Por Egydio Schwade
Durante aquela linda campanha de 89, do “Brasil Criança”, Lula visitou o nosso município de Presidente Figueiredo/AM. O PT-estadual me indicou para seu cicerone. Me reservaram acento entre Lula e Joao Amazonas, presidente do PC do B. Ao nos aproximarmos do aeroporto, num trecho da estrada de acesso a Balbina, destacamos lá do alto, no meio do verde da floresta, o grupinho dos 56 filiados do PT: agricultores(as), peões, operários da construção de Balbina. Todos empunhando bandeirinhas vermelhas. Uma cena que emocionou Lula a ponto de ainda não tê-la esquecido. Na recente entrevista ao Mano Brown ainda a relembrou. E cada petista ali presente guardou a sua lembrança daquele momento. Lá estava minha esposa Doroti, com nossos 4 filhos (o 5º, o caçula Luiz, nasceu exatos 9 meses depois daquele dia). Havíamos sido recém-expulsos da Reserva Waimiri-Atroari pelo então presidente da FUNAI, Romero Jucá. Nenhuma autoridade, da prefeitura ou sequer dos construtores de Balbina, presente! E estávamos à beira do 2º turno das eleições. Lula era o temido “comunista barbudo”, rejeitado pela mídia nacional. Além dos petistas, estava ali, apenas um “gato”, personagem que contratava operários para a Andrade Gutierrez, construtora de Balbina, com alguns amigos.
Quando desembarcamos, Lula se dirigiu logo ao grupinho de petistas, saudando a todos com aquela sua alegria contagiante. A nota destoante, porém, veio em seguida. Lula se dirigiu ao grupinho do “gato” e não sei o que identificou nele? O fato é que sumiu com ele. Esperávamos que se exprimisse entre os petistas na Pickup Toyota, Cabine Dupla, único carro que servia então o PT local. Seguimos solitários o carro do “gato” até o canteiro de obras, onde fomos barrados. Lula se afundou nas dependências da Hidrelétrica, deixando-nos a ver navios, inclusive, o assessor ad hoc, indicado pelo PT-Estadual. Ficamos numa pracinha, fora da obra, até que o jornalista da comitiva de Lula se deu conta da nossa ausência e, constrangido, veio-nos entrevistar ali fora. Só revimos Lula na despedida, lá no embarque do aeroporto.
A visita a Balbina, uma hidrelétrica em terra indígena na Amazônia, teve dupla finalidade: ver o absurdo de uma hidrelétrica na Amazônia e o desrespeito à terra indígena. Uma terra há poucos dias, domínio de um regime socialista exemplar, uma fraternidade viva. Inspiração para a transformação da “política” capitalista. Uma terra onde estava em curso uma vivência humana que devia ser respeitada e até tomada como caminho, rumo ao socialismo que objetivamos.
Mas, apesar da beleza e do sucesso da campanha de 89, os dirigentes do PT, lá fora, decidiram enveredar por um processo de alianças com a direita capitalista, esquecendo os princípios que norteiam o PT. Lembro-me de uma discussão dura que tivemos na sede do PT em Manaus, por volta de 1991, com o José Genuíno, Genuíno, o melhor deputado da Constituinte de 88, agora emissário das determinações do Diretório Nacional, defendendo a “necessidade” de alianças com a direita para chegar ao poder! As tendências socialistas mais radicais, como a Convergência, foram expulsas. O programa básico do partido, aprovado em 1981: socialismo, reforma agrária, respeito às minorias, tudo relativizado para garantir as novas alianças e a chegada ao poder.
No poder, o PT acabou construindo as hidrelétricas de Girau, Santo Antônio e até retomou Belo Monte, velho projeto da Ditadura Militar, evitado à época, graças à luta dos movimentos sociais, nacionais e mundiais. Obras maléficas para a humanidade. 0 PT passando por cima das organizações interioranas: MAB, Sindicatos Rurais, MST, CIMI, CPT, OPAN, enfim todos os movimentos sociais do interior e ambientalista, para atender o capital. Até os assessores e conselheiros imediatos que alertavam, foram ignorados. A propósito, leia-se: O CALENDÁRIO DO PODER, de Frei Beto.
A luta do ABC, dos Sindicatos Rurais e dos seringueiros do Chico Mendes que Lula viu de perto e lhe custaram a 1ª prisão. Esquecidos! No poder, o “Lulinha paz e amor” em diálogo com os tradicionais opressores, ladrões e assassinos das comunidades rurais humildes e pobres, em especial, indígenas. Culpados os “cabelos brancos”. Nada a ver!
O PT venceu as eleições de 2002, aliado à direita simpática do Zé Alencar. E acabou sendo engolido pelo agronegócio do Rodrigues, do Maggi, da Cátia Abreu e dos banqueiros Meireles. Os vilões da humanidade, viraram “heróis da pátria”. Traidores e ladrões a exemplo do Roberto Jefferson, receberam vultosas somas de dinheiro público, em duvidosas negociatas, traindo o socialismo, vivido lá no verde da floresta. Ladrão dos índios e perseguidor de indigenistas, Romero Jucá, ficou governo, ocupando cargos do 1º. escalão. E o governo do PT, cedendo, cedendo até o derradeiro traidor: Temer.
Tudo iniciou com o desprezo à luta e à sabedoria dos menores, dos mais oprimidos, dos mais excluídos, dando força e valor aos agronegociantes, aos banqueiros, às elites do dinheiro, aos poderosos, ao poder romano. No dia em que o grupo majoritário do PT firmou aliança com o PMDB em Brasília, com o Temer de vice, uma humilde agricultora, vaticinou aqui em nossa cozinha, alto e bom som: “Este Temer vai derrubar a Dilma!”
Logo após a 1ª. eleição vitoriosa do PT, os dirigentes nacionais enviaram uma carta aos Diretórios Municipais, solicitando sugestões de nomes para os cargos federais no município. Aqui, para o INCRA, os companheiros do PT indicaram um agricultor com larga experiência no campo e pertencente ao PT que Lula conheceu quando visitou Balbina. Não foi aceito. Os oportunistas junto com a tendência majoritária trouxeram um ilustre desconhecido que conseguiu a proeza de fazer uma reforma agrária às avessas!
Aquele PT que emocionou Lula lá embaixo, na imensidão do verde da floresta, foi marginalizado durante todo o seu governo. Só reassumiu o controle do Partido, quando Lula estava preso em Curitiba. Por sinal, um membro daquele grupinho dos 56 filiados de 89 e o presidente do Sindicato dos jornalistas do Amazonas assinaram e encaminharam o 1º processo junto ao TRF-4 de Porto Alegre contra a prisão de Lula, inclusive, antes dos próprios advogados de ex-Presidente. (veja os autos no TRF-4)
Quando o político do PT no poder, se vai fartar na casa do agronegociante, e o presidente da CNBB vai sentar-se à mesa dos donos e administradores da Mineração Taboca, no Pitinga, invasora das terras dos Waimiri-Atroari, estão no caminho e lugar errado. Os agronegociantes, os donos das empresas de mineração, os banqueiros, todos os que se apossaram indevidamente dos bens da humanidade, sabem que estão errados. Não se convencerão a mudar de vida com nossas visitas amistosas.
A sede da sabedoria reside nas aldeias do povo excluído do poder capitalista.
Casa da Cultura do Urubuí, 18 de novembro de 2021,
Egydio Schwade