Partido de esquerda salvadorenho alega fraude no pleito que reelegeu Bukele para presidente com 85% dos votos
Por Rita Camacho (*)
Se já fora catastrófico para a esquerda salvadorenha testemunhar a reeleição de Nayib Bukele para mais cinco anos como presidente com quase 85% dos votos, o pesadelo se ampliou na segunda-feira, 19 de fevereiro, quando finalmente o Tribunal Superior Eleitoral, após 15 dias de escrutínio, divulgou os resultados da eleição parlamentar do país centro-americano. Pela primeira vez desde 1994, quando estreou em eleições, a Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional (FMLN) ficou sem representação na Assembleia Nacional de El Salvador. Não alcançou votação para sequer uma das 60 cadeiras em disputa, embora algumas pesquisas de opinião, dias antes das eleições, lhes atribuíssem até duas. Bukele garantiu 57 deputados para sua base de sustentação: 54 com seu partido, o Nuevas Ideas; duas com o Concertación Nacional e uma vaga pelo Demócrata Cristiano. A Arena, partido que até 2014 polarizava a cena eleitoral com a FMLN, elegeu dois deputados, a última vaga é do Vamos. Alegando fraude, candidatas da FMLN formalizaram um pedido de anulação das eleições no TSE, que a conta oficial do partido no Facebook chama de “Tribunal Sumiço Eleitoral”.
Recordemos que Bukele, jovem empresário de família abastada e fenômeno das redes sociais, foi lançado no cenário político-eleitoral pela FMLN em 2012, quando foi eleito pelo partido para prefeito de Nuevo Cuscatlán, pequeno município da região metropolitana de San Salvador. Na eleição seguinte, em 2015, ganhava o comando da capital. Tinha esse posto quando foi expulso pelo partido após uma série de desavenças com a direção e denúncias de assédio moral contra uma funcionária da prefeitura.
Não teve tempo legal de disputar a presidência em 2019 pelo Nuevas Ideas, movimento que ele lançou logo após a expulsão, mas candidatou-se por outra sigla (Gana), ganhando em primeiro turno. Nas duas eleições presidenciais anteriores, a FMLN havia sido vitoriosa disputando com a Arena em segundo turno. Elegeu Maurício Funes em 2009 e Salvador Sánchez Cerén em 2014.
No poder e amparado por maioria parlamentar, Bukele destituiu os integrantes da Corte Suprema de Justiça, para a qual nomeou aliados, facilitando a perseguição a adversários políticos e garantindo respaldo à manobra que promoveu para se candidatar à reeleição. Licenciou-se seis meses antes do pleito para configurar um suposto intervalo entre seus mandatos. A reeleição é proibida pela Constituição salvadorenha.
Com o argumento de controlar a violência urbana e prender os cabeças das quadrilhas organizadas que atuam no país, Bukele mantém El Salvador há quase dois anos sob regime de exceção. No ano passado, inaugurou o Centro de Confinamento do Terrorismo, com capacidade para 40 mil presos, num país do tamanho do estado de Sergipe. Organismos salvadorenhos e internacionais denunciam prisões arbitrárias, tortura e todo tipo de violação do devido processo legal, como, por exemplo, julgamentos em massa.
“A comunidade internacional deve permanecer vigilante e utilizar todos os recursos e mecanismos à sua disposição para parar e reverter os abusos e a violência estatal que colocam em risco a situação dos direitos humanos em El Salvador”, declarou Ana Piquer, diretora da Anistia Internacional para as Américas, após o anúncio da reeleição de Bukele.
(*) Rita Camacho é jornalista e filiada ao PT. Morou e/ou visitou El Salvador de 2013 a 2020.