Nossa questão meridional: o Nordeste nas eleições presidenciais e proporcionais

Por Patrick Campos (*)

Texto publicado na edição de março do Jornal Página 13

Em texto escrito para a 14ª edição da revista Esquerda Petista, comentei sobre a importância da Região Nordeste para o PT nas eleições presidenciais, principalmente a partir do ano de 2006. Foi a partir dela que o partido passou a obter a maioria dos votos em todos os estados da região no segundo turno das disputas presidenciais.

Isso tem levado muita gente a acreditar que o Nordeste se tornou a grande fortaleza democrática e progressista do Brasil, capaz de salvar o conjunto do país dos arroubos autoritários e de novas vitórias eleitorais da extrema-direita. No artigo para a Esquerda Petista, mencionamos que nem sempre o Nordeste votou assim. E se algo mudou uma vez, pode mudar novamente. Da mesma forma, mencionamos alguns dos prováveis motivos que levaram a maioria da população da região a votar, principalmente a partir de 2006, nas candidaturas apresentadas pelo Partido dos Trabalhadores à Presidência da República.

No entanto, devemos ter muita atenção com os rumos dessa “questão meridional” ou do chamado “fator Nordeste” para a estratégia petista e das forças do campo democrático-popular. Para tanto, vale analisar os dados relativos às eleições proporcionais na região e compará-los com sua evolução histórica.

Para dar conta dessa tarefa, decidi voltar à primeira eleição disputada pelo Partido dos Trabalhadores no ano de 1982 quando, ainda sob a ditadura militar, o PT conseguiu eleger oito deputados federais, sendo seis deles em São Paulo, um em Minas Gerais e outro no Rio de Janeiro. Foram nesses estados e no Acre que o partido também conseguiu eleger deputados estaduais, não conseguindo eleger nenhum parlamentar a partir dos estados do Nordeste. À época, o partido possuía apenas dois anos de existência e sua organização nos estados da região Nordeste estava também iniciando.

Nas eleições proporcionais de 1986, o partido saltou dos oito para um total de 16 deputados federais eleitos, sendo oito em São Paulo, três em Minas Gerais, dois no Rio de Janeiro, dois no Rio Grande do Sul e um no Espírito Santo. Apesar de nenhum deputado federal ter sido eleito nos estados da Região Nordeste, foram eleitos cinco parlamentares para as assembleias legislativas, sendo dois deputados estaduais no Ceará (João Alfredo e José Ilário), dois em Sergipe (Marcelo Deda e Marcelo Ribeiro) e um na Bahia (Manoel Alcides).

Em 1989, o PT disputou pela primeira vez uma eleição presidencial, com Luiz Inácio Lula da Silva candidato. Nela, a maior votação obtida pela candidatura Lula no segundo turno contra Collor foi no estado do Rio de Janeiro, onde ele obteve 72,92% dos votos válidos. Dos estados do Nordeste, Lula venceu apenas em Pernambuco, mas por 50,90% dos votos válidos.

No ano seguinte, em 1990, ocorreram eleições gerais, a primeira com voto direto para os governos estaduais após o fim da ditadura militar. O PT não conseguiu vencer a eleição para nenhum governo estadual, mas ampliou suas bancadas parlamentares. Elegeu o primeiro senador, Eduardo Suplicy por São Paulo, onde também elegeu sua maior bancada de deputados federais, com 10 do total de 35 eleitos.

Deste total, dois foram eleitos pela Bahia (Manoel Alcides e Jaques Wagner), único estado do Nordeste a eleger deputados federais naquela eleição. Com relação às bancadas estaduais, o partido conseguiu eleger 12 representantes para as assembleias legislativas da região, sendo três na Bahia, dois em Pernambuco, dois no Maranhão, dois em Sergipe e um na Paraíba, no Rio Grande do Norte e no Ceará.

Como é possível perceber por esta breve análise, o PT não teve em sua primeira década de existência um “fator Nordeste” a seu favor. Isso tampouco ocorreu na década de 1990, quando Lula perdeu no segundo turno das eleições presidenciais em todos os estados da região e a participação das bancadas nordestinas na composição da bancada nacional do partido seguiu minoritária, bem como a quantidade de municípios governados em comparação com outras regiões.

Em 1994, do total de 50 deputados federais eleitos pelo PT, oito foram eleitos a partir de estados do Nordeste (Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Sergipe) e 20 petistas para as assembleias legislativas da região, com o feito de ter presença nas assembleias de todos os estados nordestinos (com destaque para a Bahia, com cinco deputados estaduais eleitos).

Em 1998, o PT elegeu três governadores de estado (Acre, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul) e três senadores (Acre, Alagoas e São Paulo). Dos 59 deputados federais eleitos, 10 eram de estados do Nordeste (Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Sergipe). Dos 85 deputados estaduais eleitos (mais cinco no Distrito Federal), 21 foram da Região Nordeste. Na região, um dos grandes destaques foi a eleição para o senado de Heloísa Helena em Alagoas.

Nas eleições municipais de 2000, o PT elegeu 174 prefeituras, sendo duas capitais no Nordeste (Recife e Aracaju) no total de 21 cidades governadas na região. O maior número de prefeituras eleitas estava em São Paulo (38), Minas Gerais (34) e no Rio Grande do Sul (35). Além das duas capitais no Nordeste, o PT venceu as eleições em São Paulo, Porto Alegre, Belém e Goiânia.

Ou seja, até as eleições de 2002, quando Lula foi eleito presidente pela primeira vez, se fôssemos falar de uma questão meridional relativa ao PT, diríamos que ela se encontrava entre São Paulo, Minas Gerais e o Rio Grande do Sul. Dos 91 deputados federais eleitos (o melhor resultado obtido pelo partido até hoje), 17 foram a partir de estados do Nordeste. Apenas o estado São Paulo elegeu 18 deputados federais, enquanto Minas Gerais elegeu 11 e o Rio Grande do Sul, oito.

É evidente que uma análise como essa não pode ser baseada apenas no desempenho eleitoral, nas bancadas e governos eleitos, ou ainda nas votações obtidas pela candidatura presidencial. Mas esses são dados que ajudam a entender o caminho percorrido até que o “fator Nordeste” surgisse e se tornasse um elemento decisivo para as eleições brasileiras.

Afinal de contas, nos primeiros vinte anos de eleições disputadas pelo PT (entre 1982 e 2002) não foi no Nordeste que o partido obteve suas principais vitórias e tampouco a região contribuiu para decidir favoravelmente à esquerda as eleições presidenciais. Isso passa a ocorrer a partir de 2002, mas principalmente a partir do segundo turno de 2006, quando Lula obtém pela primeira vez a maioria em todos os estados da região, algo que seguiu ocorrendo em todas as disputas a partir de então.

No entanto, esse fator decisivo não se apresenta da mesma maneira no que diz respeito às eleições parlamentares, estaduais e municipais, o que coloca em xeque a dimensão desta “questão meridional” e evidencia algumas de suas limitações. Essa é uma questão fundamental quando se observa o avanço da extrema-direita e do “centrão” nas eleições de 2018, 2020 e 2022 em toda a região, bem como a dificuldade de ampliação das bancadas petistas nas últimas eleições.

No próximo texto desta breve série sobre a nossa “questão meridional”, retomaremos essa discussão a partir dos dados das eleições de 2002 a 2022 do PT na região, e de como o “fator Nordeste” levou a táticas que contribuíram para perda de vitalidade eleitoral do partido nas disputas locais e os riscos existentes para as eleições municipais de 2024.

(*) Patrick Campos é membro do Diretório Nacional do PT.

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