Notas sobre capitalismo e socialismo (13)

Por Wladimir Pomar*

 

Como dissemos, uma estratégia que coloque as forças produtivas como motor do desenvolvimento pode dividir a burguesia, mobilizar favoravelmente as classes medias urbanas e rurais, e impor um crescimento que fortaleça numérica e qualitativamente a classe trabalhadora através da inclusão dos excluídos no mercado de trabalho. E, no contexto da democracia restrita do capitalismo brasileiro, pode retomar a possibilidade da eleição de outro governo de esquerda que tenha em vista a implantação das reformas que coloquem em tensão os problemas históricos e criem as condições para a sua superação, incluindo a ampliação do mercado de consumo, das relações de produção e das estruturas sociais e políticas.

Ou seja, são os investimentos no crescimento e no desenvolvimento das forças produtivas, principalmente industriais, comandadas pelas ciências e tecnologias, que podem impor divisões no grande capital, neutralizar ou atrair setores do médio e do pequeno capital e, mais importante do que tudo, fortalecer numérica e qualitativamente a classe trabalhadora, no sentido de enfrentar e modificar o sistema tributário regressivo, os juros abusivos, o câmbio valorizado, a concentração da riqueza, e as políticas voltadas para a promoção de setores e/ou empresas oligopolistas ou monopolistas.

Em outras palavras, é preciso inverter a suposição de que a estratégia de desenvolvimento, para ser eficaz, deva ser orientada por uma política que parta da geração de benefícios sociais para solucionar os problemas históricos da sociedade brasileira. Historicamente, em todo o mundo, os problemas sociais foram solucionados ou radicalmente modificados com a imposição consciente ou inconsciente do desenvolvimento das forças produtivas. Tal experiência histórica não pode ser jogada fora quando se trata do capitalismo, avançado ou atrasado, soberano ou subordinado, independente ou dependente, nacionalizado ou desnacionalizado. É tal desenvolvimento que, no caso do Brasil e de um governo democrático e popular, pode até colocar em pauta uma possível transição socialista.

Por outro lado, nas atuais condições estruturais do capitalismo implantado no Brasil, de atraso, subordinação, dependência, desnacionalização e extremas desigualdades sociais, qualquer estratégia de crescimento e desenvolvimento, para ser realista, deve evitar a pretensão utópica de promover mudanças que tenham como objetivo, imediato ou de médio prazo, a conquista da igualdade. Esse é um objetivo que sequer pode ser alcançado na fase socialista de desenvolvimento de sociedades atrasadas como a brasileira.

Mesmo na fase socialista será necessário um período relativamente longo de combinação e confronto entre a propriedade privada capitalista e a propriedade social, constituindo um modo de produção, circulação e distribuição em que as desigualdades sociais serão paulatinamente eliminadas, tendo por base o desenvolvimento das forças produtivas e um processo crescente de redistribuição da renda e da riqueza. Assim, talvez seja mais realista o objetivo de retirar o Brasil da condição de país tecnologicamente atrasado com imensas desigualdades sociais.

Isto é, em termos negativos, superar a industrialização monopolizada por corporações estrangeiras e subordinada e dependente delas, fazer com que a mineração e a agricultura deixem de ser subordinadas e dependentes dos humores do mercado internacional, proporcionar que a agricultura de alimentos não mais repita as inflações de demandas não atendidas, e que a força de trabalho que carece de educação básica e profissional (pelo menos 30 a 40 milhões) não sirva mais de repositório de mão-de-obra suicida para o tráfico e o banditismo.

Em termos positivos, o objetivo do desenvolvimento econômico talvez deva concentrar-se em criar as condições para dar um salto no desenvolvimento das forças produtivas nacionais como base para reduzir as vergonhosas desigualdades sociais. Isto é, fazer com que o Estado conte com fortes instrumentos de financiamento, de produção energética, industrial e agrícola, e de construção infraestrutural. Instrumentos capazes de investir, operar e desenvolver os ramos estratégicos, a exemplo dos centros de pesquisas científicas e tecnológicas e dos produtores de altas e novas tecnologias eletrônicas, nanotecnologias, novos materiais, novas formas de energia, insumos industriais básicos, equipamentos de transportes e de comunicações e infraestrutura correspondentes, além da agricultura de alimentos para o consumo doméstico.

É evidente que a adoção de uma estratégia de desenvolvimento econômico e social desse tipo desempenha um duplo papel. Por um lado, o de instrumento para a efetivação de uma estratégia de conquista de condições políticas favoráveis (mobilização dos setores populares e divisão das classes dominantes) à sua implementação. Ou seja, a luta pela implementação da estratégia econômica e social deve cooperar para a mobilização da maior parte das forças sociais e políticas. Por outro lado, ela depende de um constante processo de reestruturação democrática e popular do aparato estatal, de modo que este deixe de ser pasto do enriquecimento legal ou corrupto das classes dominantes minoritárias e se torne um servidor da esmagadora maioria do povo brasileiro.

É sob essa ótica que deve ser avaliada a experiência dos governos petistas. A rigor, eles colocaram a estratégia de desenvolvimento das forças produtivas na dependência do desenvolvimento social. Supuseram que a ação governamental pela melhoria do poder aquisitivo dos pobres e miseráveis e pela criação de um mercado de consumo de massa induziria as burguesias nacional e estrangeira a investirem no crescimento e no desenvolvimento econômico. E também acreditaram que as ações de desenvolvimento social levariam as burguesias a aceitarem reformas ou reestruturações democráticas e do papel indutor do Estado.

Portanto, seria conveniente perguntar: por que os investimentos nos PACs não tiveram impactos significativos na reindustrialização? Isto é, por que os investimentos em infraestrutura, mesmo mobilizando um vasto conjunto de bens e serviços, tiveram pouco impacto no desenvolvimento de bens e serviços de “conteúdo nacional”? Terá sido por que os marcos regulatórios não incluíram os investimentos externos no sentido de direcioná-los não para a especulação financeira, mas para a produção industrial em associação com empresas estatais?

Na verdade, as burguesias presentes no solo brasileiro não se lixam para a inclusão social, para o combate à extrema pobreza, para a defesa dos direitos humanos, para a ampliação do mercado interno, para os avanços na educação, ciências e tecnologias, para a inserção externa soberana, para o fortalecimento da democracia, para a ampliação da participação social e nem mesmo para a defesa da soberania nacional. Na maior parte, elas só têm interesse no lucro máximo, mesmo que isso seja conseguido com base na pura especulação financeira e na crescente pauperização do povo.

Em tais condições, embora uma estratégia atual de desenvolvimento econômica e social tenha que contar com a participação da propriedade privada e de setores burgueses, assim como com a concorrência típica do modo de produção capitalista, indutora de inovações e desenvolvimento tecnológico, ela só terá efetividade com um Estado que consiga construir instrumentos estatais (bancos, empresas, centros de pesquisa etc) capazes de orientar o processo de desenvolvimento das forças produtivas e evitar, ou limitar, a anarquia e as crises típicas do modo de produção capitalista.

Em outras palavras, não basta ter empresas estatais na exploração de petróleo e gás e na construção e operação de geradoras e transmissoras de eletricidade. É preciso evitar os monopólios de qualquer tipo e ter mais de uma estatal nessas áreas e algumas em cada um dos ramos estratégicos, concorrendo entre si e com as empresas privadas nacionais e estrangeiras. Só desse modo será possível combater a burocratização e a corrupção, avançar na inovação tecnológica e transformar as estatais em orientadoras do processo geral de desenvolvimento industrial e econômico.

Paralelamente é essencial reduzir a desnacionalização, fazendo com que empresas e investidores estrangeiros dispostos a transferir tecnologias em troca da exploração da mão-de-obra nacional mais barata do que em seus países sede invistam em associação com empresas estatais brasileiras e com contratos datados. A desnacionalização, como a experiência tem mostrado, afeta o balanço de pagamentos através da remessa de lucros e dividendos, em dólares, para a sede das empresas estrangeiras, causando desequilíbrios nas contas de capitais, serviços e rendas nacionais.

Paralelamente, será preciso ter uma política macro-econômica de juros baixos, tributos progressivos e câmbio administrado. A apreciação do dólar, teoricamente para combater a inflação, torna as empresas nacionais mais baratas, estimulando a desnacionalização ou sua transferência para países de juros, impostos e mão de obra mais baixos, como ocorreu com grande parte da indústria química brasileira.

Portanto, é indispensável criar um ambiente de desenvolvimento econômico, capaz de evitar surtos inflacionários de alimentos por demandas acima da produção, alavancar empregos, gerar recursos suficientes para evitar choques fiscais, transformar as demandas sociais da maioria do povo em realidade prática, e isolar social e politicamente os representantes da grande burguesia nativa e estrangeira. O que só é possível com o desenvolvimento consistente dos meios de produção industriais e agrícolas, da qualificação dos trabalhadores, da infraestrutura de circulação barata das mercadorias e das informações, e da distribuição da renda e da riqueza de forma crescentemente menos desigual.

 

* Wladimir Pomar é escritor e analista político.

 

Leia os textos anteriores da série:

Notas sobre capitalismo e socialismo (12)

Notas sobre capitalismo e socialismo (11)

Notas sobre capitalismo e socialismo (10)

Notas sobre capitalismo e socialismo (9)

Notas sobre capitalismo e socialismo (8)

Notas sobre capitalismo e socialismo (7)

Notas sobre capitalismo e socialismo (6)

Notas sobre capitalismo e socialismo (1 a 5)

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