Por Fausto Antonio (*)
As últimas noticias relativas ao papel da Operação Lava Jato, de fevereiro de 2021, confirmam o que negros (as), índios (as) e pobres o sabem muito bem, que a violência jurídica e a policial formam um conjunto indissociável. A perseguição, a criminalização e a condenação política do ex-presidente Lula faz parte e é um processo rotineiro na história do Brasil. O mesmo ocorre com os golpes de Estado e com o esmagamento da soberania negro-popular, indígena e/ou dos trabalhadores (as). Existe um rosário de exemplos e os golpes de 1964 e 2016 são pedagógicos a respeito dos privilégios de classe e raça materializados nestes processos de violência e de submissão ao comando e opressão dirigidos de um lado pelo imperialismo e de outro pela burguesia branca brasileira.
A luta contra o racismo é a luta contra o capitalismo
O racismo antinegro é anterior ao capitalismo. O racismo não surge com o capitalismo; mas ele é fundamental para o seu desenvolvimento.
A luta contra o racismo é a luta contra o capitalismo. Não há meio para superação do racismo sem um processo revolucionário que enfrente as transformações estruturais da sociedade brasileira. Não há possibilidade alguma de remendos; a transformação deve ser radical e orientada pela organização dos negros (as), dos trabalhadores (as) e do campo popular para chegar ao socialismo; o que significa instituir o poder e o Estado sob o controle da classe trabalhadora. Dentro desses limites, os sistemas econômico, jurídico, militar e comunicacional serão controlados pelos trabalhadores (as): o que implica na discussão de como se define e funciona o racismo na estruturação do capitalismo existente no Brasil.
O método marxista – não um dogma, religião ou seita – tem validade e é eficaz se renovado pelo entendimento de como se estrutura o capitalismo no país, isto é fundamental para a compreensão dos privilégios raciais estruturados em todos os níveis sociais para brancos e, no mesmo marco , reconhecer e/ou desnaturalizar a cor da classe e/ou a cor da burguesia brasileira. A complexidade e a extensão do racismo no Brasil exigem ainda a leitura e a explicitação do papel totalitário da racialização e o seu papel na na sociedade de classes. O racismo garante privilégios em todos os níveis da sociedade brasileira para o grupo étnico branco e para os indivíduos desse grupo no acesso e no comando dos sistemas de poder estruturados pelas finanças, economia, comunicação, direito, parlamento, polícias , forças armadas e, do mesmo modo, nos subsistemas, a saber: igrejas, sociedades iniciáticas, sindicatos, partidos, movimentos sociais, clubes e entidades recreativas diversas .
No Brasil dos embates em curso e potencializados pelo golpe de Estado de 2016, que atacou a soberania popular, derrubou o governo Dilma e culminou com a prisão política do ex-presidente Lula, o antirracismo é um dado e instrumento histórico, caso ganhe visibilidade nas ruas, nos discursos, nas análises e intervenções dos trabalhadores (as) e negros (as), para acelerar a luta contra o golpe em desenvolvimento. Relevando que a luta contra o racismo faz avançar a luta da classe trabalhadora e, igualmente, pela natureza racista e classista do golpe de 2016; vale a ênfase, o atual momento histórico acelera a luta contra o racismo.
O momento histórico da opressão racial, por força de uma conjugação materializada pela burguesia nacional branca e pelo imperialismo igualmente branco e sobretudo brancocêntrico, materializou não uma nova escala de poder, mas reafirmou, no processo golpista, a estrutura racista do país. O que o golpe de Estado reafirma na conjuntura atual? Ele reatualiza conjunturalmente os privilégios para brancos (as) e a violência institucional e policial contra negros. Em outros termos, o golpe de 2016 empiriciza, no conjuntural , os privilégios raciais para brancos. Trata-se de uma escala que empiriciza e/ou historiciza a profundidade do racismo em conformidade com as ações do bloco de poder ( burguesia nacional branca + classe média branca e branqueada e imperialismo branco) que derrubou o governo Dilma e, na mesma materialidade, revela o casamento estratégico do imperialismo estadunindense com a burguesia brasileira.
A escala de poder, aqui uma medida política e meio para dar visibilidade para as ações mobilizadas para perpetuar os privilégios para a burguesia brasileira, revela também o comando externo em cujo motor central, a serviço da opressão bélica, econômica e dos privilégios geo-políticos dos EUA, estão confiadas as intervenções, embargos e comandos do imperialismo. A escala tem uma dimensão racializada, isto é, empírica e reveladora da cor da classe produtora e privilegiada pelo golpe de Estado de 2016. A despeito de negros e negras subalternos atuarem na sua realização e reprodução, o imperialismo dirigido pela parelha EUA – Israel é produtor de privilégios para a branquitude mundial.
Movimento negro radical na defesa dos negros (as), do socialismo , dos direitos políticos de Lula
A defesa e os processos de organização de negros (as), sem desconsiderar a centralidade das chaves interpretativas ancoradas na raça, racismo e branquitude, são pontos centrais para as intervenções táticas. A defesa do ex-presidente Lula, conjugada com a luta contra a violência policial contra jovens negros e pobres, faz parte de um processo de luta política de longa duração, que passa pela defesa e construção do socialismo. Posição que demanda a luta pelo poder e que terá, no embate eleitoral de 2022 e com a presença do candidato Lula, um artefato conjuntural para chegar ao governo federal. A tática eleitoral exige disposição para polarizar e radicalizar no que concerne ao processo e projeto estratégico de poder, que será, dentro dessas delimitações, dos trabalhadores (as).
O Racismo explica a Rede Globo, o BBB 2021 , os privilégios brancos e para brrancos
O racismo é um sistema de poder; não é algo abstrato. Sistemas de discursos têm eficácia quando alimentam as estruturas, os indivíduos e o grupo étnico privilegiados pela supremacia racial. O discurso politicamente “incorreto” de Karol Conká não tem eficácia, sem os sistemas de poder, para a produção do racismo, isto é, para estruturar privilégios pessoais e para o seu grupo étnico. Tais privilégios no Brasil são exclusivos do grupo étnico branco e dos indivíduos desse grupo. As reproduções do racismo, diferentemente da produção e do privilégios estruturados por brancos (as), alimentam ainda mais a branquitude totalitária e o racismo à brasileira contra negros (as). Karol Conká não é e não deve ser o alvo das nossas críticas e, por igual imposição-produção racializada, não o são também os demais negros do BBB-2021.
Não se pensa o BBB- 2021 a partir do programa e dos negros (as) tornados peças no sistema global, mas sim do racismo, da Rede Globo branca, branqueadora, golpista e, principalmente, da opressão, dos interesses e dos privilégios da classe dominante brasileira, que numa síntese é também reveladora da branquitude nacional e da branquitude imperialista.
(*) Fausto Antonio é escritor, poeta, dramaturgo e autor, entre outros, do romance Exumos e de Patuá de palavras, o (in)verso negro, poesia.