Por Marcelo Barbosa (*)
Assim que terminou a apuração das eleições 2020, me encontrei como de costume acompanhando as análises dos resultados, tanto na TV como nas redes. Era quase que um mantra a repetição da tese de que o bolsonarismo tinha sido derrotado. Tal posto, decidi ficar mais atento e pensar sobre o assunto.
Muito se fala de bolsonarismo, mas observamos pouca precisão conceitual sobre o que se trata. Para esse texto, destacamos a formulação da socióloga Esther Solano, que situa o bolsonarismo como uma política de extrema direita, construída com base na agressão, na destruição e aniquilação do adversário político, na negação da política, no discurso antissistêmico, antipartidarista e na defesa da militarização da esfera pública. Enfim, no campo simbólico seria uma política que se mobiliza, principalmente, através dos afetos e sentimentos negativos, potências afetivas e nesse sentido, se relaciona com a noção de punição, vingança, linchamento, política de classe e obviamente políticas misóginas, racistas, LGBTfóbicas.
Como se trata de uma reflexão sobre as eleições 2020, decidimos para melhor entendimento do leitor, buscar a representação do bolsonarismo nos partidos políticos. Dessa forma, indicamos que o bolsonarismo estaria representado pelos partidos (PSL, PSC, PRTB, Republicanos e Patriota).
De forma sintética, o que se dizia na grande mídia pelos porta-vozes da direita neoliberal, era que a esquerda e a extrema direita (bolsonaristas) tinham tido péssimo desempenho, e que o grande vencedor tinha sido o “centro ampliado”, expressão cunhada pela jornalista econômica Miriam Leitão da Globonews. No que diz respeito à esquerda a tese de derrota era sustentada pelo fato de não ter ganhado em nenhuma capital no 1º turno, omitindo, então, as disputas importantes do 2º turno (17 cidades). Em relação ao bolsonarismo, o argumento mais trabalhado tinha como base o mau desempenho dos candidatos de uma lista divulgada pelo Presidente Bolsonaro, na qual, ele mesmo tinha assumido o compromisso de apoiar diretamente.
Diante da antiga tática, sempre utilizada pela grande mídia brasileira, de se obter sustentabilidade científica para interesses políticos, não me sai da cabeça a entrevista do cientista político Sergio Abranches para à Globonews. Reforçando a tese de que o centro foi o grande vitorioso, Abranches, em artigo sobre o resultado das últimas eleições, publicado em seu blog, também desenvolve análise fazendo um paralelo com as eleições dos Estados Unidos, chegando a dizer que “no Brasil, foi o ano em o país deu um largo passo para o reencontro com a democracia e a normalidade. As eleições mostraram que o Brasil já se desencantou com a direita extremista”. Adiante, em defesa da construção de uma ampla frente democrática no Brasil diz, “foi assim, também, que Biden venceu Trump com ampla margem no voto popular e no colégio eleitoral”. Encerrando, conclui: “[…] houve um espírito comum de busca de segurança, normalidade e realismo. Um certo fastio com as personalidades delirantes e o desgoverno de Bolsonaro e nos grandes centros, do próprio Trump. Por isso se comemorou tanto por aqui a vitória de Biden”. Só faltou dizer explicitamente que precisamos de um Biden por aqui em 2022. Essa é a mensagem, precisamos de um Biden tupiniquim. Finalmente, salientamos também o pronunciamento do presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, publicado no UOL, afirmando que o presidente Jair Bolsonaro “é o maior derrotado” das eleições municipais de 2020. É a pavimentação para Moro, Hulk, Mandetta, Dória e Maia.
Na esquerda, as leituras de alguns analistas políticos sobre o resultado das eleições no 1º turno indicavam também uma clamorosa derrota do bolsonarismo. Para ilustrar o que estamos dizendo, destacamos algumas afirmações divulgadas publicamente. Em texto assinado pela tendência petista Democracia Socialista intitulado “2º turno: virada a favor do povo” chega-se a utilizar a expressão, “naufrágio da extrema direita no primeiro turno…”. Outro texto interessante, publicado por Valerio Arcary em sua página no facebook diz: “Bolsonaro saiu enfraquecido das eleições municipais […] Não foi esmagado, mas saiu ferido”. Quase me emocionei lendo. O velho comunista revolucionário Cid Benjamin crava em entrevista para a rádio Faixa Livre, “onda bolsonarista está chegando ao fim”. Outro destaque diz respeito ao tweet do governador do Maranhão Flavio Dino (PC do B), que confirma, “[…] enorme derrota do bolsonarismo”.
É nesse contexto que o nome da Wall do Assaí (Republicanos), candidata a vereadora não eleita de Angra dos Reis, apoiada pelo Presidente Bolsonaro, passou a ganhar destaque tanto na direita quanto na esquerda.
Na contraposição, destacamos o posicionamento de Marcos Nobre (Unicamp e Cebrap) e Breno Altman (Opera Mundi). Os dois analistas políticos não confirmam a tese de enfraquecimento do bolsonarismo. Nobre, em entrevista à jornalista Renata Lo Prete do G1, segue a linha de que as lideranças nacionais não estão em julgamento nas eleições municipais. O filósofo destaca, sem menosprezar a força do bolsonarismo, que Bolsonaro não foi julgado nessas eleições municipais, portanto, ainda seria muito precipitado afirmar um enfraquecimento da extrema direita, “eu tenho a impressão que o Bolsonaro não foi derrotado […]”. Conclui Nobre, “o pleito deste ano não é ‘sobre’ Bolsonaro […] e o que ocorreu foi uma grande fragmentação”. Breno Altman vai um pouco mais fundo e afirma que o bolsonarismo ampliou suas forças no 1º turno das eleições 2020. Altman, após levantamento de dados do TSE sobre as forças políticas e seus partidos, busca identificar os movimentos eleitorais (voto dos eleitores, prefeituras conquistadas e quantidade de vereadores) comparando-os com das eleições de 2016. De acordo com o jornalista, o bolsonarismo (bloco formado pelo PSL, PSC, PRTB, Republicanos, Patriota) avançou em todos os quesitos. No que se refere ao numero de eleitores, os bolsonaristas passaram de 6.860.820 em 2016 para 12.919.709 votos, um acréscimo significativo em 2020. Sobre as prefeituras, eles aumentaram de 244 em 2016 para 467 em 2020 e finalmente no que relaciona a quantidade de vereadores, os bolsonaristas ampliaram de 4.942 em 2016 para 6.254 representantes em 2020. Diante desse levantamento, não há outra conclusão: a tese de que o bolsonarismo foi derrotado está equivocada. Pelos dados, o bolsonarimo cresceu.
A análise de Altman sobre a esquerda (PT, PSOL e PC do B) aponta que o bloco não avançou em todos os quesitos. No que se refere ao numero de eleitores, a esquerda passou de 10.675.700 em 2016 para 10.385.170 em 2020, ou seja, reduziu seu alcance. Sobre as prefeituras, reduziram de 337 em 2016 para 223 cidades em 2020 e finalmente no que relaciona a quantidade de vereadores, os partidos de esquerda reduziram de 3.881 em 2016 para 3.337 representantes em 2020. Para efeitos de comparação em termos numéricos, pode-se dizer, que o bolsonarismo cresceu mais que a esquerda.
Outras sinalizações que o bolsonarismo não enfraqueceu, Carlos Bolsonaro (filho do presidente) não foi o primeiro mais votado, como em 2016, mas foi o segundo, o que não é pouco. O candidato Tarcísio Motta (PSOL) que ficou em primeiro teve 86.243 votos, Carlos (Republicanos) conseguiu 71.000 votos.
A esquerda ressalta, com razão, que estará presente no 2º turno em cinco capitais (Porto Alegre, São Paulo, Vitória, Recife e Belém). Contudo, é importante salientar que o Bolsonarismo também estará presente em cinco capitais (Rio de Janeiro, Vitória, Fortaleza, São Luís e Belém).
Outro caso que merece destaque é de Duque de Caxias-RJ, cidade onde ocorreu a reeleição (sob-júdice) em 1º turno do prefeito assumidamente bolsonarista Washington Reis (MDB) com 52,55% dos votos. O segundo lugar ficou com outro candidato bolsonarista Marcelo Dino (PSL) que conquistou 17,65% do eleitorado. Para efeito de curiosidade, a gestão Washington Reis inaugurou uma escola cívico-militar nomeada de Percy Geraldo Bolsonaro (pai de Jair Bolsonaro). Provavelmente, devem ter existido casos semelhantes ao de Duque de Caxias por todo Brasil.
Alguns aspectos sobre o financiamento de campanha
Sobre os doadores de campanha, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os três maiores doadores nas eleições 2020 são bolsonaristas. O primeiro é o empresário e ex-Secretário de Desestatização do governo Bolsonaro, Salim Mattar – dono da Localiza, empresa de locação de carros. Ele destinou R$ 1.768.500,00 para 147 candidaturas de todo o Brasil. Na lista constam nomes como o do candidato a prefeito de Recife, Mendonça Filho (DEM), agraciado com R$ 200 mil; Rodrigo Marinho (Novo), que concorreu a uma vaga de vereador em Fortaleza, que recebeu R$ 50 mil e Fernando Holiday (Patriota), candidato à Câmara Municipal de São Paulo, com R$ 35 mil. O segundo maior doador é o empresário Rubens Ometto, ex-Unibanco, dono da Cosan, que atua na área de açúcar, etanol e lubrificantes e da Comgás, maior distribuidora de gás natural do país. Ometto irrigou 20 campanhas com um total de R$ 1,67 milhão. O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), que concorre à reeleição contra o Guilherme Boulos (PSOL), recebeu R$ 200 mil. O terceiro maior doador é o empresário Eugenio Mattar, irmão de Salim Mattar, seu sócio na Localiza. Mattar destinou R$ 1,2 milhão para cinco candidaturas, sendo que só o candidato a prefeito de Belo Horizonte, Rodrigo Paiva (Novo), recebeu R$ 1 milhão. Os outros R$ 200 mil foram divididos entre diversos candidatos a vereador pelo Partido Novo na capital mineira. É importante frisar que os três grandes empresários aqui citados foram apoiadores públicos da candidatura de Jair Bolsonaro a Presidência da República, mantendo-se fieis até os dias de hoje.
Breves considerações finais
É necessário informar que as conclusões expostas neste artigo dizem respeito somente às eleições municipais 2020, portanto, outras prospecções e projeções a partir do texto, ficam a cargo inteiramente do leitor.
Registramos que, não foram apreciados os aspectos de raça e gênero e os efeitos da pandemia de COVID 19 sobre as abstenções no 1º turno (45 milhões). Entendemos que reflexões considerando esses pontos merecem mais atenção por parte dos analistas políticos após o encerramento do 2º turno.
Sobre a tese de que o bolsonarismo foi derrotado, entendemos que a sua defesa é motivada por variados motivos, uns à direita e outros à esquerda.
No que se refere à direita, o objetivo é claro, pavimentar o caminho para a direita neoliberal (o “centro ampliado”), descontruindo os “extremos”, na linha teórica da ferradura formulada pela filósofa Hanna Arent. Enfim, de que os extremos se aproximam e que o melhor caminho é do “meio”.
Relativo à esquerda, a posição equivocada que evoca a derrota do bolsonarismo tem mais a ver com a valorização de algum segmento do que fruto de alguma análise mais aprofundada. Talvez, tenha como pano de fundo a estratégia de que é melhor enfrentar o bolsonarismo do que a direita neoliberal, ou seja, demostrar a fraqueza o inimigo, mas, pode ser também, apenas a vontade de expressar o desejo pela derrota do cavernícola, sem maiores implicações.
No campo das hipóteses, se considerarmos o crescimento dos partidos do bolsonarismo e do centrão como resultado das eleições de 2020, somado ao fato que são essas as mesmas forças que compõe a atual base do governo Bolsonaro, aglutinando a isso tudo, o agravamento da crise econômica, minimamente, podemos afirmar que a vida da classe trabalhadora brasileira não vai ser fácil, pelo menos, até terminar o ano de 2022.
Sem desmerecer as subjetividades pertencentes a todo processo político, buscamos nesse artigo empregar duas lições que aprendi desde cedo na minha trajetória política: a primeira, a de perseguir a máxima de Lenin (1981), que o marxismo deve se pontuar pela “análise concreta da situação concreta…”; a segunda, a que não podemos subestimar o inimigo.
Termino esse texto na luta para que a esquerda amplie suas forças no 2º turno, mas sem ilusão: o carvernícola não morreu.
(*) Marcelo Barbosa é historiador formado pela UFF, mestre em Educação pela UERJ e doutor em Política Social pela UFF. Milita no Núcleo do PT da UFF.