China. O objetivo é explícito: envolver a China num conflito militar, que interrompa a expansão diplomática e econômica chinesa.
Como parte destas provocações, a general Richardson, chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, em entrevista à imprensa brasileira, explicitou que os Estados Unidos não querem que o Brasil adira a Iniciativa Cinturão e Rota. O momento em que isto pode acontecer é a visita, agendada para novembro de 2024, de Xi Jinping ao Brasil, como parte das atividades do G20.
Do ponto de vista geopolítico, interessa ao Brasil afastar-se dos Estados Unidos e associar-se à Iniciativa Cinturão e Rota, desde que isso esteja vinculado a investimentos que contribuam para a industrialização do país, para a superação da condição primário-exportadora e para o nosso desenvolvimento científico-tecnológico. Dada a situação mundial, entendemos que a China aceitará estas condições. Portanto, defendemos que em novembro o Brasil se associe a Iniciativa Cinturão e Rota.
A participação do Brasil na ICR não deve se configurar numa adesão. O peso do Brasil, no mundo e na região, permitem ao Brasil ter outro tipo de papel. É fundamental adotar uma perspectiva latino-americana e caribenha.
A situação política em nossa região é muito distinta daquela que existia entre 1998 e 2003. Naquele momento, havia em todo continente uma ofensiva das forças antineoliberais, que resultou em governos progressistas e de esquerda na Venezuela, Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Equador, Peru, El Salvador, Nicarágua e Honduras, aos quais se somaram – a partir de diferentes perspectivas – os governos do Chile e Cuba. Hoje, a direita e a extrema-direita governam (ou podem vir a governar) vários países do continente, inclusive alguns que antes foram governadores pela esquerda. Países onde a esquerda seguiu governando, passam por enormes dificuldades. E a grande novidade – a existência de governos de esquerda na Colômbia e México – não se traduziu ainda numa política de integração regional, que substitua aquela que foi impulsionada originalmente por Chavez, Lula e Nestor Kirchner.
Como pano de fundo dessas dificuldades, aprofundou-se desde 2008 a desintegração econômica regional. É esta a questão estrutural a ser atacada e revertida. A participação do Brasil na Iniciativa Cinturão e Rota só faz sentido, se contribuir nesta perspectiva.
O ambiente mundial – de guerra militar, guerra econômica, sofrimento social, radicalização política e ideológica – tem como pano de fundo uma situação ambiental que está se agravando de maneira catastrófica. Segundo diversos especialistas, esta década em que estamos é a última em que se pode agir com chances de êxito, no sentido de reduzir o ritmo do aquecimento global e, com isto, gerar o tempo necessário para medidas de adaptação da humanidade às novas condições.
Dada a crise mundial, não há sinal algum de que se consiga fazer um trabalho concertado, entre a maioria das nações do mundo, naquele sentido. Isso reforça a necessidade do Brasil tomar medidas de proteção, que possibilitem enfrentar situações como a vivida no Rio Grande do Sul. Tais medidas só terão êxito se forem estruturais, ou seja, se mudarem o modelo de desenvolvimento – afetando em particular o agronegócio – e o papel do Estado no Brasil.
Por tudo isto, é preciso abandonar imediatamente a mediocridade que vem prevalecendo na condução da política econômica. O Brasil precisa de desenvolvimento, não de austeridade fiscal. O Brasil precisa de um choque de políticas sociais e não apenas da reconstrução das políticas que já tivemos no passado. O Brasil precisa de um presidencialismo forte, apoiado pela sociedade consciente e organizada, e não de um parlamentarismo movimento pela ganância.
As recentes derrotas sofridas pelo governo no Congresso Nacional – derrotas para as quais contribuíram votos de partidos que possuem ministros no governo, inclusive votos dados por alguns petistas – demonstraram que estamos num momento decisivo. Se fingirmos que nada aconteceu e continuarmos na mesma conduta de antes, estaremos contratando nossa derrota nas eleições de 2024 e de 2026. Conscientes disso, alguns setores do Partido defendem uma reforma ministerial. Estamos de acordo com isto – lembrando sempre que o primeiro a ser demitido deve ser aquele que nunca deveria ter sido nomeado: José Múcio. Mas não basta fazer uma reforma ministerial: é preciso mudar a política do governo, sob pena de ministros novos continuarem com a política velha.
O principal problema político do governo está na linha seguida pelo ministério da Fazenda. Tendo em vista que o Banco Central segue mantendo os juros altos, manter uma política fiscal austera impacta negativamente toda a economia do país. Crescemos menos do que podemos e precisamos, ampliamos políticas sociais menos do que podemos e precisamos. E, no ambiente gestado por esta política medíocre, não se criam as condições políticas indispensáveis para fazermos reformas de maior alcance. Sem as quais seremos derrotados, mais cedo ou mais tarde.
A política econômica não é o único problema político do governo. Já nos referimos, em outras resoluções sobre conjuntura, a necessidade de mudanças (de titular e/ou de política) em vários outros ministérios, tais como Defesa, Comunicação, Casa Civil, Reforma Agrária e Educação. Mas enfatizamos: sem mudar a política econômica, todo o restante estará prejudicado.
Há setores do governo e dos partidos de esquerda que, à boca pequena, nos corredores, em intervalos de reunião, reclamam da situação do governo. Não sabemos se tais pessoas têm apresentado estas queixas diretamente ao presidente da República. Se não o fizeram, deveriam fazê-lo, pois esta é a única maneira politicamente correta de agir. Da mesma forma deve fazer o Partido dos Trabalhadores. Reunir sua direção nacional, fazer um balanço e propor mudanças.
Além de mudar a política econômica, é preciso mudar a chamada “política de governabilidade”. Desde 2023, a governabilidade vem sendo construída em torno de dois pilares: o Congresso e o Supremo. Os limites disto estão óbvios: o preço pago pelo apoio do Congresso é maior do que se pode pagar e o retorno é sempre menor; já no Supremo, está em curso um recuo no combate à extrema-direita, ao mesmo tempo em que prevalece uma maioria social-liberal nas questões econômicas e sociais. Não há a menor perspectiva de alterar, no curto prazo, as maiorias atualmente existentes no Congresso e no STF. Isso exige adicionar, à nossa política de governabilidade, dois outros elementos: a mobilização social e uma política de comunicação de massas de outro tipo.
No que diz respeito a mobilização social, registramos como um passo positivo a atividade realizada no dia 22 de maio, em Brasília. Apesar das limitações e problemas, serviu para deter o processo de desmoralização que vinha em curso, desde o fracasso das manifestações de março e de maio. Entretanto, estamos ainda muito longe do necessário para incidir na conjuntura. Basta comparar a presença nas manifestações dos movimentos sociais, com a audiência nas Marchas com Jesus.
Na perspectiva de ampliar a mobilização, contribuiria muito se o governo mudasse sua política de comunicação. Esta mudança depende do governo e apenas do governo.
Tais mudanças devem ser feitas imediatamente, inclusive para que impactem no resultado das eleições municipais de 2024. O PT terá candidaturas a prefeitura e câmara em boa parte das cidades do país. Em alguns casos, apoiaremos candidaturas de outros partidos. Só teremos o número preciso, quando as candidaturas forem registradas. É fundamental que estas candidaturas sejam bem votadas e que elejamos o maior número possível. Vale lembrar que em 2020 elegemos apenas 183 prefeitos/as e 2655 vereadores/ras. Para efeito de comparação, nosso melhor desempenho foi em 2012, quando elegemos 635 prefeitos/as e 5166 vereadores/as. É possível que em 2024 tenhamos um crescimento no número de votos, prefeituras e cadeiras de vereador, em relação a 2020. Mas a pergunta é: como ficará a correlação de forças em relação aos demais partidos?
Cabe lembrar que nosso desempenho nas eleições municipais não tem relação direta com nosso desempenho na eleição presidencial. Mas nosso desempenho nas eleições municipais tem grande relação com nosso desempenho nas eleições para o Congresso Nacional. Ter força nos municípios amplia a chance de eleger deputados/as federais. Cabe lembrar, ainda, que não estamos num momento normal da disputa política nacional. Um resultado positivo nas eleições municipais (por exemplo, com vitória do PT em grandes cidades e capitais) criará um ambiente favorável, num momento em que isto é particularmente importante. Mas o inverso também é verdadeiro.
Durante todo o ano de 2023 e durante o primeiro semestre de 2024, opinamos que a tática da eleição municipal e a política de alianças deveria ser mais audaciosa do que aquele que vem sendo implementada. Entretanto, mesmo divergindo da tática, consideramos que segue possível obter um resultado eleitoral favorável, se adotarmos um conjunto de ações, entre as quais a nacionalização e a politização das eleições municipais. A direita e a extrema-direita farão isso. Nosso governo e nossas candidaturas devem fazer, também.
O governo precisa fazer gestos fortes, que indiquem uma mudança de postura. Estre estes gestos, um pode ser feito já na segunda-feira 3 de junho: reabrir as negociações com os professores e técnicos das universidades e institutos federais. Existe espaço orçamentário para oferecer uma reposição salarial que cubra a inflação de 2024. E precisa haver espaço político para perceber que a greve tem apoio expressivo entre os trabalhadores; e, mesmo entre os que não estão em greve, há a expectativa de que o governo atue de forma coerente com tudo o que o presidente Lula sempre disse e fez em defesa da educação pública no Brasil.
Orientamos nossa militância a seguir tomando iniciativas de solidariedade para com a população do estado do Rio Grande do Sul. No curto prazo, trata-se de salvar vidas e reduzir o sofrimento do povo gaúcho. E, no médio prazo, trata-se de reconstruir o estado, sob novas bases. A catástrofe naquele estado é produto de uma combinação de fatores, entre os quais a ação e/ou a falta de ação de seguidos governos estaduais, inclusive o atual. Não apenas o socorro imediato ao estado, mas principalmente sua reconstrução, dependem em grande medida do governo federal. Como disse o presidente Lula, não pode faltar dinheiro”.
Agregamos: para que não falte dinheiro, é preciso mudar a política monetária e, também, a política fiscal. Decisões que são políticas e que exigem uma mudança na orientação geral do governo.
A direção nacional
Uma resposta
Muito boa a matéria. os movimentos de militantes de esquerda deve deixar de se subdividir isso enfraquece a luta
temos muito o que fazer.