Por Maria Caramez Carlotto (*)
Publicado orginalmente em Holofote Notícias
Quando saiu a pesquisa Datafolha na semana passada, escrevi um breve comentário destacando que o resultado era bom para Bolsonaro, cujo objetivo da vez é levar a eleição para o segundo turno. Minha impressão era de que ele estava ganhando terreno nesse sentido, apesar da vantagem de Lula ainda ser sólida.
Não foram poucos os que discordaram, me chamando de pessimista e exagerada. Por trás desta leitura, está o excesso de confiança que tomou conta de grande parte da esquerda, que está acomodada na certeza de que “já ganhou” a eleição e agora é só, para os mais pessimistas, evitar o golpe de contestação das urnas e, para os mais otimistas, garantir as condições de governabilidade a partir de 5 de janeiro. Nos dois casos, defende-se ou tolera-se uma amplíssima aliança que ancore a candidatura Lula ao centro, ampliando sua base de eleitores “para sempre conquistada”.
Sou do time que sempre achou essa leitura equivocada. Tenho insistido, desde pelo menos o começo do ano, que é improvável que Bolsonaro, com sua base militante e a máquina na mão, permaneça em patamares tão baixos de intenção de voto. Também venho insistindo que a maior ameaça para a campanha Lula não é Bolsonaro conquistar o “centro”, demograficamente rarefeito, mas avançar sobre o volumoso núcleo duro do eleitorado lulista: os pobres e muito pobres, a população negra, as mulheres e os jovens, sobretudo dos grandes centros urbanos.
Pois bem, esta semana saiu a pesquisa Genial/Quaest e os dados confirmam totalmente a minha impressão – e o meu temor. Como o Datafolha, é pesquisa presencial, nacional, com confiabilidade de 95% e margem de erro de dois pontos para cima e para baixo. Isso significa que, diferente de entrevistas feitas por telefone, a tendência é que a diferença de Lula seja maior: em geral, as pesquisas presenciais apontam uma vantagem de aproximadamente 20 pontos para Lula, enquanto naquelas feitas por telefone, a distância cai para aproximadamente 10 pontos.
A pesquisa presencial da Genial/Quaest convergiu para os resultados das enquetes telefônicas. Os dados apontam que a diferença entre Lula e Bolsonaro, na pergunta estimulada sobre o voto em primeiro turno, é de apenas 12 pontos – e não 18 como captou o Datafolha. Vale notar que, segundo essa mesma pesquisa, a vantagem de Lula era de 14 pontos em julho, 15 pontos em abril e 27 pontos em novembro do ano passado. Ou seja, uma queda de 15 pontos em 10 meses. Entre julho e agosto deste ano, a queda foi de dois pontos, portanto maior do que a do Datafolha, embora ainda dentro da margem de erro.
Se os otimistas querem se agarrar à essa margem de erro e parar por aqui, noto o seguinte: mesmo tendo sido feita praticamente com a mesma metodologia, os dados da pesquisa Quaest foram coletados nos dias seguintes (28 a 31 de julho) ao Datafolha (27 a 28 de julho), o que pode sugerir uma tendência mais sólida de movimentação do eleitorado, lembrando que nenhuma das duas pesquisas captou, ainda, os impactos da PEC eleitoral que só começou a distribuir suas benesses a partir de agosto.
Além disso, os dados de intenção de voto no segundo turno oscilaram acima da margem de erro: a vantagem de Lula caiu cinco pontos em um mês e impressionantes 16 pontos em dez meses. Em outras palavras, era de 30 pontos em novembro do ano passado (quando vencia de 57% a 27%), passou para 19 pontos no começo de julho (53% a 34%) e chegou a 14 pontos agora (51% a 37%).
Mas como o diabo está nos detalhes, quero destacar alguns aspectos específicos que são ainda mais importantes do que o resultado geral da Genial/Quaest.
Em primeiro lugar, considerando as regiões do país, merece destaque o que aconteceu no Sudeste. A vantagem de Lula sobre Bolsonaro na pesquisa estimulada de primeiro turno caiu, em um mês, cinco pontos, portanto, acima da margem de erro: Lula liderava no começo de julho por 38% a 33%, agora os dois estão empatados com 37%. Atualmente, a única região onde os dois candidatos empatam é no Sudeste. Todas as demais, Lula lidera. Por isso e pela sua densidade demográfica, o Sudeste merece especial atenção.
No Nordeste, a vantagem de Lula subiu quatro pontos em um mês (era de 59% a 22% em julho, agora é de 61% a 20%). É possível que o crescimento da vantagem petista tenha a ver com a força da campanha na região no último mês, que levou milhares de pessoas às ruas em várias capitais.
Na região Sul, Lula também ampliou a vantagem, mas em apenas um ponto, subindo de 40% das intenções de voto para 41%, enquanto Bolsonaro estacionou em 32%. Cenário quase idêntico ao Centro-Oeste, onde Lula subiu de 39% para 40%, enquanto Bolsonaro estacionou em 35%, sempre em dados da pergunta estimulada de primeiro turno.
Mas na região Norte, a reviravolta foi grande: Lula caiu impressionantes oito pontos em um mês, passando de 48% para 40%, enquanto Bolsonaro subiu cinco pontos, indo de 32% para 37%. Portanto, a diferença entre os dois candidatos caiu 13 pontos na região. O impacto só não foi maior na intenção geral de voto porque o peso demográfico do Norte é proporcionalmente baixo quando comparado a outras regiões.
Outro dado que merece atenção foi a queda vertiginosa da vantagem de Lula entre os eleitores mais jovens, aqueles que têm entre 16 e 24 anos. De todos os cortes da pesquisa foi neste setor que a vantagem de Lula em relação a Bolsonaro mais oscilou para baixo. No começo de julho, Lula liderava com 53% das intenções de voto no primeiro turno, contra 25% de Bolsonaro, uma vantagem de impressionantes 28 pontos. No final do mês, essa vantagem caiu 15 pontos: Lula oscilou nove pontos para baixo, indo de 53% para 44% das intenções de voto, enquanto Bolsonaro cresceu seis pontos, indo de 25% para 31% das intenções de voto no primeiro turno.
Esse público costuma ser, em geral, militante e formador de opinião, além de estar muito presente em redes sociais, de modo que é uma variação que pode significar muito ao longo da eleição. Sobretudo porque entre os adultos/jovens de 25 a 34 anos, a vantagem lulista também caiu. Lula liderava com 46% das intenções de voto nessa faixa no começo de julho e agora tem apenas 42%; já Bolsonaro tinha 29% no começo do mês, agora tem 33%, ou seja, uma redução de oito pontos na vantagem do petista.
Nas demais faixas etárias do eleitorado, a mudança foi menos brusca. Lula ampliou a vantagem em cinco pontos entre os eleitores de 35 a 44 anos, perdeu dois pontos entre os de 45 a 59 anos e ganhou três entre os que têm 60 anos ou mais. Nada que possa sugerir algum padrão, diferentemente do que aconteceu entre os mais jovens que, claramente, estão se movendo para a campanha de Bolsonaro.
É plausível especular que a escolha por basear toda a campanha na memória afetiva dos governos Lula, minimizando o peso de propostas novas e claras, não tem funcionado para esse setor do eleitorado, que não viveu os governos petistas.
Também merece muita atenção a queda da vantagem de Lula entre os mais pobres: Lula liderava entre quem ganha até dois salários mínimos por 55% a 22% no começo de julho. Agora, a vantagem é de 52% a 25%, ou seja, seis pontos a menos. Entre os que ganham de dois a cinco salários mínimos, não houve mudança: Lula liderava por 43% a 34%, agora lidera por 42% a 33%. Entre os “mais ricos”, ou quem ganha mais do que cinco salários mínimos, Lula caiu de 34% para 32% em um mês, enquanto Bolsonaro subiu sete pontos, passado de 38% para 45%, reduzindo a vantagem petista em nove pontos.
O movimento nas camadas mais pobres da população se reflete da queda vertiginosa de Lula entre os que recebem Auxílio Brasil: Lula liderava nesse setor por 62% a 27% no começo do mês passado, mas essa vantagem caiu impressionantes 12 pontos, indo para 52% a 29% no final do mês. Não custa lembrar que o pacotaço eleitoral pode fazer ainda mais estrago nesse setor, sobretudo com a deflação do último mês, ainda que descontado o aumento do preço dos alimentos.
Entre as mulheres, Lula continua liderando amplamente, embora a vantagem tenha caído um ponto. Ainda assim, o petista segue 18 pontos a frente: tem 46% das intenções de voto no primeiro turno contra 28% de Bolsonaro. O que merece destaque é que entre novembro do ano passado e julho deste ano, a vantagem de Lula entre as mulheres caiu oito pontos. Entre os homens, a vantagem de Lula é menor: são 13 pontos, atualmente em 42% a 29%. A queda da vantagem do petista entre homens, desde novembro, foi de seis pontos.
O corte religioso continua importantíssimo. Bolsonaro segue liderando entre os evangélicos, com 48% das intenções de voto contra 29% de Lula, uma vantagem de 19 pontos, cinco pontos a mais do que no começo do mês, quando tinha 45% e Lula 31%. Entre católicos, Lula caiu de 43% para 41%, enquanto Bolsonaro subiu de 33% para 34%, portanto, dentro da margem de erro. Apesar de mobilizar as variáveis raça e escolaridade para construir a amostra, os dados divulgados até agora pela pesquisa não segmentam as respostas por esses cortes do eleitorado. Ainda assim, sabemos que entre os evangélicos, há um predomínio de negros maior do que a média da população – segundo pesquisa Datafolha de 2019, 59% dos evangélicos do país são negros – e que estes têm, em geral, escolaridade média menor do que a média da população.
Tudo somado, subtraído, multiplicado e divido, vale o verso: “é preciso estar atento e forte”. Mesmo o mais otimista dos otimistas não pode negar que a vantagem de Lula vem caindo sistematicamente desde novembro do ano passado e que, no último mês, as movimentações do eleitorado parecem ter sido bem importantes. E mais, parecem ter chegado, justamente, no núcleo duro do eleitorado lulista.
Nesse sentido, merece especial atenção o que está acontecendo entre os muito pobres, os jovens e os eleitores dos grandes centros urbanos do Sudeste. Se houver uma sobreposição na movimentação desses setores, não é difícil concluir que está na hora da campanha Lula esquentar, especialmente para atrair a juventude pobre que vive nas periferias das grandes cidades. Para esse eleitorado, não funcionam acordos por cima, memória afetiva do que não viveram, promessas de “confiem em mim, porque vocês me conhecem” ou âncoras centristas que atraem as elites bem-comportadas do país.
Para esse setor – que sofre brutal e cotidianamente o impacto da profunda crise que, por obra ou apoio dessas mesas elites, impera no país – importa um programa claro, de mudanças importantes, sobretudo na economia, que aponte para um futuro de oportunidades e esperança. Mais do que pragmatismo, é hora de utopia, engajamento, participação e movimento. Uma esquerda que tem medo de dizer seu nome não produzirá nada disso. E pior, quando mais precisa.
(*) Maria Caramez Carlotto é cientista social formada pela USP (Universidade de São Paulo), possui mestrado e doutorado em Sociologia pela mesma instituição. É professora da UFABC (Universidade Federal do ABC) na área de Relações Internacionais, com foco em Economia Política Mundial, onde coordena o Grupo de Pesquisa Neoliberalismo, Democracia e Mudança Estrutural do Espaço Intelectual Brasileiro e é articulista do Manifesto Petista.