Prioridade é reverter retrocessos e retomar agenda integral de direitos das mulheres

Por Iriny Lopes (*)

Texto publicado na edição de março do jornal Página 13

Desde o golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff, assistimos a erosão das políticas públicas para as mulheres. Esse esvaziamento dos programas e a total desidratação do orçamento foram ampliados no governo Bolsonaro, com resultados nefastos, como o aumento de feminicídios, que só no primeiro semestre do ano passado bateu recorde, chegando a 700 mortes, registros de 230 mil agressões físicas e 66 mil casos de estupros. Tudo isso em apenas seis meses.

Com a eleição de Lula e a recriação do Ministério das Mulheres, temos esperança de melhoria, mas certamente a reconstrução do país não se dará de um momento para o outro.  E, quando se trata de políticas para as mulheres, as ações se relacionam com outros ministérios.

A partir de 2016, durante o governo golpista de Michel Temer, os retrocessos legislativos colocaram a população em situação de vulnerabilidade, com a aprovação da PEC do Fim do Mundo (EC 95), que congelava por 20 anos investimentos em políticas públicas, a Reforma Trabalhista, que retirou e alterou mais de cem itens da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), sendo inclusive contestada por peritos da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O desemprego aumentou, assim como a informalidade, o número de brasileiras e brasileiros em trabalhos precários também. Neste cenário de queda de postos de trabalho, as primeiras a perderem o emprego são as mulheres. E são elas também que recebem menos e estão mais suscetíveis às ocupações precárias.

Tudo isso fica ainda pior com Bolsonaro na presidência e a derrubada de direitos sociais. O Brasil volta ao Mapa da Fome da ONU, com 33 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave. Desse total, a maioria é formada por mulheres negras, chefes de família. Não fosse pouco, a pandemia atingiu em cheio as populações mais pobres, ampliando as desigualdades.

Portanto, não se trata apenas de enfrentar a violência doméstica, mas os demais tipos de violência que atingem prioritariamente mulheres, especialmente as negras. A pobreza também é regional. Grande parte das famílias em situação de pobreza extrema se encontra nas regiões Norte e Nordeste.

Os desafios colocados para o governo Lula são imensos e a agenda das mulheres inclui pautas igualmente prioritárias não só no combate à fome, mas na saúde, emprego e renda, moradia, em um conjunto de ações que possibilitam uma mobilidade social capaz de alterar a gravidade atual dessa parcela da população.

Remontar as políticas de enfrentamento à violência, reconstituindo a rede de proteção quebrada nos últimos quatro anos, restabelecer as pautas de equidade de gênero, as relativas à participação das mulheres e propostas de lei que propiciem de fato a igualdade de gênero na política, o retorno do Ligue 180, a retomada do diálogo com estados e municípios são, certamente, ações que estão no radar do Ministério das Mulheres, além da realização da V Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. A última conferência realizada foi em 2016, antes do golpe. É a partir dos diagnósticos e propostas surgidas das etapas municipais, estaduais e nacional que se chega ao Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, que guia as ações do governo para a área.

Apesar de sairmos de uma terra arrasada, de o orçamento feito pelo governo criminoso de Bolsonaro ter tentado piorar ainda mais as desigualdades, a habilidade política e mesmo a insustentabilidade da situação caótica das políticas sociais possibilitaram um acordo com o Congresso, ainda no ano passado, para reverter parte desse estrago, com recursos para o Bolsa Família, a recuperação do salário-mínimo, entre outras propostas aprovadas.

Para além do restabelecimento de ministérios importantes, como os de Direitos Humanos, de Igualdade Racial e das Mulheres, agregou-se o de Povos Indígenas. E reconstruir o Bolsa Família, retirando do cadastro milhões de pessoas que não deveriam estar recebendo benefícios sociais e incluindo as famílias que de fato precisam e estavam fora. Isso certamente é um bom começo. Assim como o retorno do Minha Casa, Minha Vida, que atende com prioridade mulheres chefes de família, a volta do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar do Brasil, importantíssimo no combate à fome, no restabelecimento do programa de aquisição de alimentos saudáveis para escolas, na geração de emprego e renda, especialmente no campo. Todo esse conjunto de medidas vai repercutir na vida das mulheres.

Não há como recuperar mais de uma década de políticas sociais soterradas por Temer e Bolsonaro em sete anos de destruição em pouco tempo, mas é possível ir melhorando gradativamente a vida do povo.

Mulheres são maioria no país e sofreram perseguições, ataques misóginos do ex-presidente, de sua equipe e não esmoreceram nos últimos anos. As mulheres são responsáveis em grande medida pela derrota do fascismo nas urnas e são elas que vão pautar boa parte das políticas de reconstrução do país. Uma frase que tem se tornado comum nos últimos anos e que pautou muitos movimentos pela democracia no mundo se aplica a esse país formado majoritariamente pela população negra e de mulheres: “a revolução será feminista ou não será”.

(*) Iriny Lopes é deputada estadual pelo PT do Espírito Santo, é ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, foi relatora da Lei Maria da Penha na CCJ da Câmara dos Deputados, onde exerceu três mandatos.

 

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