Por Valter Pomar (*)
Recebi de duas pessoas, hoje, um texto com o seguinte o teor:
“Hoje se trava no país um a luta ideológica feroz e o governo Lula encontra-se sob o ataque cerrado da direita e do “esquerdismo” inconsequente que sempre, na história, acaba estrategicamente tendo os mesmos objetivos da direita. Quem no Brasil mais resistiu as iniciativas de expandir o ensino superior para amplas camadas da população através do REUNI, novas universidades, Prouni, IFs, etc? O ANDES e, dentro do PT, a AE. Quem contribuiu decisivamente para o golpe contra Dilma que abriu as portas para o retrocesso? O “esquerdismo”! Portanto, chega de trata-los como companheiros equivocados mas como realmente são: adversários que se escondem sob uma retórica de esquerda mas que, efetivamente, servem à direita. Alguém, de sã consciência, pode achar que afastado o governo Lula virá um governo mais à esquerda? Claro que sabem que, derrotado Lula, vem o fascismo. Alguns por ingenuidade, outros tendo consciência do que estão fazendo por convicção ou remuneração”.
O texto foi publicado num grupo de zap e foi assinado por um militante petista de longa história.
No mesmo grupo de zap, outro cidadão escreveu o que segue:
“Articulação de Esquerda está participando do Governo Lula? Se estiver deveria ser chamada pelo Presidente para uma conversa. Que papelão estão fazendo na greve dos docentes federais, credo. Não aprenderam nada com 2006 e 2013… será necessário mais um período obscuro para acordarem, infelizmente!!! Fica o meu repúdio aos companheiros e as companheiras da Articulação que atuam abraçados ao PSoL, PSTU etc e contra o governo Lula.”
Este segundo texto foi escrito por um dirigente sindical, vinculado a uma entidade que recentemente assinou um acordo com o governo.
Como os textos não foram divulgados publicamente, preservo o nome dos dois santos, mas tenho a obrigação de comentar os supostos milagres.
Comecemos pelo mais importante.
De fato, o governo de Lula “encontra-se sob o ataque cerrado”.
(Não sei onde existe um esquerdismo consequente, mas isso são outros quinhentos.)
Entretanto, a história não se limita a isto.
Primeiro, parte da direita que nos ataca, que nos sabota, que nos causa problema, faz parte de nosso governo e integra a base supostamente aliada no Congresso.
Segundo, esta direita que nos ataca – de dentro e de fora – é muito poderosa. Já o esquerdismo é minúsculo. Se amanhã todos os esquerdistas mudassem para Marte, nosso governo continuaria correndo risco de ser derrubado.
Os esquerdistas não acham que são erros, pois eles nos consideram de direita, neoliberais e traidores do povo. Já a direita considera o PT e o governo Lula como inimigos e aproveita nossos erros para tentar nos destruir.
A política de Palocci e otras cositas más criaram o ambiente que gerou a crise de 2005. Sugiro que rememorem o que dissemos a respeito os candidatos à presidência do PT no PED de 2005, entre os quais Sokol, Raul Pont, Maria do Rosário e este que vos escreve.
A política de Levy e otras cositas más criaram o ambiente para o golpe de 2016. Sugiro que leiam o que diz a resolução de balanço do sexto congresso nacional do PT, aprovada em 2017 pelo congresso do Partido, sem que ninguém falasse contra.
Não foram os esquerdistas expulsos do PT em 2003 que causaram a crise de 2005. Não foram os esquerdistas que nos atacaram em 2013, os responsáveis pelo golpe de 2016. Assim como não são os esquerdistas de hoje que estão gerando a presente crise. Não vamos dar a eles uma importância que não tem, nunca tiveram e nunca terão.
Os esquerdistas são um problema, mas quem de fato nos causa dano é a direita. E a direita só tem êxito graças aos nossos erros. Erros que, por exemplo, nos fazem perder apoio de parte da nossa base social.
Curiosamente, tanto em 2005 quanto em 2015, a tendência petista Articulação de Esquerda foi uma das que analisou a situação e avisou que uma tempestade iria desabar sobre nós, se não corrigíssemos o rumo do Partido e do governo.
Se não corrigirmos os rumos do governo, se não corrigimos os rumos do Partido, corremos o risco dos neoliberais ou da extrema-direita voltarem a controlar o governo federal. Quem acha que pode evitar isso, fazendo discurso chapa-branca e agitando o espantalho do esquerdismo, está redondamente errado.
Assim como está errado quem acha que pode exorcizar os problemas, “matando” o mensageiro.
Claro que corrigir os erros é muito mais difícil. Por a culpa no esquerdismo é muito mais fácil. Agora, por a culpa na AE é simplesmente ridículo.
Tendo em vista que criamos a tendência petista Articulação de Esquerda em 1993, certamente cometemos muitos erros ao longo dessa trajetória. Mas – diferente de muitos que falaram merda (a palavra é essa: merda) a nosso respeito – nunca cometemos nenhum erro fatal. E nunca mudamos de lado.
Isto posto, comentários pontuais sobre um dos assuntos tratados pelos dois santos:
1/o Andes de 2024 não é o Andes de 2012, a base do Andes é muito maior que a diretoria do Andes, na última eleição do Andes a chapa encabeçada por petistas recebeu 41% dos votos. E apoiando essa chapa havia gente de todas as tendências do PT, inclusive da tendência de um dos santos;
2/quem não tiver nada mais útil para fazer ou achar que é o caso de “remoer o passado”, questionando o que a AE defendeu durante os governos Lula e Dilma, basta procurar nas coletâneas disponíveis no site www.pagina13.org.br
3/quem está fazendo um “papelão” na greve dos docentes federais é, antes de mais nada, quem – por sectarismo, desinformação e grosseria – desperdiçou a chance de fazer o governo e o PT saírem por cima;
4/se tem alguém “remunerado” nesta história toda, talvez seja quem foi agraciado por uma decisão acerca de seu registro sindical, decisão que foi publicada – que coincidência incrível – logo depois da assinatura de um certo acordo;
5/Por fim, um dos santos pergunta: “a Articulação de Esquerda está participando do Governo Lula? Se estiver deveria ser chamada pelo Presidente para uma conversa”. Resposta: nós da AE adoramos falar com Lula, sobre qualquer assunto, a qualquer hora. E, se ele ou qualquer outra pessoa nos convencer que estamos errados, podemos mudar de opinião. Mas imagino que na lista de prioridades do presidente, esteja “chamar para uma conversa” outras pessoas, a começar pelos ministros de direita cujos partidos vem traindo o governo, por exemplo na recente votação dos vetos presidenciais.