Por Valter Pomar (*)
Primeiro foi o Tarso Genro, que no dia 23 de setembro teria afirmado que “seria bom o surgimento de uma terceira via para o país. Não acho que seria saudável para a democracia brasileira que fosse uma disputa entre Lula e Bolsonaro. Bolsonaro tem que ser derrotado antes por impeachment ou politicamente nas eleições para não participar do segundo turno. Seria uma limpeza do protocolo político republicano do Brasil e das agressões que a extrema-direita tem feito a todas as instituições”.
A entrevista de Tarso pode ser vista aqui:
A posição de Tarso mistura duas questões diferentes.
Uma é: Bolsonaro faz mal para a democracia, como presidente, como candidato, como pessoa, como for.
Outra é dizer que seria “bom” o surgimento de uma “terceira via”.
Entretanto, pode ser que Tarso tenha se expressado mal, até porque há alguns meses ele pensava diferente, como se pode ler nesta matéria de maio de 2021, onde ele dizia que a “polarização entre Lula e Bolsonaro é boa para o país”:
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/05/03/tarso-genro-entrevista.htm
Depois de Tarso, foi a vez de Flávio Dino, que em entrevista à Folha de S. Paulo disse ser “torcedor da terceira via, seria bom para o Brasil uma alternativa autenticamente de centro-direita, com ideário liberal, porque qualifica o debate”.
A entrevista de Dino está aqui:
Flávio deixa claro ser “militante de uma alternativa mais à esquerda”.
Por qual motivo, então, ele acha que seria bom “para o Brasil” uma “alternativa autenticamente de centro-direita, com ideário liberal”?
A afirmação de que isto “qualifica o debate” só faz sentido em comparação com Bolsonaro, embora seja um erro grave passar o pano nas candidaturas tucanas e afins, que especialmente em 2006, 2010, 2014 e 2018 não tiveram nenhum pudor em utilizar argumentos da extrema direita contra o PT.
A torcida de Flávio Dino em favor da “terceira via” fica ainda mais estranha, quando confrontada com a opinião – também de Dino – segundo a qual “a desidratação de Bolsonaro é inexorável. A partir de março ou abril do ano que vem, ele vai começar a perder muito apoio. As pessoas vão começar a olhar viabilidade e o seu estado. A política local vai ganhar mais força”.
Dino diz também que o “derretimento” de Bolsonaro “deriva de sua política antidemocrática, que é lida pela população como apreço pela confusão. A população quer governante que governe, tem que trabalhar, dar expediente”.
Se isto que diz Flávio Dino for verdade, se Bolsonaro realmente estiver condenado inexoravelmente a “desidratar” e “derreter” (não faço ideia de que como seja possível acontecer as duas coisas ao mesmo tempo, mas enfim, o uso de imagens é livre), então não consigo entender qual o sentido político e eleitoral que haveria em alguém de esquerda “torcer” pela “terceira via”?
Afinal, neste cenário previsto por Dino, quem enfrentaria Lula seria alguém da mal denominada “terceira via”. Que, como Dória já demonstrou e Ciro lembra todo dia, fará de tudo para atrair o voto da extrema direita.
Detalhe: se acontecesse o cenário previsto pelo governador do Maranhão e se, além disso, Lula vestisse o figurino “centrista” que Flávio Dino propõe, a eleição presidencial seria então disputada pela centro-esquerda e pela centro-direita.
Não é preciso ter bola de cristal para saber que vai terminar mal para nós uma disputa deste tipo.
Flávio Dino afirma o seguinte: “quanto mais centrista Lula for, melhor política e eleitoralmente. O Lula deve sinalizar para mediações, porque o risco que o Brasil corre é muito alto. O Bolsonaro é golpista. (…) Como a chave dominante na eleição vai ser a questão social, diferente da de 2018, creio ser possível que pessoas que são conservadoras em outros âmbitos da vida venham a considerar que o governo Lula trará mais estabilidade e uma equação melhor da temática social”.
Ora, se a “questão social” vai ser a “chave” da eleição, então Lula vai ter que enfrentar-se com os defensores do programa neoliberal.
E se Lula fizer este enfrentamento a partir de posições de “centro”, isso vai facilitar a vida da terceira via.
Um bom exemplo deste facilitar é a posição de Flávio sobre o teto: “acho que não precisa revogar a emenda, embora ela esteja duplamente errada”, “dizer pura e simplesmente que vai acabar com o teto está errado”, “defendo um novo teto”.
Este tipo de posição – que faz mediação ao invés de polarizar – é tudo o que a direita neoliberal quer.
(A defesa que Dino faz do IVA incorre no mesmo problema, mas deixo este debate para outro momento.)
Entretanto, contudo, todavia, acho que Dino está otimista demais. Bolsonaro não é cachorro morto.
Mesmo fazendo um governo de merda, o cavernícola mantém alto índice de aprovação nas pesquisas.
Sendo assim, é temerário dizer que “mesmo que tenha algum programa social, ninguém deixará de votar no Lula”.
Até porque não é preciso que alguém “deixe” de votar em Lula, basta que votem em Bolsonaro os que hoje -nas pesquisas- não estão declarando voto em ninguém.
Enfim, sempre há o risco das respostas de Flávio Dino terem sido mal editadas. Até porque há outras opiniões confusas.
Por exemplo: perguntado “por que ainda há tanta resistência dos empresários a Lula?”, Dino responde que “há preconceito, mas se você analisar a realidade concreta, não vai encontrar base empírica para essa ideia de que a política de Lula foi extremista. Não foi e não será”.
Verdade? Sim, verdade: “extremistas” são os grandes empresários que se opõem a Lula porque preferem um governo que contribui para a destruição de empregos, redução de direitos e salários.
Esta é a “realidade concreta”, a “base empírica” da oposição de boa parte do grande empresariado contra Lula.
Neste sentido, o “extremismo bolsonarista” – atípico ou não – é muito conveniente para o grande empresariado capitalista (e para os EUA).
Outro exemplo de opinião confusa, pelo menos a meu juízo: “eu não fixo fronteira, a não ser a que exclui o extremismo de direita. Se você tem um programa nacional desenvolvimentista e democrático, quem se dispõe a fortalecê-lo é bem-vindo, independente da posição A ou B no passado”.
Ocorre que a chamada “terceira via” não defende um “programa nacional desenvolvimentista” (nem tampouco defende um programa democrático, diga-se de passagem).
Portanto, adotar este programa fixa uma fronteira que exclui a direita gourmet, não apenas a extrema-direita.
Há outros aspectos da entrevista de Flávio Dino que mereceriam melhor debate (a “estabilidade redesenhada”, “o fator Dilma”, a posição sobre um empresário na vice, a informação de que o apoio do PSB a Lula depende de respeitar os “projetos” dos Socialistas, o “estamento armado” etc.).
Mas para não me estender, me limitarei a dois temas.
Primeiro: embora tire conclusões a meu ver equivocadas, Dino está totalmente certo ao dizer que “a eleição de 2022 vai ser muito pior do que qualquer coisa que a gente já viu”.
Segundo: Dino está errado ao afirmar que “Ciro pode dizer o que quiser, ele sempre será visto como do nosso campo”.
Penso o oposto.
Se Ciro fará ou não uma provocação no dia 2 de outubro, logo saberemos. Mas o coronel está disposto a tudo. Quem viver, verá.
(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório Nacional do PT