Por Valter Pomar (*)
Numa entrevista concedida recentemente à Rádio Clube de Pernambuco, Lula foi perguntado sobre a federação e respondeu mais ou menos o seguinte:
“Eu não entendo destas coisas, mas sou simpático à tese da federação. Tem gente especialista, que faz cálculo, eu não faço cálculo, eu acho que [o PT] tem que entrar [na federação] porque se todos os partidos entrarem e o PT ficar de fora vai passar a ideia de soberba”.
Lula disse ainda o seguinte:
“Eu estou mais preocupado com a fotografia do PT de trabalhar em aliança com os outros partidos de esquerda do que o PT ficar sozinho”.
Lula ressaltou que “o PT não tem uma decisão ainda, o PT vai tomar a decisão acredito que na próxima reunião do DN”. E deu mais detalhes sobre sua posição:
“Sou simpático à ideia porque acho que temos que fazer com que a sociedade perceba que estamos construindo algo não apenas para eleger deputado, estamos elegendo algo para governar este país”.
Lula falou mais algumas coisas, mas creio que o essencial foi o transcrito acima.
Ao terminar de ouvir a fala de Lula, fiquei mais tranquilo.
Afinal, segundo ele mesmo diz, no momento ele é simpático à “tese”, mas ainda não estudou os detalhes desta “coisa”.
Portanto, talvez futuramente (de preferência antes da reunião do Diretório Nacional do PT) ele venha a se dar conta de que a federação é uma armadilha para nosso Partido.
Não a federação em tese, essa parece ser mesmo muito simpática.
Mas não dá para dizer o mesmo da “federação realmente existente”, esta que vem sendo negociada – entre outros – com o senhor Carlos Siqueira, presidente do PSB, um exemplo de transbordante simpatia… pelo PT.
A diferença entre o real e o ideal é tamanha que Lula, para explicar sua simpatia, teve que recorrer a três argumentos assaz inusitados.
O primeiro deles: “se todos os partidos entrarem e o PT ficar de fora vai passar a ideia de soberba”.
O segundo: “Eu estou mais preocupado com a fotografia do PT de trabalhar em aliança com os outros partidos de esquerda do que o PT ficar sozinho”.
E o terceiro argumento: “estamos elegendo algo para governar este país”.
Comecemos pelo final: para governar o país vamos eleger o Lula presidente da República, não esta hipotética federação. Aliás, como se pode confirmar pelas conversas de Lula com outros partidos, ele mesmo dá seguidas demonstrações de que considera a tal federação como pequena e estreita demais, ao menos do ponto de vista de como ele pretende alcançar a governabilidade institucional.
Sobre a fotografia: o PT faz amplas alianças desde pelo menos 1985, na campanha das Diretas. Fizemos alianças nas quatro eleições presidenciais que vencemos. Governamos estados e prefeituras em aliança com outros partidos, isso há muito tempo. E fazemos alianças no parlamento e nas lutas sociais. Portanto, sem entrar no mérito se tais alianças foram ou são amplas demais e, também, sem entrar no mérito se o PSB é ou não de “esquerda”, não precisamos fazer uma federação para mostrar que não estamos “sozinhos”.
Sobre a soberba, confesso que fiquei matutando. Já vi e ouvi o Lula falar com tanta altivez e orgulho acerca do PT, que não tenho muita certeza do que ele quis dizer. Terá sido para contrastar com o show de soberba dado pela entrevista de Carlos Siqueira? Não sei, mas de três coisas tenho certeza:
i/ não precisamos cometer um erro, apenas porque “todos” estão cometendo;
ii/ se o PT entrar nesta federação, a conta será muito salgada e não vai ser paga igualmente (alias, é por isso que alguns desejam a presença do PT na federação);
iii/a federação vai alterar profundamente a vida do Partido, contribuindo para sufocar nossa militância.
Isto posto, Lula tem razão no seguinte: tem gente considerada “especialista” no assunto (alguns tão especialistas em legislação eleitoral quanto um certo advogado, convidado à reunião do DN no dia 16 de dezembro de 2017, que garantiu que Lula seria candidato à presidente em 2018).
E Lula também está certo no seguinte: tem gente que discute a federação a partir de “cálculos” acerca do crescimento ou da redução das bancadas.
Eu já vi alguns destes cálculos e para falar a verdade acho tudo muito engraçado.
Afinal não precisa fazer “cálculo” para concluir que a esquerda como um todo tende a crescer em 2022 frente a 2018.
Também não precisa fazer “cálculo” para concluir que o PT tende a eleger mais parlamentares em 2022 frente aos eleitos em 2018.
Tampouco precisa fazer “cálculo” para afirmar ser bastante provável que 4 partidos juntos elejam mais do que estes mesmos 4 partidos elegeriam se estivessem separados.
Mas até agora não vi um único cálculo que me respondesse o seguinte: por qual motivo não vai acontecer, com a federação, o mesmo que ocorria com as coligações?
Por qual motivo o PT, geralmente prejudicado pelas coligações (e por isso mesmo votamos pelo fim delas), agora vai ser beneficiado pela federação?
Nessa hora sempre tem um crente que responde assim: “vai ser diferente porque agora é uma federação”.
Mas o crente responde assim apenas porque é crente, pois na prática – em se tratando da distribuição das cadeiras entre os eleitos – a federação e a coligação são a mesmíssima coisa.
E, a julgar pela experiência de muitas e muitas eleições, com a federação o PT vai ajudar a eleger parlamentares de outros partidos.
Mas se é assim, que diferença haverá em relação às eleições anteriores, onde havia coligação?
É nisto que reside o pulo do gato. A federação tem os defeitos da coligação e tem outros defeitos, que os assessores “especialistas” – como bons advogados – preferem vender como vantagens.
A esse respeito, sugiro ler o seguinte:
Por conta destes defeitos, mesmo que a federação resultasse na eleição de mais parlamentares petistas, ainda assim a federação seria uma armadilha para o PT.
Por isto, como Lula, não acho que os “cálculos” sejam decisivos.
Decisivo para mim é evitar que o PT seja danificado.
Não por “soberba”, mas por certeza de que – ao menos neste momento histórico – não vamos conseguir mudar o Brasil enfraquecendo a autonomia política e a natureza militante PT.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT