Por Wladimir Pomar (*)
“No ano 2000” | Ilustração: Jean-Marc Côté
A revista Veja 2746 publicou uma interessante entrevista dada por Angus Deaton, prêmio Nobel de Economia de 2015, a Armínio Fraga, que foi presidente do Banco Central brasileiro. Para início de conversa, Fraga reconhece que “no Brasil, conhecemos de perto o drama da desigualdade e de sua persistência no tempo, que se traduz na falta de mobilidade social”.
Deaton, por sua vez, considera que “lidar com desigualdade e mobilidade social é caminhar na mesma direção”. Para ele, não haveria “conflitos de escolha”, já que ambas estão ”intimamente ligadas”. Em “países onde há muita desigualdade, tende a haver muito pouca mobilidade social”. O contrário também seria verdadeiro porque “se você tem baixa mobilidade social, isso vai fazer com que haja uma desigualdade de renda muito alta”.
Fraga também reconhece que o “problema da desigualdade” cresce no Brasil. Embora o Bolsa Família seja “um ótimo programa”, ele só vai “até certo limite”. Ou seja, a maioria das pessoas ultrapassa a linha da pobreza, mas isso “não é suficiente” para a mobilidade social. Além disso, o Brasil teria “um setor informal muito grande”, fazendo surgir a discussão sobre a busca de “alguma forma de renda básica universal”. Deaton, ao contrário, considera “extraordinariamente cara” a “renda básica universal” e supõe necessários “outros instrumentos… de proteção social”, a exemplo do seguro-desemprego e da cobertura de saúde, para ir “além de programas como o Bolsa Família”.
Ao ser perguntado por Fraga sobre “o que torna o capitalismo incapaz de resolver os problemas sociais… mesmo em sociedades tão avançadas como as dos países ricos”, Deaton reconhece que “a verdadeira angústia que está afetando a classe trabalhadora americana… é a perda do emprego”. Para ele, seria necessário “incentivar a criação de empregos para todos”, o que requer pensar sobre que tipo de automação… encorajar”, substituindo o “enorme incentivo fiscal para que os empregadores instalem robôs nas empresas”, por “um mecanismo que requalifique as pessoas” para que não fiquem sem trabalho.
Ou seja, Deaton parece desconhecer as contradições básicas do capitalismo, que o empurram para uma constante corrida pela elevação da competitividade e, portanto, da produtividade de suas forças produtivas. O que gera, através do desemprego das forças de trabalho, outras “muitas formas diferentes de desigualdade”, a exemplo da educacional, da representação e da participação política, do acúmulo de riqueza por diferentes mecanismos técnicos, sociais e políticos, e “dos níveis vertiginosos das ações financeiras que geram uma verdadeira aristocracia”.
Mesmo assim, Deaton acredita ser “preciso alcançar uma situação em que esse grupo ajude a próxima geração”. Ou seja, apesar de ter uma noção relativamente clara sobre o desenvolvimento técnico e científico do capitalismo, ele acredita ser possível corrigir suas contradições, inclusive aquela que Marx e Engels consideravam básica, sem realizar uma mudança radical.
É evidente que tal contradição, na atual fase de globalização do capital, não atua da mesma forma nos diferentes países do mundo. Nos Estados Unidos e na Europa desenvolvida, ao mesmo tempo em que cria miragens tecnológicas e atrai força de trabalho mais barata de nações pouco industrializadas, ela amplia o desemprego e aprofunda os dissabores de suas classes trabalhadoras. Em alguns países que haviam ingressado no desenvolvimento industrial durante o processo inicial de globalização do capital, como é o caso do Brasil, ela força a desindustrialização e, como consequência, o desemprego em setores crescentes.
Na China e no Vietnã, que adotaram o crescimento industrial, articulado ao desenvolvimento científico e tecnológico, à concorrência do mercado, e à orientação estatal, como uma combinação necessária para administrar as contradições do capital e elevar a produtividade ao ponto de atender a todas as necessidades sociais, o Estado administra os problemas através de uma combinação complexa. Utiliza o atendimento público à saúde como instrumento de apoio e o seguro-desemprego como forma de elevação da capacidade técnica da classe trabalhadora (para receber o seguro precisa estar atendendo algum curso técnico).
Mas ambos não têm ilusão alguma de que chegará o momento em que a produção industrial e agrícola terá alcançado uma produtividade capaz de atender a todas as demandas de suas sociedades e, ao mesmo tempo, não precisará mais da força de trabalho humana para operar as forças produtivas. Ou seja, o momento em que será necessário reestruturar o processo de atendimento das necessidades humanas da sociedade de modo que todos, sem exceção, tenham acesso aos bens e serviços produzidos sem que, para tanto, precisem vender suas forças de trabalho.
Ou seja, terá chegado o momento em que a propriedade privada terá que ser substituída pela propriedade social, em que o trabalho humano estará cada vez mais voltado para o desenvolvimento científico, tecnológico e cultural, e em que a divisão de classes entrará em declínio. Espera-se que nenhuma nova guerra mundial destrua tais expectativas, e que ainda sejam necessárias algumas dezenas de anos para chegar a tanto.
Mas esse é um caminho forçado pelo próprio desenvolvimento capitalista, obrigando as sociedades e criarem, como supõe Deaton, mecanismos que requalifiquem as pessoas para trabalhos científicos e tecnológicos, e não incluam, como demanda o capitalismo, a venda da força muscular e espiritual dos seres humanos. Tal caminho tenderá a ficar cada vez mais evidente nos países capitalistas avançados.
É evidente que planos de reconstrução da infraestrutura, como pretende Biden nos Estados Unidos, podem momentaneamente arrancar parte dos lucros da plutocracia norte-americana e gerar uma verdadeira onda de novos empregos. No entanto, em algum momento posterior à tal reconstrução, a situação de desemprego voltará à ordem do dia e a contradição entre a elevação da produtividade industrial e o amplo corte nos empregos voltará a assolar a classe trabalhadora, recolocando na ordem do dia a superação do próprio capitalismo e a transição socialista.
No Brasil, para resolver o problema do crescente desemprego e da crescente miséria social, além da reconstrução da infraestrutura, será necessário realizar novos processos de industrialização e de ampliação da pequena e média agricultura.
Processos que incluam empresas estatais diversificadas, assim como uma gama considerável de micros, pequenas e médias empresas privadas, que disputem o mercado nacional com os importados, e ofereçam uma gama considerável de empregos, inclusive combinando o Bolsa Família com algum tipo de trabalho privado ou comunitário, e abrindo uma perspectiva socialista para nosso povo.
(*) Wladimir Pomar é jornalista, escritor e militante petista