Ministério das Mulheres: conquistas e desafios

Por Cida Gonçalves (*)

Cida Gonçalves, ministra das Mulheres

Texto publicado na edição de março do Jornal Página 13

A criação do Ministério das Mulheres pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva é uma grande conquista das mulheres brasileiras. Conquista ainda maior dos movimentos de mulheres, após seis anos de perdas de direitos e de eliminação de todas as políticas públicas conquistadas por decisão política do governo anterior, institucionalizando na sociedade brasileira o ódio, o racismo e a misoginia na forma de relações sociais.

O contexto da pandemia mundial e o descaso das instituições brasileiras agravou a situação e trouxe grandes consequências para o País, mas prioritariamente para as mulheres. É nesse contexto que está, de um lado, o avanço do Ministério das Mulheres e, de outro, o processo de reconstruir algo que foi sucateado ou simplesmente desmontado. Cabe salientar que os recursos previstos para a Pasta no ano de 2023 eram de apenas 23 milhões de reais, menos de 10% do que fora deixado pelo governo Dilma Rousseff em 2015.

Portanto, o que se coloca são os muitos desafios para o alcance da igualdade entre homens e mulheres: segundo o IBGE (2021), existem mais de 11 milhões de mães solo no Brasil, representando 37% de todas as famílias brasileiras. O número de representantes da bancada feminina na Câmara dos Deputados é de 17,7% do total de deputados eleitos em 2022.  No caso do Senado Federal, 17,2% (14 senadoras) do total de senadores eleitos em 2022.

Pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-IBRE) apontou que, desde 2012, a taxa de desemprego das mulheres é superior à dos homens. De acordo com o levantamento, o índice de desempregadas era de 16,45% em 2021, o equivalente a mais de 7,5 milhões de mulheres. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2021), em 2020, foram registrados 1.354 feminicídios. Ainda segundo o Anuário, em 2021, foram registrados 1.341 casos de feminicídio.  Desse total, 37,5% são brancas e 62% são negras.

Considerando esse cenário, que reflete alguns aspectos desigualdade de gênero no Brasil, o Ministério das Mulheres se estruturou em três grandes áreas: 1 – autonomia econômica e políticas de cuidados; 2 – enfrentamento à violência contra as mulheres; 3 – articulação institucional e áreas temáticas (educação, saúde, trabalho, participação política, cultura, dentre outras).

No que se refere à autonomia econômica compreendida de forma ampla, serão implementadas ações voltadas para: a conscientização sobre direitos; a inclusão das mulheres no mercado de trabalho; o empreendedorismo; a profissionalização; a inclusão em benefícios sociais; a garantia de moradia digna; a inclusão digital; a educação financeira; dentre outras.

Uma das prioridades será a retomada do Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, que visa disseminar novas concepções na gestão de pessoas e na cultura organizacional para alcançar a igualdade entre mulheres e homens no mundo do trabalho. O Programa era dirigido a empresas de médio e grande porte, públicas e privadas, mas deve ser ampliado para o serviço público (municipal, estadual e federal).

Além disso, será proposta uma Política Nacional de Cuidados, que terá por objetivo “implementar uma nova organização social de cuidados com o objetivo de cuidar, assistir e apoiar as pessoas que necessitam, assim como reconhecer, reduzir e redistribuir o trabalho de cuidados, que hoje é realizado principalmente por mulheres, a partir de uma perspectiva de direitos humanos, gênero, interseccional e intercultural” (ONU MULHERES, 2021, p. 23).

No contexto do empoderamento das mulheres no mundo do trabalho, são importantes parcerias voltadas para: a promoção da equidade de gênero e raça; o enfrentamento do machismo institucional; a prevenção do assédio e da violência no trabalho.

Tendo em vista a feminização da pobreza, também cabe ao Ministério articular e acompanhar os diferentes mecanismos de combate à pobreza, à fome e ao desemprego de mulheres, como parte do compromisso do governo Lula com a redução das desigualdades.

Aqui cabe mencionar a definição das mulheres como público prioritário do Minha Casa, Minha Vida, conforme o previsto na Medida Provisória n° 1.162, de 2023, publicada em 14 de fevereiro.

Ainda no tocante à autonomia econômica e ao empoderamento das mulheres, o Ministério das Mulheres ensejará esforços para a implementação de um Política Nacional de Igualdade Salarial, que inclui eixos diversos, tais como: implementação de sistema de cuidados com recorte de gênero; criação de comitês de equidade de gênero e raça nas empresas e no serviço público; apresentação de propostas legislativas voltadas  à promoção da igualdade; iniciativas de enfrentamento ao assédio no mundo do trabalho, dentre outros.

O Ministério das Mulheres também atuará de forma incisiva no enfrentamento da violência contra as mulheres em todas as suas manifestações, que vão desde violência doméstica e familiar e do feminicídio a violências que ainda contam com políticas públicas menos estruturadas, tais como: a violência obstétrica, a violência on-line, a violência política, a violência simbólica. Também serão retomadas as respostas do Estado para a violência sexual, em todas as suas expressões: assédio sexual no mundo do trabalho, assédio sexual no transporte público e na via pública, estupro corretivo, estupro de vulnerável, dentre outras.

Nesse sentido, o Ministério das Mulheres vai relançar o Programa Mulher Viver sem Violência, que terá como eixos:

  • a reestruturação da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180;
  • enfrentamento ao feminicídio;
  • a implementação e fortalecimento das Casas da Mulher Brasileira;
  • assistência humanizada e não revitimizadora das mulheres vítimas/sobreviventes de violência;
  • fortalecimento da “Rede de Atendimento” e das unidades móveis de atendimento;
  • enfrentamento às diversas manifestações da violência sexual.

No que tange à reestruturação da Central, o Ministério tem por objetivo retomar a titularidade do Ligue 180, que passará a ser gerido pelo Ministério das Mulheres, de forma a garantir o atendimento humanizado e não revitimizador às mulheres, a qualidade das informações prestadas aos/às demandantes, a celeridade das denúncias, encaminhamentos certeiros para serviços da rede de atendimento. A proposta é retomar as atribuições da Central como canal de informações e orientações sobre direitos e serviços, e não somente de denúncias, por meio de campanhas informativas; da formação permanente das atendentes, dentre outras ações.

Afora isso, serão reformuladas as respostas do governo a mortes violentas de mulheres em razão de gênero, por meio do Pacto Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio, com iniciativas voltadas para:

  • a prevenção, que inclui iniciativas de prevenção primária, como campanhas e ações educativas (a exemplo do Maria da Penha vai à Escola); prevenção secundária (fortalecimento dos serviços especializados da Rede de Atendimento); prevenção terciária (fortalecimento das Patrulhas Maria da Penha, das tornozeleiras eletrônicas, da criação de uma metodologia de avaliação e gestão de riscos);
  • o combate (com implementação dos Protocolos Estaduais de Enfrentamento ao Feminicídio, com base nas Diretrizes para Investigar, Processar, Julgar as Mortes Violentas de Mulheres/ Diretrizes do Feminicídio (BRASIL, 2015);
  • a assistência às mulheres vítimas/sobreviventes de feminicídio tentado e aos órfãos do feminicídio;
  • a garantia de direitos, que inclui o acesso à justiça e a informações sobre direitos, assim como a inclusão digital de mulheres;
  • a produção de dados e informações qualificados e acessíveis sobre violência contra as mulheres e feminicídio e sobre serviços da Rede de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência.

O Ministério também buscará garantir a transversalidade das políticas, tanto no plano horizontal (na relação com parceiros do Executivo Federal, da Justiça e do Legislativo) e vertical (na relação com estados e municípios), em especial no fortalecimento dos organismos de políticas para as mulheres.

Na transversalidade horizontal, será reinstalado o Comitê de Monitoramento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, com o objetivo de pactuar e acompanhar as ações de equidade de gênero desenvolvidas pelos parceiros do governo federal, a partir das deliberações das Conferências Municipais, Estaduais e Nacional de Políticas para as Mulheres (a serem realizadas entre 2023 e 2024).

Na transversalidade vertical, serão retomados os Fóruns Estaduais e Municipais de Organismos de Políticas para as Mulheres, de forma a reconstruir o diálogo com as gestoras estaduais e municipais, alinhar as políticas a serem implementadas na ponta e priorizar os investimentos do Ministério na execução dessas políticas.  No campo específico da violência contra as mulheres, serão restabelecidos os Comitês Gestores e as Câmaras Técnicas de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e ao Feminicídio. Também serão estabelecidos contatos com representações de diversos setores, em especial aqueles ligados à segurança pública, educação, assistência social, saúde e ao trabalho.

O diálogo com outros Poderes também é fundamental para a implementação dos programas e projetos do Ministério das Mulheres. Nesse sentido, serão estabelecidos contatos com o Conselho Nacional de Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público, Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais, Congresso Nacional, dentre outros.

Afora isso, dada a complexidade da implementação de políticas para as mulheres, faz-se necessária a articulação e parcerias com atores diversos da sociedade civil, das associações de mulheres, dentre outros.

Cabe reforçar o compromisso do Ministério das Mulheres no que diz respeito à disseminação de dados e informações referentes às políticas para as mulheres, por meio do fortalecimento do Observatório de Gênero, que tem como função disseminar informações gerais sobre as desigualdades de gênero e os direitos das mulheres, com vistas a contribuir para a promoção da igualdade entre mulheres e homens no Brasil.

Ademais, cumpre reforçar que todas as propostas deste Ministério levarão em conta a diversidade das mulheres, a saber: a diversidade racial, étnica, dos povos originários e tradicionais, de orientação sexual, de identidade de gênero, geracional, territorial e das mulheres com deficiências, dentre outras.

Ainda são muitas as pautas (mulheres em privação de liberdade e egressas, mulheres em situação de prisão, mulheres em contexto de drogas e tráfico, dentre outros), que deverão ser desenvolvidas pelo Ministério. Para tanto, é fundamental o fortalecimento do Conselho Nacional de Direitos da Mulher e a elaboração do novo Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (que tem sido o balizador da atuação das políticas públicas desenvolvidas pelo Ministério das Mulheres).

Por fim, reforço que o Ministério das Mulheres trabalhará em prol de todas as mulheres em sua diversidade e está de portas abertas para trabalharmos juntas e juntos, visando a UNIÃO E RECONSTRUÇÃO DO BRASIL.

(*) Cida Gonçalves é ministra das Mulheres.

 

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