Kennedy, Lula e a polarização

Por Valter Pomar (*)

Recomendo a leitura do texto de Kennedy Alencar, que está disponível no texto abaixo:

https://noticias.uol.com.br/colunas/kennedy-alencar/2021/03/09/polarizacao-e-nova-uma-escolha-muito-dificil-enrustida.htm

Recomendo, mas demarco: o texto fala muitas coisas certas, mas merece um “pequeno ajuste temporal”.

Não é verdade que entre 1994 e 2014 a polarização PT e PSDB era “bem aceita pela grande imprensa e o mercado”.

Nem é verdade que “desde 2018, a coisa mudou”.

A verdade é que o PSDB foi se “radicalizando” e em 2014 simplesmente partiu para o golpe.

Foi o golpismo tucano & da direita gourmet que abriram o caminho para Bolsonaro.

Tampouco é verdade que a grande imprensa e o mercado tenham tratado a polarização entre o PT e Jair Bolsonaro como uma “armadilha que evitaria uma escolha sensata”.

Como o próprio Kennedy descreve em seu texto, a maior parte da grande imprensa e do mercado escolheram Bolsonaro para derrotar o Haddad e Lula.

Portanto, não achavam que existia equivalência entre os dois extremos. Achavam o PT pior.

Kennedy parece não se conformar com isto, afinal na opinião dele Lula é um “político que aplicou uma política de centro no Brasil, tentando uma reforma negociada do capitalismo selvagem brasileiro, a tal conciliação por cima com as elites”.

A conclusão, que Kennedy não tira, é óbvia: o andar de cima não gosta de conciliação do povo com as elites, o andar de cima gosta de conciliação das elites com as elites.

Por não ter entendido este “detalhe”, muita gente foi surpreendida pelo golpe e por tudo o mais.

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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SEGUE O TEXTO CRITICADO

Kennedy Alencar

Colunista do UOL

09/03/2021 10h14

PT e PSDB polarizaram disputas presidenciais em seis oportunidades seguidas, entre 1994 e 2014. Era uma polarização bem aceita pela grande imprensa e o mercado. Com a moderação do PT ao centro em 1995, no rescaldo de uma derrota para Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno no ano anterior, passou a se enxergar uma maturidade institucional que deixava nas mãos do eleitor uma escolha racional, que colocaria o país num rumo sem risco de aventuras políticas e econômicas.

Desde 2018, a coisa mudou. A polarização entre o PT e Jair Bolsonaro passou a ser vista como a sagração da divisão do país, uma armadilha que evitaria uma escolha sensata. Trataram como ameaça semelhante a Bolsonaro um partido que governou democraticamente e aceitou um golpe parlamentar porque o STF covardemente o convalidou. Colocaram o PT ao lado de Bolsonaro. A tal da falsa equivalência ganhou a praça.

No segundo turno de 2018, o telejornalismo estava interessado nos compromissos de Fernando Haddad e do genocida com a democracia. Parece piada, ainda mais feita pela parcela da imprensa que atuou como assessoria de imprensa da Lava Jato _essa, sim, uma ameaça à democracia por ter corrompido a lei processual penal.

Mas a coisa mais caricata daquele segundo turno foi o editorial de 8 de outubro do jornal “O Estado de S.Paulo”, intitulado “Uma escolha muito difícil”. No texto, estavam todos os falsos argumentos para acalmar a consciência de quem quisesse apertar 17 ou anular o voto, o que significava socorrer Bolsonaro.

Muitas pessoas esclarecidas dizem que não poderiam avalizar “a-roubalheira-do-PT”. Ajudaram direta ou indiretamente a eleger o defensor do Ustra contra um professor universitário democrata, preparado e moderado. Há aqueles que anularam e agora dizem que escolheram Haddad, mas basta ler o que diziam e escreviam na época para desconfiar disso. O voto nulo foi o esconderijo de muitos democratas de pandemia. Outros votaram mesmo em Bolsonaro e não ousam dizer o nome desse amor eleitoral porque pega mal depois do vexame de Sergio Moro, Paulo Guedes e da tragédia do coronavírus. Óleo de peroba e tentativa de reescrever biografias estão em alta no jornalismo brasileiro. Essa gente que cobra autocrítica de todo mundo tem queixo de vidro quando se menciona o que fizeram no verão passado.

Com a decisão do ministro do STF Edson Fachin que devolve Lula ao jogo eleitoral, pois, na prática, anula duas sentenças e uma denúncia contra o petista, volta-se com o fantasma da polarização que vai acabar com o país, projeto no qual Bolsonaro está bastante empenhado.

Vemos ex-ministros de Bolsonaro, que toparam servir ao genocida e foram escanteados, alertando contra o risco de cisão social do Brasil. O palestrante por vocação Deltan Dallagnol, que não deveria ser autorizado a conduzir mais nenhuma investigação no Ministério Público, está preocupado com o combate a corrupção. Quem achou que Bolsonaro ressignificaria a política no Brasil passou recibo do medo de enfrentar Lula na cédula eleitoral. Moralistas sem moral querem dar aula de democracia.

Jornalistas voltaram a dizer que a polarização é um risco danado, que o mercado que encheu as burras no governo Lula está arisco e que o Brasil, coitado, está fadado a escolher entre dois extremos e vai desaparecer da face da terra. A ladainha não para.

Ora, se a imprensa tivesse feito o seu trabalho em 2018, Bolsonaro não teria sido eleito. Mas certo jornalismo profissional queria muito ter os superministros Moro e Guedes alojados em Brasília. O “risco da polarização” é a velha “Uma escolha muito difícil” enrustida, aquela que atirou o Brasil no abismo. Lembram?

Essa conversa de que a volta de Lula ao jogo é uma forma de fortalecer os extremos e alijar o centro da disputa é desonestidade intelectual e/ou burrice pura. Que centro? A centro-direita e a direita?

Se houve um político que aplicou uma política de centro no Brasil, tentando uma reforma negociada do capitalismo selvagem brasileiro, a tal conciliação por cima com as elites, esse político foi Lula.

O cenário político está cheio de possíveis presidenciáveis. Que se apresentem e deixem o eleitor escolher. É legítimo criticar o PT e apontar um rumo diferente para o Brasil. Mas é legítimo que Lula, que não teve um julgamento imparcial e foi alijado de uma disputa na qual era líder nas pesquisas, possa, se tiver condições de concorrer, decidir se quer tentar a Presidência novamente. O nome disso é democracia.

Tem uma turma que não aprendeu nada e continua fazendo o jogo do obscurantismo no Brasil.

 

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