Lula 3.0: resposta para os tempos de guerra

Lula dá ‘sarrada’ durante encontro com estudantes na Bahia. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

 

Por Carla Mangueira*

 

A indefinição causada pelo julgamento marcado, negativa e estrategicamente, para o dia 24 de janeiro coloca a militância e a esquerda sob uma mesma palavra de ordem: a defesa intransigente da democracia e, consequentemente, da candidatura do ex-presidente Lula às eleições de 2018. Internamente, dada a inexistência de um veredicto, ela nos permite projetar o futuro durante o ano e após as eleições. De forma mais profunda e, obviamente, mais complexa, a conjuntura nacional oferece à militância os subsídios necessários para se pensar o tipo de governo que almejamos para os próximos quatro anos. Mais ainda: dentro de um cenário de guerra, que tipo de Lula queremos.

O debate acerca dos governos dirigidos pelo ex-presidente Lula, entre 2003 e 2011, coloca-nos invariavelmente diante de uma dicotomia: de um lado, existem aqueles que defendem as alianças nomeadas de “para além da esquerda” como estratégia de alcance político, popularização e solidificação de um partido e/ou governo no cenário nacional; de outro, há aqueles que defendem diálogos da esquerda para a esquerda, tendo como princípio a elevação do povo eleitor ao povo centralizado na tomada de decisões. Muito tem se falado a respeito da necessidade de se perpetuar uma política de alianças entre o PT e demais partidos “para além da esquerda” para progredirmos no caminho que começamos a trilhar em 2003; contudo, a conjuntura é outra, e leva-la em consideração não é apenas necessário, é primordial.

É certo que as alianças, durante a campanha de 2002, solidificaram o nome do PT e de Lula no cenário nacional. Após as duas derrotas em eleições anteriores, era necessária uma estratégia política qualitativamente eficaz para que chegássemos ao governo. E chegamos. Chegamos ao Planalto com o ideal que o partido havia mantendo desde sua fundação, mas que fora, de fato, aglutinado pelo poder das alianças “para além de esquerda”, que retirou o trabalhador do centro das decisões democráticas e verticalizou tais decisões.

As alianças perduraram por se mostrarem uma boa saída eleitoreira e, em partes, cômoda, até o dia em que levamos o golpe daqueles que juraram segurar nossas mãos até o fim. O cúmplice se tornou o culpado; e, dessa vez, não fomos só nós os golpeados. Os milhares de trabalhadores e trabalhadoras do país levaram a facada nas costas junto conosco. O movimento dialético, dessa vez, embora materialmente possível, foi politicamente errôneo.

Porém, é necessário pensar o óbvio: não somos o PT de 2002. Apesar de a conjuntura não favorecer o avanço da esquerda, somos hoje o maior partido da América Latina quando o assunto é a defesa dessa esquerda. O partido que, outrora chegava tímido na terceira corrida presidencial, hoje não é apenas considerado, mas é reafirmado cotidianamente como um partido de massas. O nome que precisávamos solidificar enquanto Partido dos Trabalhadores já o foi. As alianças, ainda que não sejam defendidas, cumpriram o seu papel. E a história nos aponta o erro de tê-las feito para que não caiamos na mesma arapuca outra vez.

Não há lógica em ver um partido de esquerda buscando primariamente alianças com conjuntos “para além dela”. De nada vale a sua política se ela não for reafirmada e legitimada em seu próprio celeiro. Precisamos resgatar a legitimidade do partido não apenas entre os nossos (companheiros e companheiras da esquerda), mas principalmente entre o povo. O movimento do Lula pelo Brasil foi uma estratégia acertada para que voltássemos a nos aproximar da base da forma mais orgânica possível, mas ainda há mais a ser feito. Os diálogos que tanto prezamos precisam ser travados, acima de tudo, com aqueles que foram e estão sendo apunhalados diariamente pelas reformas e medidas antitrabalhistas oriundas de um golpe. Precisamos fortalecer as zonais do PT e apostar na militância dos bairros. Precisamos colocar o povo no centro das decisões dos comitês e diretórios e não nos fechar em um compilado de filiados.

Os tempos de guerra exigem que o PT volte a tomar as rédeas da história da esquerda brasileira – e, se isso significar um rompimento com as alianças até então estabelecidas com nossos opositores, que sejamos radicais para cortar o cordão umbilical. Enquanto partido, temos a obrigação de aprender com nossos erros e não toma-los como simplórias estratégias político-eleitorais. Nossa disputa vai muito além disso – ela toca consciências, vidas, realidades. E não existe direita disposta a lidar com a realidade nua e crua deste país.

Uma ruptura com as alianças “para além da esquerda” pode, sim, soar como uma posição sectária e, dependendo da ótica que se usa, claramente o é. Porém, sabemos quem orquestrou o golpe, e sabemos, acima de tudo, que ele não foi fruto da aversão da direita à corrupção. Havia ali, naquele processo, uma aversão clara ao partido que lutou durante anos pelo povo brasileiro. Não existem motivos para que continuemos dando as mãos e abraçando aqueles que não esperam o ato final para nos apunhalar pelas costas. Nosso posicionamento deve ser um só: sem alianças com golpistas. Não precisamos replicar hoje as atitudes de ontem se sabemos que podemos avançar de outra forma.

A esperança após o dia 24 é o de que Lula seja candidato às eleições. Para isso, mais uma vez, a esquerda precisa se unir em torno da defesa da democracia e do direito do ex-presidente candidatar-se. A esperança para as eleições, é que Lula continue dialogando com a base e compreenda a importância das alianças e da reafirmação do partido na esquerda brasileira, fazendo jus à fama de “maior da América Latina”. E, para o governo, há a esperança de se ver um Lula 3.0. Ele, mais do que ninguém, sabe o que é ser atingido pela direita desse país; portanto ele, mais do que ninguém, deve almejar a ruptura com os setores que não coadunam com o nosso projeto de Brasil – um projeto de nação socialista, popular e de massas.

Precisamos ser lúcidos, e quem lança mão desta lucidez compreende que, ainda que estejamos em um cenário complexo para a política do país, as alianças “para além da esquerda” sinalizam mais do mesmo; sob uma outra perspectiva, sinalizam o abraço ao traidor. A lucidez política precisa avançar para o setor de origem: o trabalhador, o povo, a esquerda, compreendendo que ninguém ganha guerras fortalecendo o inimigo.

 

* Carla Mangueira é estudante de Serviço Social (UFF-Campos) e militante da tendência petista Articulação de Esquerda em Campos dos Goytacazes/RJ.  

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