Por João Luís Lemos (*)
Guaratinguetá é um município situado na região do Vale do Paraíba paulista, historicamente com peso importante do conservadorismo e atualmente com reduzido nível de organização de movimentos de massa da classe trabalhadora. Nas eleições de 2018, por exemplo, Bolsonaro obteve 79% dos votos no segundo turno contra 21% de Fernando Haddad. Nas eleições de 2020, cinco candidaturas à prefeitura foram apresentadas: Marcus Soliva (PSC/atual prefeito); Argus Ranieri (MDB); Junior Filippo (PSD); César da Florestal (PP); e Dr. João Carlos (PT). Preliminarmente, é importante notar a queda no número de votos válidos: 65.891 em 2016 e 62.126 em 2020.
Com exceção da candidatura do PT, todas as demais dialogaram em alguma medida com o bolsonarismo. Apesar de sua força no município, este permaneceu difuso e dividido principalmente entre a candidatura do PSC e do MDB. É interessante notar que três candidatos que concorreram em 2020 também o fizeram em 2016 e que o PT também teve candidatura própria há quatro anos. É possível, portanto, estabelecer uma comparação com razoável nitidez.
Marcus Soliva, atual mandatário eleito em 2016 pelo PSB e hoje no PSC, obteve 26.422 votos em 2016 (40,10%) e em 2020 foi reeleito com 30.062 votos (48,39%). Sua gestão foi marcada ao longo dos últimos quatro anos pela precarização de serviços públicos com aprofundamento das terceirizações e perseguição política contra servidores. Além disso, a cidade vem enfrentando sérios problemas de falta de água, precariedade no transporte público, dificuldade de acesso a serviços básicos na saúde. Na pandemia, Soliva adotou quase que integralmente a pauta do bolsonarismo, incentivando o uso da hidroxicloroquina e defendendo a lógica da “imunização em rebanho”. Apesar de tudo isso, seu governo conseguiu viabilizar algumas obras em vias públicas por meio de empréstimo no último um ano e meio, o que impactou a percepção popular sobre seu governo, conseguindo sustentar a imagem de “gestor”. Seu partido conseguiu eleger a maior bancada na Câmara Municipal com quatro vereadores e um partido aliado (PL) também elegeu uma vereadora.
Argus Ranieri (MDB) constituiu a maior coligação para as eleições de 2020. Reuniu em sua chapa setores da centro-esquerda, da direita tradicional e da extrema direita: Republicanos, PDT, PSL, PSDB, Patriota, Solidariedade e PTB. Em 2016, obteve 22.305 votos (33,85%), enquanto em 2020 caiu para 18.115 (29,16%). Sua campanha deu bastante centralidade para as “boas relações” que teria com o governo Dória e com o governo Bolsonaro além de tentar mimetizar mais explicitamente as caraterísticas discursivas utilizadas pela extrema direita em âmbito nacional. A bancada de seu partido que contava com quatro vereadores na atual legislatura foi reduzida para três cadeiras. Apesar de ter conseguido se manter como a mais forte candidatura de oposição, foi o principal derrotado pela queda na votação e pela redução da bancada.
Junior Filippo (PSD), ex-prefeito de Guaratinguetá por dois mandatos, entrou na eleição já com menor expressão política. Contudo, conseguiu angariar apoio a partir do prestígio adquirido em seus governos – em grande medida fruto de obras realizadas pelos governos Lula e Dilma – contraposto aos problemas da atual gestão e conseguiu ampliar sua votação. Em 2016 obteve 8.235 votos (12,50%) e em 2020 chegou a 9.750 (15,69%). Seu partido elegeu três vereadores. A candidatura de César da Florestal desde o início foi uma incógnita, pois foi a primeira vez que participou de uma eleição. Já na campanha, entretanto, era perceptível que não iria decolar pela falta de um grupo de apoio forte e também pelo pouco acúmulo e politização nos temas políticos mais importantes.
Em relação ao Partido dos Trabalhadores, é importante retomar alguns marcos da trajetória do partido nos últimos anos. Em 2016, uma dura luta interna foi travada em âmbito municipal para impedir que o PT fosse lançado na coligação do MDB, no mesmo período em que este partido liderava o golpe contra a presidenta Dilma e no município incentivava manifestações contra a democracia. A maioria do Diretório Municipal do PT se posicionou contra a coligação com o MDB, mas parte da direção municipal do PT rompe com o partido meses antes da eleição. Naquele momento, o partido foi obrigado a realizar uma guinada em curto espaço de tempo e organizar uma candidatura própria à prefeitura e uma chapa de candidatos a vereador. Foi um acerto ter mantido a autonomia política do PT, apesar do resultado eleitoral ter sido bastante desfavorável em 2016. Desde então há tentativas de reconstruir o partido no município. É neste contexto que a participação do PT nas eleições de 2020 devem ser compreendidas.
Em 2016, a candidata do PT à prefeitura, Tânia Araújo, obteve 1.063 votos (1,61%). Já em 2020, Dr. João Carlos (PT) conquistou 3.749 votos (6,03%). Apesar de ainda ser uma votação menos expressiva daquela que o partido já conquistou em eleições anteriores (em 2012, Dr. João Carlos conquistou 15.504 votos – 23,74%, por exemplo), conseguimos uma votação 3,53 vezes maior do que em 2016. Já em relação a chapa de candidatos a vereador obtivemos 2.510 votos em 2016 (3,92% / 9º partido mais votado) e em 2020 conquistamos 2.328 votos (3,77% / 8º partido mais votado). Considerando que nosso quadro mais expressivo eleitoralmente, Dr. João Carlos, em 2016 compôs a chapa de vereadores e em 2020 foi nosso candidato a prefeito, termos conseguido manter patamar semelhante de votos na eleição proporcional, com maior distribuição entre diferentes candidatos, é um elemento positivo. É importante ressaltar que as três candidaturas de jovens foram responsáveis por quase 50% da votação total da chapa. De todo modo, do ponto de vista estritamente eleitoral sofremos uma derrota, pois não logramos eleger um representante na Câmara Municipal e nem polarizar a disputa para a Prefeitura.
Além disso, é crucial que nosso partido promova uma reflexão sobre os motivos de estarmos em um patamar tão inferior ao potencial do partido no município. Apesar da força do conservadorismo, Fernando Haddad obteve 5.683 votos (8,33%) já no 1º turno de 2018. Ou seja, uma votação superior à votação do partido nas eleições municipais. Devemos nos perguntar: por que o eleitorado que vota no PT nas eleições gerais não tem se comportado do mesmo modo na eleição municipal? Evidentemente são eleições bastante distintas e inúmeras mediações devem ser feitas entre elas. Uma explicação possível é a fragilidade da nossa chapa de vereadores, basicamente formada já em 2020 sem um preparo prévio, que não teve êxito em impulsionar a candidatura à prefeitura. Mas outra explicação é que, além da perda de apoio por parte do PT de modo geral em setores da classe trabalhadora, em Guaratinguetá nosso partido possui vínculos muito frágeis com nossa própria base social e eleitoral. Conseguimos avançar, é verdade, mas é preciso que dediquemos o melhor das nossas forças para o trabalho cotidiano junto ao povo e suas lutas na cidade. Temos alguns caminhos que parecem promissores: a força social e eleitoral – mesmo já reduzida – sob a liderança do Dr. João Carlos; o trabalho que vem sendo realizado pela juventude petista expressa nas boas votações de candidaturas a vereador; a base que vem sendo criada na categoria dos servidores municipais por dirigentes do partido; entre outras.
Ao analisarmos a votação por bairros, a situação é bastante gritante em alguns casos: na região do bairro Engenheiro Neiva e em alguns bairros populares do Centro (Campinho e Tamandaré) tivemos uma votação proporcionalmente bem menor em 2020 do que em 2018. O caso do bairro da Rocinha é o mais evidente: bairro que proporcionalmente mais votou em Haddad em 2018 (15,55%) foi o que menos votou no Dr. João Carlos em 2020 (1,74%). Por outro lado, a proporção de votos que obtivemos no Pedregulho e no Portal das Colinas (local de votação: FEG) foi superior à de 2018. Uma interpretação possível para isto é que tivemos êxito parcial em conquistar o voto de setores médios progressistas e anti-Bolsonaro, mas reduzida capacidade de inserção nas periferias da cidade para além das bases do próprio Dr. João Carlos.
Ainda assim, devemos valorizar a luta que travamos e considerar nossa campanha como parcialmente vitoriosa politicamente. Buscamos vincular o debate sobre os temas locais com os grandes temas nacionais, como o debate sobre o congelamento dos investimentos nas áreas sociais, a privatização da água, a defesa da saúde e da educação públicas, a volta da fome e da miséria sob os governos de Temer e Bolsonaro, entre outros. Realizamos a defesa do PT, utilizando os símbolos e cores do partido e atendendo às orientações da campanha Lula Livre. Por fim, conseguimos cumprir um dos objetivos da campanha: recolocar o PT na luta política do município. Temos perspectivas de fortalecer o partido nos próximos anos na organização popular e para as próximas disputas eleitorais.
Para tanto, será necessário retomar os vínculos do partido com as trabalhadoras e trabalhadores no município, para além dos períodos eleitorais. O PT foi o único partido de esquerda com capacidade de organizar uma intervenção nas eleições municipais e devemos valorizar este feito. Por isso, o fortalecimento do PT é estratégico para compor um campo de esquerda e centro-esquerda no município, hoje fragmentado e inclusive com vários setores servindo como linha auxiliar das frações de direita. Fizemos uma campanha de esperança e é com esta mesma mensagem que devemos seguir lutando nos próximos anos.
(*) João Luís Lemos é vice-presidente do PT Guaratinguetá.