Por Luiz Sérgio Canário (*)
A nossa história é repleta de golpes. Foram dez, desde a independência em 1822, uma média de um a cada 20 anos.
Os golpes contabilizados pelos historiadores:
-A “Noite da Agonia”: dissolução da Assembleia Constituinte de 1823. Dado por D. Pedro I contra a primeira Constituinte brasileira, apenas um ano depois da independência;
-Golpe da Maioridade em 1840. Com 14 anos de idade D. Pedro II foi proclamado imperador, com mudança casuística na legislação, antecipando a maioridade;
-Proclamação da República em 1889. Um marechal do exército lidera um golpe militar que põe fim à monarquia;
-Golpe de 3 de novembro de 1891. Deodoro, o marechal monarquista, que derrubou a monarquia, em seu primeiro ano como presidente eleito indiretamente, dissolveu, com um decreto, o Congresso Nacional e com outro estabeleceu Estado de Sítio no Brasil;
-Primeira revolta da Armada em 1891. Vinte dias depois do golpe, Deodoro renuncia à presidência sob ameaças da Marinha. Assume seu vice, Floriano Peixoto, que se recusa a convocar eleições, como previsto na lei, assumindo o poder;
-Revolução de 1930. Golpe civil-militar, liderado por Paraíba, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, depõe o presidente eleito, o paulista Júlio Prestes, e assume o gaúcho Getúlio Vargas. Marca o fim da República Velha;
-Estado Novo em 1937. Com a justificativa de um iminente golpe dos comunistas, Getúlio fecha o Congresso, cancela as próximas eleições e assume como ditador;
-Deposição de Getúlio Vargas em 1945. Os mesmos militares que colocaram Getúlio no poder dão um golpe com a justificativa da mudança do contexto internacional com o fim da II Guerra Mundial;
-Golpe de 1964. Com a desculpa, mais uma vez, de conter o avanço do comunismo no governo de João Goulart, uma coalizão encabeçada pelos militares, mas com forte apoio em setores da sociedade cível, depõe o presidente e os militares assumem o poder até 1985;
-Golpe de 2016. Invertendo os papéis em relação a 1964, a presidenta Dilma foi deposta através de um processo de impeachment por uma coalizão jurídico-parlamentar, apoiada pelos militares;
Essa lista evidencia a instabilidade institucional de nosso país. Sempre que se vê apertada, a burguesia não hesita em usar a força, derrubando governos que não atendam mais suas necessidades. Os motivos são variados. Ora a corrupção, ora o comunismo, ou a ameaça às instituições e aos bons costumes. Muitas vezes inaugurando períodos longos de extrema violência contra o povo, particularmente à esquerda e outras forças que se opõem a seus avanços.
A participação dos militares é constante, como protagonistas ou como garantidores da ordem. A participação do governo dos EUA, através do uso de sua diplomacia, suas centrais de inteligência e segurança e seus militares, é uma constante. Os “irmãos do norte” nunca falham em apoiar os movimentos golpistas da nossa burguesia ou mesmo instigando os golpes, como em 1964 e, tudo indica, em 2016.
Para que não nos sintamos sozinhos, esse cenário se repete pelo mundo, especialmente na América Latina, no Caribe e na África, ao longo de todo o século XX. A pregação democrática do imperialismo vai até onde seus interesses, ou dos seus subordinados locais, são afetados. Democracia liberal é somente uma vitrine do centro do imperialismo para mostrar como eles são superiores. Países periféricos não vivem muito tempo ser ter um golpe de estado.
As democracias frágeis, de fachada e mesmo inexistentes, são alvos fácies para os golpes. Via de regra não são golpes que atendam a um grande clamor popular por algum tipo de mudança. Quando existe esse clamor é produzido pela propaganda golpista sobre a necessidade de se tirar o poder de mãos indevidas que irão arruinar o país. Mesmo que nos seus porões se torture e mate, há até mesmo simulacros de democracia, como em 1964, quando se manteve o Congresso aberto e o Judiciário funcionando, mesmo que sob controle severo dos golpistas.
O Golpe de 2016 não foi exatamente uma quartelada, no sentido de ter sido construído e liderado por militares em seus quartéis, no que pese o seu apoio e participação no golpe. As razões para o golpe são semelhantes a de todos os outros. O governo da vez deixa de atender aos interesses da burguesia, ou de setores expressivos dela, e precisa ser derrubado para dar início a um novo ciclo de dominação. Em 2016, após ficar evidente nas eleições de 2014 que afastar o PT do governo pelo voto seria muito difícil, o caminho do golpe é a alternativa. Se mesmo após as manifestações de 2013 e na Copa do Mundo de 2014 Dilma se reelege, a perspectiva de vitória do PT em 2018 era real. A resistência popular ao golpe é baixa e Dilma deixa a presidência em 2016 para deixar em seu lugar o vice Michel Temer.
O golpe não para por aí e a chamada operação Lava Jato processa, julga, condena e prende Lula, impedindo sua participação nas eleições de 2018. O resultado de todo esse processo é a eleição de Bolsonaro, que não estava no script, mas foi apoiado pela burguesia, pois era a alternativa ao PT. E chegamos à tragédia que nos acompanha.
Toda essa trajetória golpista nesses 200 anos de independência deixa claro que o golpe não é um raio em céu azul em nossa história. É uma ferramenta permanentemente à disposição das classes dominantes. É tão útil e comum como uma eleição. Está aí para ser usada sem pudor sempre que necessário. E, na sequência, esmagar com a violência necessária qualquer oposição. E que os golpes só chegam ao fim quando o modelo por ele implantado entra em colapso e já não atende aos interesses da burguesia. Aí muitas vezes a normalidade “democrática” é aplaudia e passa ser a melhor forma de tratar os problemas e as crises de nosso país.
Outra característica é a participação do imperialismo em quase todos esses golpes. A burguesia periférica e subordinada de nosso país está sempre a postos para defender os interesses dos EUA. É cada dia mais documentada a participação do Departamento de Justiça dos EUA – DoJ – no golpe de 2016, especialmente na construção e execução da Lava Jato. Moro frequentava os corredores do DoJ e foi treinado e instruído por eles. A Lava Jato foi a responsável por tirar Lula da disputa em 2018, de desnacionalizar a indústria do petróleo, entregar o pré-sal e de destruir as empresas de engenharia, que atuavam com sucesso em vários mercados, atendendo assim as vontades do império e as necessidades de nossa classe dominante.
Concluindo-se que estar atento e preparado para a perspectiva de haver um golpe no Brasil é sempre necessário. Nunca se sabe. Não podemos subestimar a força e capacidade dos nossos adversários. Parte importante da esquerda, especialmente o PCB, não acreditava na possibilidade do golpe em 1964. A repressão acabou por assassinar muitos de seus integrantes mais tarde. Em 2016, no mesmo caminho, muitos, especialmente no PT, não achavam possível haver um golpe. Houve. E o país sofre os efeitos disso até hoje com o país entregue a Jair Bolsonaro, seus filhos, seus amigos milicianos e ao que há de pior nas igrejas evangélicas movidas, como se sabe a gora, a barras de ouro. Ao fim e ao cabo, o ouro nem veio de Moscou e nem foi parar no cofre dos comunistas.
(*) Luiz Sérgio Canário é militante petista em São Paulo capital.
Uma resposta
É triste. É uma armadilha. É difícil desatar êsse nó. No domingo de Ramos Jesus é aclamado pela mesma massa q o põe na Cruz na 6•f. ” êles não sabem o q fazem”.