Por Valter Pomar (*)
Nos momentos “normais”, os acontecimentos de curto prazo são muito previsíveis; já o médio prazo é imprevisível e as vezes desaba sobre nossas cabeças de maneira aparentemente surpreendente.
Já nos momentos de crise, os acontecimentos de médio prazo são muito previsíveis; por outro lado, o curto prazo é no maior caso das vezes imprevisível e muitas vezes também desaba sobre nossas cabeças de maneira aparentemente surpreendente.
A decisão de Fachin, por exemplo, pegou de surpresa a imensa maioria das pessoas. Mas a surpresa decorre do quê, exatamente? De que tenha partido de um “lavajatista” uma decisão que beneficia a principal vítima da Lava Jato.
Mas o que parece um paradoxo, na verdade é uma decorrência do caos: em momentos de crise imensa como a que estamos vivendo, nada funciona “normalmente”, ao menos no curto prazo. E faz tempo que as coisas não estão funcionando “normalmente”, se estivessem Moro não teria sido o juiz dos casos em que Lula foi condenado.
Mas atenção: se o que foi dito antes é verdadeiro, então é importante saber se as coisas já voltaram ao normal ou se a crise continua grave e crescente. E se a resposta for que a crise vai piorar, então é melhor “deixar as barbas de molho” e “ficar de guarda alta”, pois do mesmo jeito que neste momento fomos beneficiados por uma decisão surpreendente, também logo ali podemos vir a ser prejudicados por um desdobramento inesperado.
Por conta disto é muito interessante, mas não é essencial entender as motivações precisas da pessoa Fachin (salvar Moro? preservar a Lava Jato?). Aliás, o simples fato de uma decisão monocrática ser capaz de produzir reviravoltas desta magnitude é um indicativo de crise; e são múltiplas (e neste caso algumas aparecem ser impublicáveis) as razões pelas quais um indivíduo toma determinadas decisões em momentos assim.
Quanto ao mérito, a decisão de Fachin é o reconhecimento tardio de que Moro não podia ter sido o juiz dos casos do Sitio e do Triplex. Mas se o juiz não tivesse sido o Moro, Lula não teria sido condenado, Lula não teria sido preso, Lula não teria sido interditado eleitoralmente. E se Lula estivesse livre, provavelmente teria vencido as eleições.
Moro foi Juiz-sem-dever-ser “apenas” para impedir Lula de ganhar as eleições. E a questão é: se o STF tivesse feito Justiça em 2018, a história do Brasil teria sido outra. Teria sido melhor.
Não teríamos 260 mil pessoas mortas, porque o SUS teria garantido vacina e o governo federal teria garantido as condições para que toda a população pudesse fazer isolamento social.
Não teríamos quase 40 milhões de pessoas de fato desempregadas, porque teríamos implementado uma política de desenvolvimento.
E assim por diante.
Portanto, para o Lula “pessoa física” a decisão de Fachin é um ato de justiça tardia, apesar disso não apagar 580 dias de prisão, não reverter os efeitos colaterais da perseguição de Moro e não eliminar a necessidade de punir a quadrilha de justiceiros que – com o apoio de inúmeros cúmplices — enganou o país nos últimos anos.
Mas para o Lula “pessoa jurídica”, para a esquerda e para a classe trabalhadora, a decisão de Fachin não é suficiente. Pois o principal efeito da perseguição de Moro e da OLJ não foi sobre a pessoa física de Lula. O principal efeito foi a eleição de Bolsonaro e suas múltiplas decorrências econômicas, sociais e políticas: 260 mil mortos, dezenas de milhões de desempregados, catástrofe econômico-social etc. E o único jeito de “reparar” este estrago é atravessando no sentido oposto a “ponte para o futuro”.
Donde decorre que o mais importante é refletir sobre o que faremos com a principal oportunidade política criada pela decisão de Fachin, a devolução dos direitos políticos de Lula. Por exemplo: Lula será candidato à presidência da República?
A resposta tem que ser: sim, será, tem que ser, precisa ser.
Mas – vamos lembrar que estamos numa situação de crise – esta decisão causará efeitos imediatos na conjuntura de 2021.
Pois vamos lembrar que um dos motivos que levam Lula a ter que ser candidato à presidência é para ajudar a interromper o genocídio de vidas, de empregos, de futuro, de esperança.
E este genocídio não pode ser interrompido em outubro de 2022. O genocídio tem que ser interrompido agora, já.
E como parece óbvio, os responsáveis pelo genocídio não vão sair de cena sem reação e luta. Daí a necessidade de fazer o povo brasileiro entrar em cena — como protagonista, não como espectador. Sem ilusões no STF, no parlamento, nas forças armadas e na classe dominante. A salvação da classe trabalhadora só pode ser obra da própria classe trabalhadora. Ninguém melhor do que o Lula para falar disso, para estimular isso, para convocar isto.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT