Com marcos históricos, desafios climáticos e avanços pontuais, 2024 reforçou a centralidade da reforma agrária na construção de um Brasil melhor e solidário
Ato Político 40 anos MST. Foto: Priscila Ramos
Por Fernanda Alcântara e Solange Engelmann
Da Página do MST
Em 2024, o MST completou 40 anos, consolidando-se como o movimento mais duradouro de luta pela terra no Brasil. Esse marco foi celebrado com alegria, cerimônias simbólicas e reflexão sobre conquistas nacionais e internacionais, reafirmando o compromisso com a construção de uma sociedade diferente, pautada na reforma agrária integral e popular.
Diante destes marcos, o Movimento realizou nesta sexta-feira (20) uma coletiva de imprensa recuperando os desafios e as perspectivas para o próximo período, sempre ressaltando a importância do povo Sem Terra como agente de transformação social no campo.
Assim como no ano anterior, 2024 foi marcado por intensa reconstrução e retomada de esperanças. Eventos como festivais de Reforma Agrária reforçaram a cultura popular e a resistência, fortalecendo os territórios e celebrando a luta.
Ceres Hadich, da direção nacional do MST, relembrou que 2024 foi um ano especial para o MST no sentido de reafirmar sua luta e resistência de mais 40 anos de história, na luta pela terra e pela Reforma Agrária Popular no país. “Este ano marca os 40 anos do MST, evidenciando sua trajetória de resistência e luta. Foi um período repleto de simbolismos, com a retomada de debates internos e o fortalecimento das relações com a sociedade”, afirmou.
Segundo Ceres, este também foi um ano importante na consolidação do projeto de Reforma Agrária Popular do Movimento, com a massificação da agroecologia e o avanço na produção de alimentos com o plantio de mais de 25 milhões de árvores, como parte do Plano Nacional Plantar Árvores Produzir Alimentos Saudáveis, que busca aliar a produção de alimentos e recuperação ambiental e mitigar os efeitos do projeto de morte do agronegócio e enfrentar a crise ambiental.
O ano de 2024 representou também uma conjunção de esforços para defender candidaturas populares, retomar as lutas em acampamentos e ocupações de terra, além de mobilizar-se em datas simbólicas e em torno de demandas estratégicas do povo brasileiro. Durante as eleições municipais, o Movimento se fortaleceu por meio da continuidade das lutas com autonomia, resistência e intensa mobilização popular
Em abril, a Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária trouxe o lema “Ocupar para o Brasil alimentar!”, houve 26 ocupações e cinco novos acampamentos. Mais de 30 mil famílias participaram de 70 ações diversas em 18 estados e no Distrito Federal, destacando a importância da reforma agrária. Essas ocupações e acampamentos aconteceram em estados como Paraíba, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Sergipe, Pernambuco, Paraná, Rio Grande do Norte, Bahia, Pará, São Paulo, Goiás, Ceará e Rio de Janeiro.
Entre conquistas e desafios, não se pode ignorar as perdas e desafios enfrentados, como a tragédia no Rio Grande do Sul. As fortes chuvas de abril afetaram cerca de 420 famílias assentadas, causando inundações em suas casas, perda de produção de alimentos e prejuízos em estruturas, ferramentas e maquinários, além da morte de animais. Esse desastre reforça a necessidade de medidas estruturais para mitigar os impactos das crises climáticas e ambientais na agricultura familiar. A realização da COP30 no Brasil, em 2025, é uma oportunidade para liderar iniciativas globais de segurança alimentar e preservação ambiental.
A solidariedade internacional também marcou o ano, com o MST apoiando o povo palestino que enfrenta genocídio e violações de direitos. O Movimento enviou alimentos e organizou manifestações pelo cessar-fogo, reforçando seu compromisso com a justiça social em escala global. Também esteve do lado do povo venezualano, na defesa da sua autodeterminação e no enfrentamento ao imperialismo e ao fascismo.
Governo Lula e a Reforma Agrária
Neste segundo ano do governo Lula, a esperança por mudanças no cenário agrário avançou pouco, segundo dirigentes. Um dos pontos urgentes é o assentamento imediato de todas as famílias acampadas. Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) indicam 57 mil famílias nessa situação, enquanto o MST contabiliza mais de 60 mil. “Não esperamos nada menos do que o assentamento das 65.000 famílias Sem Terra. Que o Ministro do MDA e o Presidente Lula se comprometam, ainda este ano, com essa importante agenda”, afirmou João Paulo.
Em relação ao tema da desapropriação de novos latifúndios para a criação de novos assentamentos, Ceres aponta que essa questão ainda segue problemática e pendente, com poucos avanços. “Há pouco avanço na desapropriação de novas áreas para os assentamentos. Tem hoje não mais do que 10 mil famílias, que estão em processo de assentamentos e devem ser anunciadas entre final desse ano e início do ano que vem”, explica.
Ao mesmo tempo, a dirigente reconhece que a recomposição orçamentária do Incra foi importante, pois tem contribuído na sua reestruturação e avançado no cadastramento das famílias acampadas do MST, por parte da autarquia; no entanto, ainda é preciso avançar na criação de novos assentamentos.
O acesso ao segundo PRONAF foi uma grande vitória para as famílias Sem Terra e os agricultores familiares, pois representa um avanço significativo no fortalecimento da produção agrícola agroecológica e no apoio àqueles que lutam por um campo mais justo”
– Ceres Hadich
Nesse contexto, João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST, ponta que o MST calcula o número de novas famílias assentadas a partir da criação de novos assentamentos e diz não considerar a regularização de famílias assentadas ou a ocupação de lotes em assentamentos como números de novos assentamentos, por estarem em áreas que já foram desapropriadas e contabilizadas anteriormente pelo governo e pela própria organização como novos assentamentos.
O Movimento pressionou o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para que os recursos já disponíveis sejam aplicados rapidamente. No entanto, avanços ainda são limitados. Para assentar 50 mil famílias por ano, seriam necessários pelo menos R$ 2,8 bilhões anuais. O MST também tem dialogado com o Ministério da Fazenda, o ministro-chefe da Casa Civil e o presidente Lula para buscar soluções como o uso de terras públicas devolutas e acordos com devedores da União.
“Há possibilidade de criar assentamentos a partir de dívidas e a retomada de desapropriações por interesse social devem viabilizar cinco projetos de assentamentos, embora o impacto quantitativo seja simbólico. O decreto já foi emitido pelo Incra, está na Casa Civil, e há a expectativa de que seja assinado pelo presidente Lula antes do Natal”, revelou Ceres.
Avaliação do Governo Lula
Nesse sentido, João Paulo Rodrigues, faz uma avaliação positiva do Governo Lula até o momento, conseguindo lançar nesse curto tempo vários programas que estavam paralisados nos governos passados e enfatiza que o MST reafirma seu compromisso de apoio ao governo Lula e com a governabilidade, mas que mantém sua autonomia autonomia política em relação ao governo e na cobrança de respostas em relação às demandas da pauta da Reforma Agrária no país.
Porém, o dirigente elenca que na avaliação do MST há alguns pontos centrais que o governo precisa corrigir e avançar no próximo período, como a definição e visibilidade de um projeto nacional do governo e com a esquerda, que mostre onde se quer chegar até 2026; a formação de um núcleo político dirigente, com o poder decisório sobre os temas do país, com uma interlocução melhor, com a esquerda e a base social que deu sustentação a esse governo. E a terceira questão, que precisa ser ajustada, na visão do MST, é em relação à política de comunicação social que precisa ir além de instrumentos e redes sociais, se tornando mais simbólica, direta e representativa.
Precisamos de atividades com o presidente Lula fora do Palácio, no meio do povo, na periferia, nos espaços da agricultura familiar e assentamentos. Pra ela se comunicar sobre a agenda da agricultura familiar é muito melhor estando em uma cooperativa ou em uma área agrícola, que dentro do Palácio, fazendo anúncio sobre crédito. Não é razoável que em dois anos o presidente Lula não tenha realizado nenhuma visita a assentamentos ou áreas de agricultura familiar”
– João Paulo Rodrigues
O dirigente também reclama das dificuldades e demora nas entregas e efetivação de políticas governamentais para a agricultura familiar e Reforma Agrária nos últimos dois anos. “O setor organizado não foi beneficiado ainda com as políticas construídas até agora. Estão em fase final de organização, mas não podemos chegar em abril, maio de 2025, sem ter os anúncios prometidos pelo presidente Lula na campanha”, reconhece.
Mas, a expectativa do MST em relação ao Governo Lula para o próximo período, segundo João Pedro, é de que o governo possa ajustar o seu ministério e agenda para as respostas necessárias às pautas da Reforma Agrária e de políticas importantes para o campo da esquerda.
Produção de Alimentos e Perspectivas
A militância Sem Terra desempenhou papel crucial na produção de alimentos e resistência cotidiana, acumulando forças para ajudar o país a superar crises e retomar o caminho da democracia e do desenvolvimento. A reforma agrária permanece central, promovendo a produção de alimentos saudáveis e combatendo o paradoxo de um país biodiverso onde ainda há fome. A centralidade dos alimentos reflete o compromisso do Movimento com a natureza e os bens comuns, evidenciado pelo plantio de árvores, recuperação de áreas degradadas e produção de mudas, promovendo um ambiente mais equilibrado.
Ceres afirmou que, para o MST, o MDA é fundamental, pois foi criado para lidar com a questão agrária no país. Segundo ela, sem um MDA focado na construção de políticas públicas voltadas à reforma agrária, não será possível avançar. Ela também destacou que o movimento não pretende recuar enquanto não houver a democratização da terra e a garantia de justiça social, enfatizando que a ocupação da terra é um instrumento central de pressão. “Nesse plano, com o MDA e a Conab, foram dados passos importantes para avançar na agroecologia, abrangendo mecanização, bioinsumos e abastecimento, com foco em um plano de produção e comercialização de alimentos, alinhado a um plano popular de abastecimento”, ressaltou Ceres.
Por outro lado, a dirigente apontou que “o Pronera tem enfrentado uma grande falta de apoio, recursos e estrutura, comprometendo suas conquistas de médio e longo prazo. É fundamental avançar nas conquistas do programa, pois a liberação de 14 milhões servirá apenas para quitar dívidas existentes. Por isso, ampliar o orçamento do Pronera é uma questão central”.
João Paulo destaca que para o próximo período, o MST espera que o presidente Lula, ainda esse ano ou no início do ano que vem, formalize seu compromisso com a agenda agrária, de preferência em visita a um assentamento do MST.
Com esperança e determinação, o povo Sem Terra espera ansioso que 2025 traga muitas lutas e conquistas para a classe trabalhadora, celebrando a história e a resistência do MST ao longo de suas quatro décadas. O Movimento segue comprometido com a luta pela reforma agrária, pela democratização das terras e pela produção de alimentos saudáveis, reafirmando seu papel como organização imprescindível para o futuro do Brasil.
E em relação à luta pela terra “reafirmamos que no próximo ano, a partir do 8 de março o MST vai manter uma agenda de lutas para cobrar o assentamento das 65 mil famílias acampadas no país e seu compromisso com a pauta ambiental e alimentar. Queremos apresentar a proposta do MST com os temas ambiental e alimentar na Feira da Reforma Agrária em maio e levar para a COP30”, conclui João Paulo.