Por Janine Azevedo Machado (*)
Se para a maioria de nós simples mortais o céu é o limite, para o grande capital da mineração ele tem sido visto como uma grande oportunidade de ampliação da exploração mineral. Vide os interesses nos solos de Marte e da Lua. Mas, mesmo com novos territórios sendo colonizados na realidade espacial, em Minas Gerais a avidez minerária se apresenta com ferocidade desde que a coroa portuguesa colocou seus pés aqui. Ainda é aqui que convivemos com uma das piores faces deste setor, que avança com práticas criminosas nos campos humano, social e ambiental.
Tal avanço predatório e colonial sobre a natureza e as pequenas comunidades foi acelerado enormemente pela escolha eleitoral dos mineiros nas últimas eleições, em favor de um partido e um governo que defendem prioritariamente os interesses empresariais: o Partido Novo e Zema. Não é por coincidência, mas sim por ausência e conivência do Estado de Minas Gerais, que as quatro barragens em risco máximo de rompimento hoje no Brasil se localizem em Minas Gerais. Três delas no município de Nova Lima e uma na histórica Ouro Preto.
Os fatos que vem ocorrendo em uma das barragens de Nova Lima localizada em São Sebastião das Águas Claras, arraial histórico conhecido como Macacos e que ainda apresenta vestígios exuberantes de Mata Atlântica nas proximidades de Belo Horizonte, poderiam aparentar erros absurdos. No entanto, mais parecem a revelação de táticas em favor do domínio econômico da Vale com a intenção de avançar os limites do território de mineração.
Avaliem vocês mesmos. Uma das soluções apresentadas pela Vale e pelo Ministério Público para minimizar a tragédia que significaria um rompimento da barragem B3/B4 (uma das 3 barragens de Nova Lima em risco iminente de rompimento) foi a construção de um enorme muro de contenção que serviria como barreira para a lama de rejeitos em caso de rompimento. Mas as chuvas recentes de janeiro revelaram uma situação criminosa: o muro de contenção impossibilitou a drenagem pluvial, formando uma represa e deixando toda a comunidade em alto risco, pois caso a barragem se rompesse a lama de rejeitos se somaria à enorme quantidade de água represada e destruiria o povoado. Além disso o muro foi construído 6 metros acima do nível das pontes, provocando o alagamento do acesso às estradas de saída local.
As perdas em relação a biodiversidade na área alagada da represa que se formou com o muro foram também criminosas. Erros tão primários quanto este erro na altura do muro e na capacidade de drenagem do mesmo levam a dúvidas quanto às intenções e interesses da
empresa: foram realmente erros ou intenção da empresa em avançar suas operações para uma nova área de mineração?
A comunidade se viu em situação de risco extremo por quatro dias, ilhada entre uma represa de água e lama retida pelo muro de um lado; e uma barragem em nível iminente de rompimento de outro. Cazuza, em seu último disco, cantou “nós somos as cobaias de Deus”. Aqui somos da Vale. E de Zema, pois como se não bastasse tal condição os órgãos públicos desapareceram em meio ao caos deixando a comunidade sozinha e ilhada.
Se vendo diante de tamanhos riscos, a comunidade organizou-se e fortaleceu-se buscando a ajuda do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Com apoio do MAB e a fundação do núcleo MAB Macacos, enfim, a comunidade se fortaleceu para enfrentar a condição de refém que a Vale impõe às comunidades vizinhas de suas áreas de operação.
A luta está só começando. Sob as cabeças dessa bucólica comunidade de dois mil habitantes, estão instaladas 7 barragens de mineração. Mas aqui nesse arraial que resiste “de pé” desde a descoberta das Minas, há hoje um ar de esperança. De esperança coletiva e organizada. Um ar de liberdade, ainda que tardia.
(*) Janine Azevedo Machado é militante da tendência petista Articulação de Esquerda em Minas Gerais.