Por Natália Sena (*)
Diante do agravamento da situação política, social e econômica, que já está sendo aprofundada pela pandemia do coronavírus, as organizações políticas, especialmente as de esquerda e que estão na oposição ao governo Bolsonaro, estão diante do desafio de apresentar propostas e soluções para a situação gravíssima no Brasil, na região e do mundo.
O governo Bolsonaro já demonstrou que não tem condições de tratar esta crise de forma adequada. Além de subestimar a sua gravidade, por exemplo cometendo a sandice de estimular a aglomeração de pessoas, é evidente que a política econômica aplicada até aqui e as propostas apresentadas por Paulo Guedes para lidar com o problema do coronavírus são completamente ineficazes e insuficientes.
Diante da perspectiva do isolamento social, do colapso do sistema de saúde e das imensas dificuldades da maioria da classe trabalhadora em manter o seu próprio sustento em uma situação deste tipo, a solução é óbvia: mais e mais e mais Estado, governo colocando dinheiro na mão das pessoas, política social, assistência, saúde pública e universal!
O cenário descrito nos parágrafos anteriores faz lembrar o ocorrido na reunião do Diretório Nacional do PT, realizada no último final de semana, dias 13 e 14 de março.
Após no dia 13, ter sido feito o debate sobre a conjuntura internacional e nacional, o sábado (14) foi o dia da apresentação, debate e votação das emendas aos respectivos textos, ou seja, aquelas que não tinham sido incorporadas pela secretaria geral, por ausência de consenso.
No texto de conjuntura nacional, três emendas foram destacadas para debate e as três foram a voto.
A primeira emenda foi defendida por Marcus Sokol, do DAP (Diálogo e Ação Petista), e tinha como conteúdo a inclusão no texto da ideia de que é preciso lutar pelo fim do governo Bolsonaro, sem que isso se converta necessariamente em uma palavra de ordem. Nesta emenda, pelo que verifiquei, votaram todas as correntes da chamada esquerda petista.
A segunda emenda foi defendida por Valter Pomar, da AE (Articulação de Esquerda), e afirmava que é legítimo defender o “Fora Bolsonaro” e o impeachment, de forma articulada com a recuperação do apoio da classe trabalhadora para a defesa dos direitos sociais, da soberania nacional, das liberdades democráticas. Nesta emenda votaram as correntes da esquerda petista, com exceção do DAP, que se absteve, e que fez o mesmo na emenda seguinte.
A terceira emenda foi defendida por Renato Simões, integrante da MS (Militância Socialista), e era no sentido da inclusão da palavra de ordem “Fora Bolsonaro” na linha política do Partido.
As três emendas tiveram defesas contrárias por parte de companheiros da CNB (Construindo um Novo Brasil), que em resumo argumentaram que o 7º Congresso nacional do PT já teria tirado posição contra o Fora Bolsonaro (congresso ocorrido em novembro de 2019 e cujas resoluções até hoje não foram totalmente aprovadas e publicadas), e que não existiria correlação de forças na sociedade para que o PT adotasse tais ideias como parte da nossa tática de oposição.
No fim das contas, rejeitadas as três emendas, o texto definitivo, divulgado no dia 17 de março, afirma apenas que a nossa luta deve ser pelo fim das políticas implementadas pelo governo Bolsonaro.
Rememorando este debate e olhando para o que aconteceu nos poucos dias que sucederam a sua realização, é impossível não se perguntar: qual iniciativa política melhor do que defender o fim do governo Bolsonaro pode ser tomada por quem está FORA do governo?
Pressionar para que o governo, que é nosso inimigo, mude de política?
Que instrumentos de pressão nós temos para fazê-lo?
São perguntas que merecem reflexão séria e baseada na realidade concreta, não nas nossas vontades individuais ou coletivas.
É justamente pelo fato de a mobilização social ser algo momentaneamente difícil de se fazer, pelo fato de o Congresso estar praticamente sem funcionar (apesar de não ter fechado), que caberia ao maior partido de esquerda do Brasil ter uma iniciativa política com maior radicalidade, que apontasse um horizonte para os milhões de brasileiros e brasileiras que, desde já e com maior ênfase nas próximas semanas, estarão desesperados diante da situação concreta de extrema dificuldade, com saúde debilitada, empregos e subsistência em risco.
É óbvio que o objetivo de derrubar um governo e derrotar a sua política não é algo que se alcança apenas com uma palavra de ordem. No entanto, palavras de ordem não são colocadas no debate apenas quando a situação está madura para que elas sejam concretizadas no dia seguinte.
Neste sentido é que é preciso ir criando o ambiente para que o anseio pela derrubada do governo e pela derrota de sua política se tornem questões majoritárias na população, e isto se faz também através da adoção de palavras de ordem, que em determinado momento alcançam poucos, podem vir a alcançar muitos, e podem se constituir em tática política imediata.
Ao mesmo tempo, não é possível trabalharmos com a lógica de ir aos poucos enfraquecendo a política do governo, acreditando que isto é suficiente para tornar o governo tão frágil ao ponto de ser derrubado. Este raciocínio desconsidera o fato de que não estamos sozinhos na luta política e, portanto, o enfraquecimento do governo pode levar a sua derrubada por outros integrantes do lado de lá, de dentro ou mesmo de fora da coalizão bolsonarista. Isto sem contar o fato de que nossos inimigos sabem bem quais são os nossos propósitos e nos tratam à altura, diante do quê devemos fazer o mesmo: tratá-los à altura!
O fato de sermos o maior Partido da oposição e de termos governado o Brasil por mais de uma década, não nos coloca no lugar de líderes naturais do combate contra Bolsonaro e suas políticas. Não podemos cometer os mesmos equívocos que outrora foram cometidos, de achar de devagar e sempre chegaremos lá, sem rupturas e sem radicalidade prática e política. O golpe, a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro já deixaram explícito que a radicalização virá, queiramos ou não.
Mas ainda tem tempo para esta posição ser corrigida e para o PT se colocar na linha de frente do combate contra o caos que se aprofundará no país nos próximos dias e semanas.
Isto passa por nos colocarmos na dianteira da luta pelo fim do governo Bolsonaro, pelo Fora Bolsonaro, pelo impeachment de Bolsonaro, e por adotarmos todas as ações concretas possíveis, seja no Congresso, nas redes ou onde mais for viável.
É isto que vai nos colocar, de forma nítida e sem titubeios, na condição de alternativa real a todo o desastre que este governo representa.
Se não fizermos isso, há duas alternativas já em curso: uma delas é a recomposição entre Bolsonaro e os golpistas críticos a Bolsonaro, como Rodrigo Maia, Globo… A outra alternativa é o confronto total na coalizão golpista, que pode resultar ou numa “ditadura bolsonarista” ou num fora Bolsonaro pela direita, cuja consequência institucional ainda não está nítida.
Portanto, equivocam-se os que dizem que não podemos defender o impeachment ou o Fora Bolsonaro, porque isto pode resultar num bolsonarismo sem Bolsonaro. Esta alternativa pode ocorrer sim, mas ela já está em curso, por iniciativa deles. Se demorarmos, se não tivermos iniciativa política, pode ocorrer um cenário em que setores da direita hegemonizem o crescente sentimento de repúdio do povo pelo desastre que é o governo Bolsonaro, como se a direita deste país não tivesse a sua digital profundamente conectada com Bolsonaro e tudo que pavimentou o caminho para que ele se tornasse presidente.
A moral da história é: temos que entrar em campo, sem o que a decisão será tomada por eles, numa queda de braço entre eles, em benefício deles.
Claro que há um problema a ser resolvido: o que virá depois? Qual a alternativa para substituir Bolsonaro? E em nossa opinião, a única alternativa democrática é a convocação de eleições diretas e livres, ou seja, de que Lula possa participar.
(*) Natália Sena é integrante do Diretório Nacional do PT