Por Luiz Sérgio Canário (*)
Quando Monica Bergamo deu a notícia em sua coluna que havia em andamento uma articulação para fazer de Geraldo Alckmin candidato a vice-presidente na chapa com Lula poucos acreditaram. Muitos falaram que isso era invenção dela. Logo a seguir Luiz Marinho, um dos dirigentes do PT mais próximos de Lula, confirmou a notícia falando para um jornal de São Bernardo. A primeira demonstração que a coisa não era invenção. A partir daí a cada dia um sinal, uma notícia, um evento, somente aprofundaram a certeza de que isso não era nem erro nem balão de ensaio da jornalista. Era real. Lula e seu entorno estavam mesmo decididos a trazer o Picolé de Chuchu para ser candidato a vice dele. Dois eventos mostraram a força dessa “solução”: o jantar do Prerrogativas, em que os dois se encontraram, e a entrevista recente para a imprensa independente. No jantar os dois trocaram apertos de mão e posaram para fotos. Na entrevista Lula disse que não vê nenhum problema com Alckmin como seu visse e ainda fez uma comparação esdrúxula com José Alencar.
Não há mais nenhuma necessidade em se descrever quem é Geraldo Alckmin. Sua biografia, quase uma ficha policial de atrocidades cometidas contra o povo e os trabalhadores de São Paulo, sempre foi conhecida e foi bastante explorada nas últimas semanas. Esse homem santo da Opus Dei dispensa apresentação. É quase unanime a visão sobre ele e sua história. Mas por alguma razão desconhecida ele foi o escolhido, ao que dizem, e todos podem dizer alguma coisa, por Lula, seu entorno e referendado pela corrente majoritária do partido, o candidato a vice em uma possível chapa com Lula.
Seja lá de onde tenha vindo essa ideia sinistra o fato é que hoje Lula, seu entorno e a corrente majoritária defendem com fervor não só a participação na chapa como passam um pano de qualidade para tentar lustrar o passado de Alckmin e qualificá-lo como um novo homem, convertido as causas da democracia e do bem-estar do povo. Não cola. Um tucano de altíssima plumagem, que passou a vida a combater qualquer coisa que fosse minimamente progressista não vira santo assim do nada. Nem na Opus Dei. Mesmo assim a Folha de São Paulo dá como certa, a partir de informações de “dirigentes” do PT, que isso são favas contadas. Porque a Folha e parcela importante do PT defendem o mesmo candidato a vice para Lula é ainda inexplicável. Até de se pode ter várias teorias sobre isso. A Folha é sabido o que e porque ela defende o que defende. Mas dessa ala do PT, e de Lula em particular, só se pode especular.
O corolário da tese Alckmin é a federação partidária com o PSB. Segundo consta os defensores da solução Picolé de Chuchu dizem que criar a tal federação é fundamental. Para dar um certo ar de preocupação com a esquerda, incluem o PCdoB e o PSOL no bolo federativo. Muito já se falou também dos efeitos nocivos dessa federação construída a toque de caixa e com esse objetivo pequeno.
Temos aí um pacote muito bem amarradinho. Lula candidato por uma federação com o PSB, PSOL e PCdoB e talvez com um ou outro menos votado. Ou até mesmo mais votado. E a cereja do bolo, Geraldo Alckmin na vice. Cenário perfeito que garante a eleição em um segundo turno com Bolsonaro ou até mesmo uma vitória acachapante no primeiro turno. E ainda será a garantia da governabilidade para Lula fazer o que tem que fazer. E quem fez o laço que fecha o pacote é Lula, o sábio, imortal, negociador invencível, líder inconteste, guru da esquerda etc. e tal. Tudo certinho. Só esqueceram, como diz a lenda, o que Garrincha perguntou ao treinador sobre o esquema infalível para vencer a seleção soviética: já combinaram todo esse esquema aí com os russos?
Os russos no caso são a base do partido, o movimento popular e a própria burguesia. Sem combinar tudo direitinho com esses participantes o pacote vai para o brejo. A base do partido pode não ter a mesma garra para mais uma vez fazer campanha com uma decisão sem a participação do partido, de sua base. O desgaste está sendo alto. O movimento popular também pode receber com um certo descrédito essa solução. Não acreditar com tanta firmeza que as mudanças necessárias serão encaminhadas. Esses dois fatores podem significar perda de votos e comprometer o resultado já cantado em prosa e verso em uma perigosa transposição mecânica para o futuro de pesquisas realizadas a meses das eleições. E a burguesia também precisa concordar com esse pacote e se convencer que Lula vai se comportar e não comprometerá seus ganhos produtivos ou financeiros em conjuntura econômica duríssima. E não é só a burguesia interna. Tem que combinar com os representantes do império do norte, que já patrocinaram e instigaram um golpe, além de tirar Lula da eleição de 2018, para interromper a sequência de vitórias eleitorais do PT. Quem já operou nesse cenário facilmente faz tudo de novo. Nunca podemos esquecer que essa conjunção de forças da burguesia não deu o golpe e prendeu Lula para em seguida deixar, sem resistir, tudo voltar a ser como d`antes no Quartel de Abrantes.
Essa conjunção de Alckmin candidato a vice e federação partidária por si só já aponta o caminho do brejo. Somado a isso os evidentes recuos protagonizados por Lula, Gleisi, economistas do partido, capitaneados pelas forças que controlam o PT hoje, em relação a importantes pontos que deveriam estar firmemente expressos em nosso programa, pegam o caminho do brejo apontado e começam a segui-lo com determinação.
Dentre outros, Lula e Gleisi falaram abertamente em não revogar a reforma trabalhista de Temer sumariamente como o PT tem falado desde que ela foi aprovada. Alguns falaram em “aspectos positivos” da reforma que precisam ser aproveitados. Lembrando que passamos 5 anos sem nunca termos falado publicamente em nenhum aspecto positivo. Agora, com a eleição às portas, com chances reais de vencer, esses aspectos aparecem e ao invés de revogação se fala na Mesa de Conciliação reunindo trabalhadores desmobilizados, precarizados e desempregados, com sua estrutura sindical, inclusive as centrais, quebrada sem condições de financiar adequadamente suas atividades por efeitos da reforma. Juntam aos trabalhadores nessa mesa os empresários, em uma posição de força. Com todas as principais cartas na mão, com o poder de ceder somente naquilo que for do seu interesse, preservando os “aspectos positivos” da reforma na visão deles. E fechando o Mesão um governo recém-eleito povoado de golpistas com um deles sentado na cadeira de vice-presidente da República. Como o escorpião do conto, que mata porque é da sua natureza matar, as forças que controlam hoje o nosso partido montam Mesas de Conciliação porque é da sua natureza conciliar com a burguesia.
Na mesma toada economistas do PT, que deveriam estar trabalhando na construção de uma proposta de política econômica que mandasse para o espaço o famigerado Teto dos Gastos, começam a falar em regras fiscais que sinalizem previsibilidade ao mercado. Ou seja, se submetem às necessidades do mercado e daqui a pouco vão começar a falar na consequência dessa linha, que é a geração de superávits e cortes e contingenciamentos de gastos, dentre outras coisas. O próprio Lula fala que quem sabe administrar a dívida pública é ele, que pegou uma dívida de 60% do PIB e saiu devendo 30% do PIB. Ao fim e ao cabo entregou 30% do PIB ao capital financeiro que poderia ter continuado nas mãos do governo para gastos e investimentos. E não é por falta de ferramentas econômicas. Os EUA ligaram a maquinha de fazer dinheiro sem dó nem piedade na crise de 2008 e agora na pandemia. Usaram todo o ferramental macroeconômico possível para manter sua economia funcionando. Entupiram os bancos com dinheiro, pagaram auxílio emergencial para milhões de trabalhadores. O próprio governo Bolsonaro, neoliberal até a medula, detonou o teto e gastou na pandemia muito acima do tal teto. E o PT vai sair falando em responsabilidade fiscal e redução da dívida pública.
Lula e o rumo ao brejo que está começando a seguir pode comprometer a luta de todas as gerações que lutaram contra a ditadura, construíram o PT, lutaram contra o neoliberalismo, estiveram ao seu lado em todas as campanhas até elegê-lo em 2002 e eleger o presidente nas 3 eleições seguintes. São essas gerações que chegaram até aqui à custa até mesmo de sangue, tortura e morte. Que enfrentaram a polícia em greves e manifestações. Que construíram o PT, a CUT e o MST e todo o arcabouço de representação política e sindical combativa e com fortes vínculos com a classe trabalhadora e o povo. Não construir uma campanha e um governo fortemente vinculado a classe e ao povo vai nos levar a uma gestão pífia, que não entregará aquilo que prometeu entregar. E isso será fatal. Perderemos a confiança das massas não só agora. As próximas gerações terão que refazer praticamente tudo que fizemos até agora. As decisões que Lula, seu entorno e as forças que controlam o partido tomarem agora comprometem o presente e o futuro da luta da classe trabalhadora para conquistar o poder. Lula carrega nas costas essa responsabilidade.
A menos, claro, que o PT, através da mobilização de suas bases sociais, filiados e não filiados, forcem uma mudança de direção e no fim das políticas de conciliação com golpistas e com a burguesia mais atrasada.
À luta companheiros e companheiras!
(*) Luiz Sérgio Canário é militante petista em São Paulo -SP