Por Fausto Antonio (*)
Epigrafia da morte e da segregação socioespacial no litoral norte
A chuva, mesmo numa situação extrema, não foi a responsável pelas mortes no litoral norte de São Paulo, mas sim a pobreza e a ausência do Estado.
A caracterização do governo Lula
A composição do ministério é pequeno burguesa, no entanto, Lula está à esquerda da composição do governo. Desse modo, pela intervenção interna e pelo posicionamento geopolítico internacional do presidente, o governo se consolida na tipologia nacionalista-desenvolvimentista. Logo e em razão dessa posição interna e externa, observa o significado da nomeação ou indicação da ex-presidenta Dilma para o banco dos BRICS. O governo será duramente cercado e enfraquecido pela burguesia branca brasileira e pelo imperialimo, que são contrários à soberania nacional e consequentemente ao processo e projeto de industrialização, geração de emprego, renda, pesquisa e total domínio nacional das empresas estratégicas, das riquezas e recursos minerais, energéticas e hídricas, entre outros.
Para furar o cerco imposto pela burguesia e pelo imperialismo, é preciso gerar emprego e renda, pelo menos como ponto inicial de retomada de crescimento e de distribuição de renda, relevando e investindo num plano estatal para gerar emprego na retomada das obras, por exemplo, da construção civil e das casas populares, projeto Minha Casa Minha Vida que, de acordo com o governo federal, gerará 1 milhão de empregos e 2 milhões de casas até final de 2026.
Lula contra a burguesia branca e o imperialismo
Negritei, em diversos textos publicados na Página 13, que Lula, PT, CUT e MST são as principais forças políticas para enfrentar a burguesia branca brasileira e o imperialismo. A referência a Lula pressupõe o entendimento de que ele representa, como lider popular, a agência operária e a voz e corpo do campo negro-popular no governo. A tática empregada pelo presidente eleito, com forte apoio negro-popular, é materializada pelo projeto de soberania nacional; o que resulta num governo, é o caso atual, de orientação política interna e geopolítica externa desenvolvimentista e, por igual natureza, nacionalista. Lavro aqui, sem delongas, que o governo é de constituição pequeno burguesa, mas com uma articulada intervenção anti-imperialismo, que se expressa no projeto de soberania nacional, no respeito à auto-determinação dos países que lutam contra a ordem totalitária imposta pelo imperialismo e, merece destaque, a posição “de paz” do governo, que impede o fornecimento de armas para alimentar a guerra OTAN -Ucrânia X Rússia.
Lula, ex-preso político da burguesia branca racista e do imperialismo estadunidense, aprendeu, em parte, a lição. Numa síntese, a soberania nacional desloca o foco dos ícones flácidos, a bandeira e o hino brasileiros, para o povo de carne e osso e/ou de classe-raça-gênero e, sobretudo, territórializado; o que assegura, mas não é processo dado e sim de luta por hegemonia negro-popular, o povo, e mais ainda o povo preto e pobre, no controle dos recursos hídricos, energéticos, minerais, florestais, entre outros, categorizados como recursos sociais que são, para o fortalecimento e modernização da indústria nacional, da pesquisa, do ensino e da consequente exportação de produtos especializados, tecnológica e cientificamente asseguradores de patentes com a chancela ou marca do Brasil.
A soberania nacional, a rigor industrialização num contínuo, geração de emprego e renda, desloca o foco central dos privilégios defendidos pelos abutres do mercado financeiro, da sebha e da sanha perversa do acúmulo nutrido pelo dinheiro em estado puro e sem lastro ou função social. No caso vertente, Lula, diferentemente do conjunto do governo, enfrentou de modo vitorioso o debate, que naturalizava, no país, os juros mais altos do planeta terra. Os juros altos, provou o sábio presidente de origem operária, não é uma segunda natureza do Brasil; eles, os juros, atendem aos interesses da desindustrialização, da quebra da soberania nacional, da limitação ao agronegócio e, notadamente, da política voltada quase que exclusivamente à exportação de produtos primários. Os juros altos são ditados por setores da burguesia e têm, na sua organização sistêmica e perversa, a política delineada e imposta pelos EUA.
Qual o papel da esquerda?
No debate relativo à autonomia do Banco Central e dos juros altos, a esquerda deve lutar e defender o fim da autonomia que, na verdade, significa que o banco central está a serviço das empresas, empresários, banqueiros e da nata, isto é, da burguesia branca brasileira.
Lula tem a autoridade legitimada pelo voto
A burguesia branca brasileira não tem o menor pudor, como classe social perversa que é, e defende, no Brasil e com seus agentes financeiros e agências de comunicação, os juros mais altos da terra. Lula entrou no debate com o respaldo dado pelo voto negro-popular. Decorre desse lugar ou dessa posição de classe, a declaração firme de Lula: “Não governo para o mercado, mas sim para o povo brasileiro”. O discurso totalitário, o pensamento único favorável aos juros altos, vive da produção de ignorância em torno do tema; mas não existe defesa lógica. A defesa só tem sentido para sustentar a tirania do dinheiro e do mercado lesa-pátria e lesa projeto nacional.
Segundo vozes dissonantes entre banqueiros, os juros altos não são benéficos nem mesmo para os bancos, pois diminuem ou inibem o crédito. De voz isolada, Lula tem angariado relativo apoio de membros da FEBRABAN, de dirigentes do Bradesco e de especialistas na área. A queda de braço foi favorável a Lula. O foco nuclear do debate indica a necessidade do fim da autonomia do banco central. A mudança exige a convulsão das ruas. Lula questiona e critica os juros abusivos e criminosos. Critica também a autonomia do banco central, que não pode existir acima e contra o governo.
O presidente venceu o debate; mas não a disputa política de longa duração. É fundamental a posição do presidente. De outro modo, podemos enfatizar que o discurso e a posição do presidente são pedagógicos. O presidente eleito tem direito e legitimidade para opinar, dirigir e mais ainda elaborar a política monetária e de juros. Voto popular e a atualização mobilizadora sintetizada pelas ações do PT e CUT são as bases legitimadoras de Lula, que é uma força política em ação.
Lula e os eixos apresentados ao império
Lula reafirmou, nos eixos enunciados para Biden, o chefe do império, três pontos do governo para o Brasil e para a geopolítica mundial. Antes é bom dizer que a geopolítica, adotada pelo governo Lula passa pelo diálogo, respeitando os interesses do Brasil, com o mundo; o que inclui os EUA, os BRICS, a ALCA e, fixando a auto-determinação no continente, há a defesa de relação, em todos níveis, com Cuba, Venezuela e Nicarágua. No conflito e guerra entre Ucrânia -OTAN contra a Rússia. o presidente do Brasil é pela paz e não apoia a OTAN . Mas vamos ao discurso do presidente que derrotou nas urnas Bolsonaro. A primeira malha discursiva tratou da democracia e fez referência às histórias recentes do dois países. O presidente Lula citou, de modo tático, o caso do Capitólio e os atos de 8 de janeiro em Brasília, que devem ser neutralizados ou impedidos pelas forças democráticas.
Na segunda intervenção oral, o objetivo foi de denúncia ao racismo no Brasil e EUA. Com palavras aproximadas, Lula enfatizou que, no Brasil , a violência policial e o extermínio de jovens negros são um dos principais problemas do país e do racismo. Na sequência e numa aparente digressão, o presidente falou que o Brasil é um país da paz; a mensagem implícita diz não ao projeto de guerra da OTAN-Ucrânia contra a Rússia. Por fim, o mandatário brasileiro bradou contra a mais –valia informacional;os algaritimos , tudo em detrimento da centralidade de homens e mulheres. O mesmo texto tem validade total para a economia a serviço apenas das empresas e empresários. Lula quis sistematizar que a sociedade é central; a economia é residual. Afinal e vale um destaque, à revelia do chamado mercado, que a economia é residual e não a sociedade.
Qual o papel político do banco central?
O banco central é instrumento para assegurar a paralisia do governo e terá papel central num provável movimento golpista. Sendo assim, é preciso a mobilização para destronar o banco central autônomo. Há a produção da recessão ou da depressão; neste sentido ou para cumprir este papel, o Banco Central é o principal agente da burguesia branca brasileira e do imperialismo.
Quais as bandeiras e as articulações fundamentais para a conjuntura atual?
Governo Lula, PT, CUT e a soberania nacional estão no centro da política brasileira. A razão pode ser explicada desse modo. O eixo, que articula o programa de Lula para a soberania nacional, passa pela modernização da indústria, geração de emprego e renda. No tocante aos salários, PT e CUT deven entrar no debate, na organização e na condução de propostas encaminhadas pelo conjunto dos trabalhadores (as). O aumento do salário mínimo pede, antes, congressos e deliberações da classe trabalhadora. Aqui, é útil dizer que o aumento não virá tão-somente de uma deliberação do governo; PT e CUT devem atuar e elevar o valor em concordância com as bases sindicais cutistas, principalmente. Na mesma linha de atuação do PT, esquerda e CUT, temos a pauta urgente e impostergável dos dreitos sindicais e trabalhistas. Cresce a necessidade de mobilização e de radicalização. É caso também de levantar e atualizar a política para desprivatizar a Eletrobras e, ao mesmo tempo, colocar sob o controle nacional e do povo brasileiro a Petrobras.
A mesma política se aplica ao controle Estatal do Correios e de todas as empresas que são estratégicas para a materialização da sobeerania nacional. Lula sabe igualmente de que precisamos de políticas para a classe média que, a despeito de ser capturada pelas políticas da burguesia branca brasileira, é parte da classe trabalhadora. A ação tem a finalidade de garantir emprego, estabilidade e apresentar incentivos financeiros e desburocratizar e isentar os pequenos empreendedores (as). As políticas para a classe média tem a função de atingir um setor da classe trabalhadora e, na mesma intervenção, enfrentar o bolsonarismo e fragilizar, dividir e atrair parte da sua base social, que tem ancoragem na classe média. A política é antídoto para eventuais golpes, que são massificados a partir da classe média.
Não existe mobilização que espelhe os interesses dos trabalhadores (as) sem a CUT, PT, partidos de esquerda, MST e outros movimentos sociais ativos
No caso dos salários e do reajuste, a posição da direção da CUT é bem ilustrativa da reverberação dada pela posição do presidente do Brasil. Numa concordância, podemos inferir, Sérgio Nobre – presidente da CUT – afirmou, com sentido equivalente ao texto que segue, que a central histórica não vai aceitar salário mínimo sem reajuste substantivo. A base social de Lula, a classe trabalhadora, entrou no debate do salário e da disputa. Outra posição merecedora de destaque diz respeito à resolução aprovada pelo diretório nacional do PT, que fala abertamente do golpe, dos golpistas e de como neutralizar futuros golpes e, sobretudo, apresenta como saída, além do ímpeto reformista do governo, a fundamental organização a partir de comitês de luta e da retomada estratégica dos núcleos do partido para construir a hegemonia socialista.
Na contramão sobem os textos e as movimentações golpistas conduzidas pelo partido militar, PIG , mercado financeiro e pela ausência do Estado. O Estado, não é demais reafirmar, é forte, mas está à disposição da política dirigida pelas empresas e empresários. Na mesma ordem, há bolsões de poder que ocupam ou se se apresentam como se fossem o Estado. Sao os bolsões constituídos pelo STF, pelo PIG, pelo Mercado, pelo banco Central autônomo e, assim , o Estado fica ou segue numa permanente inação; paralisado, ou funcionando para as empresas e empresários.
Mortes no litoral norte de São Paulo
As mortes são um retrato da segregação socioespacial no litoral norte de São Paulo. Os pobres e negros que vivem nas áreas destituídas de recursos urbanos , nas encostas e áreas de risco, precisam de moradias dignas, afinal eles trabalham e garantem a prestação de serviços aos turistas e, diferentemente dos moradores (as) de condomínios de luxo, não têm casas adequadas e acesso à cidadania primária. Desse modo, a chuva, mesmo numa situação extrema, não foi a responsável pelas mortes no litoral nortee de São Paulo, mas sim a pobreza e a ausência do Estado
(*) Fausto Antonio é escritor, poeta, dramaturgo e professor da Unilab – Bahia