Por Rodrigo Cesar (*)
Na última sexta-feira, 11 de outubro, depois de um encontro no salão Oval da Casa Branca entre Liu He, vice-premier da China, e Donald Trump os índices Nasdaq, Dow Jones e S&P 500 subiram mais de 1%. Segundo Trump, chegou-se a uma “fase um do acordo muito substancial”, envolvendo propriedade intelectual, serviços financeiros, suspensão de tarifas adicionais sobre produtos chineses que entrariam em vigor na terça-feira (15), bem como a compra de produtos agrícolas dos EUA pela China no valor de 40 a 50 bilhões de dólares. O secretário de tesouro dos EUA, Steven Mnuchin, afirmou que havia “um acordo fundamental sujeito a documentação” que está sendo elaborada por equipes de ambos os países e espera que esta primeira fase do acordo seja assinada no encontro entre os presidentes Trump e Xi Jinping durante a próxima cúpula dos países da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), a ser realizada no Chile nos dias 16 e 17 de novembro.
Entretanto, alguns investidores e analistas dos EUA mantiveram-se cautelosos, preferindo aguardar a oficialização do acordo, assim como o jornal estatal China’s Daily em seu editorial de domingo (13). “Embora as negociações pareçam ter produzido um entendimento fundamental sobre as principais questões e os benefícios mais amplos de relações amigáveis, o champanhe provavelmente deve ser mantido no gelo, pelo menos até que os dois presidentes coloquem a caneta no papel, pois com base em sua prática passada, sempre existe a possibilidade de Washington decidir cancelar o acordo se achar que isso servirá melhor a seus interesses”, disse o periódico chinês.
Um empecilho a mais para que a fase inicial do acordo seja firmada pode ter sido colocado pelo poder legislativo dos EUA. Na tarde de terça-feira (15), a Casa dos Representantes aprovou e encaminhou ao Senado um projeto de lei sobre direitos humanos e democracia em Hong Kong, gerando reações. Em uma matéria, a televisão estatal chinesa CCTV afirmou que se o projeto for aprovado pelo Senado e se tornar lei, iria não apenas “prejudicar as relações entre a China e os Estados Unidos” como também ter “efeito bumerangue” para os próprios EUA, alertando que uma intervenção nos assuntos de Hong Kong iria inflamar a violência das manifestações e a desordem não traria nenhum benefício à economia estadunidense, que mantém uma balança comercial superavitária de 297 bilhões com a região administrativa especial e mais de 81 bilhões de investimentos diretos em 2017. Além disso, a CCTV endossou a afirmação de um porta-voz do ministério das relações exteriores da China na última quarta-feira (16), de que neste cenário Beijing definitivamente tomaria contramedidas vigorosas em resposta. No mesmo dia, Gao Feng, porta-voz do ministério do comércio, afirmou que os EUA deveriam remover tarifas para que os países alcancem um acordo final, revelando que as tensões não se dissiparam.
Porém, entre os conselheiros de Trump não faltam aqueles que buscam afastar o pessimismo que ronda o mercado financeiro. Em entrevista nesta quinta-feira (17), Larry Kudlow, diretor do Conselho Econômico Nacional, citou uma declaração do ministério das relações exteriores chinês de que “os dois lados são unanimes na questão de alcançar em acordo econômico e comercial”, que seria de grande importância para a economia global. Mas desejar um acordo não é o mesmo que chegar a um acordo.
Ambos os países sabem que a continuidade da guerra comercial e a escalada de tarifas sobre seus produtos prejudicam a economia global e, em particular, suas respectivas economias – mas não da mesma maneira, afirmou Weijian Shan, CEO da gigante asiática PAG, que tem 30 bilhões de dólares em ativos sob sua gerência. “Ambas as partes perdem com a guerra comercial, mas os números sugerem que o dano ao lado dos EUA é maior, em termos percentuais, do que à economia chinesa”, disse Shan em entrevista no início da semana.
No atual cenário mundial de desaceleração da economia, atestada inclusive por seguidos relatórios da OCDE e do FMI projetando cada vez mais para baixo o crescimento do PIB global, a queda na taxa de crescimento do produto da indústria de transformação dos EUA – que passou de 1,6% no 1º trimestre de 2019 para 0,4% no trimestre seguinte – aproximou-os de uma recessão no setor, o que os deixa mais vulneráveis que a China – que passou de uma taxa de crescimento de 6,6% para 5,8% no mesmo período – diante dos choques nas cadeias de suprimentos provocados pelos aumentos de tarifa. Afinal, se no curto prazo a demanda dos demais setores econômicos estimula o investimento e a produção industrial, no médio e longo prazo o sentido da causalidade é o inverso: da indústria de transformação para as demais atividades econômicas, que passam a crescer (ou decrescer) mais que proporcionalmente em relação à indústria.
Portanto, mesmo a alardeada robustez do comércio varejista e do consumo das famílias, que compõe parcela significativa do PIB estadunidense, não é garantia de solidez econômica. Ademais, este setor deu demonstrações de fragilidade em função do recuo obsevado no mês de setembro: a expectativa era de crescimento de 0,2%, mas observou-se uma retração de 0,3% puxada principalmente pela queda de 0,9% nas vendas de automóveis. Cabe registrar, igualmente, que a reduzida taxa de desemprego nos EUA, a menor nos últimos 50 anos, não foi acompanhada pela recuperação da participação da força de trabalho no PIB aos níveis anteriores à Grande Recessão iniciada em 2008 e a quantidade de trabalhadores com mais de um emprego atingiu o recorde de 8,3 milhões em julho deste ano, demonstrando que para grande parcela da classe trabalhadora do país manter apenas um emprego não garante renda suficiente.
Somada à queda global das taxas de rendimento de títulos do tesouro, que chegaram a atingir índices negativos na Alemanha, França e Japão, bem como à inversão, em agosto, das curvas de taxa de rendimento dos títulos do tesouro dos EUA – situação observada às vésperas das nove maiores recessões no país desde os anos 1950, na qual títulos da dívida de longo prazo têm um rendimento menor do que os de curto prazo em função do quadro de instabilidade, incertezas e imprevisibilidade – as dúvidas em relação a um acordo entre as duas maiores potências mundiais e o prolongamento das tensões aumentam as chances de uma recessão no segundo semestre de 2020, prevista por muitos analistas.
Com a autorização da OMC para que os EUA apliquem tarifas sobre 7,5 bilhões de dólares em produtos europeus em função de subsídios fornecidos à Airbus, empresa de fabricação de aviões sediada na França, uma rodada de tarifas está agendadas para entrar em vigor nesta sexta-feira (18). Isso significaria levar o mundo “diretamente para uma recessão”, afirma Arancha Gonzalez, diretora executiva do Centro de Comércio Internacional. Diversos indicadores econômicos estão “apontando para uma mesma direção”, disse Gonzalez nesta quinta-feira (17). “Se continuarmos cavando o mesmo buraco, estaremos diante de uma grande recessão”, concluiu.
Se por um lado uma eventual guerra comercial com a Europa teria como faísca um subsídio a uma empresa específica, por outro lado, o governo Trump não deu início à guerra comercial contra a China por questões pontuais. O que está em disputa é a liderança na economia global nas próximas décadas, envolvendo grandes conflitos em torno de cadeias de valor e tecnologias de ponta, como comunicação 5G, robótica e inteligência artificial.
Assim, é difícil ver um horizonte no qual uma das partes abra mão de questões fundamentais nestas áreas para se chegar a um acordo, sobreduto quando Trump se vê em meio a um processo de impeachment ao mesmo tempo em que busca pavimentar sua reeleição no ano que vem. Nesta conjuntura, sair da mesa de negociações sem ter em mãos um acordo que lhe permita dizer que impôs uma derrota aos chineses é uma possibilidade remota. Por sua vez, para Xi Jinping, abrir mão de medidas econômicas que permitiram à China meteoricamente se tornar a segunda potência mundial, como é o caso da transferência de tecnologia de empresas estrangeiras que operam no país, não é uma opção.
Ademais, ainda que o secretário de tesouro dos EUA tenha demonstrado boa vontade em rever a designação de Beijing como “manipuladora de moeda”, é improvável que os chineses aceitem sair de uma eventual segunda fase do acordo sem a suspensão de uma ordem executiva de Trump emitida em maio para banir a gigante Huawei das redes de comunicação dos EUA por considerá-la uma ameaça à sua segurança nacional, devido à suspeita de que seus equipamentos podem servir como dispositivos de espionagem a serviço do governo chinês. Até o momento, o governo estadunidense não deu nenhum sinal de que poderia rever a questão.
Se a recessão prevista se materializar antes das eleições presidenciais dos EUA, o tiro de Trump terá saído pela culatra, arrastando consigo toda a economia mundial.
(*) Rodrigo Cesar é assessor da Central Única dos Trabalhadores