Por Marcel Frison (*)
O presidente Lula retornou à São Leopoldo, pela segunda vez este ano, a primeira foi para conhecer a realidade que estávamos vivenciando logo após a catástrofe e anunciar algumas das suas tantas medidas para mitigar os efeitos da tragédia que nos assolou. Desta feita, no dia 16/08, foi para inaugurar o Complexo Viário da Scharlau.
Esta obra de 80 milhões de reais tem importância estratégica para o desenvolvimento da nossa cidade, da região e do estado, com reflexos econômicos, sociais e ambientais, na medida em que racionaliza e desafoga o intenso tráfego de veículos pela BR116 e RS 240 que tem sido um transtorno significativo nas últimas décadas.
Ressaltando que quem sofre com os congestionamentos são os trabalhadores e trabalhadoras nos ônibus ou dirigindo veículos de trabalho e não aqueles que estão sentados em seus SUVs confortáveis.
Para São Leopoldo, especificamente, retira o tráfego pesado de veículos que se dirigem tanto à Novo Hamburgo como para Portão, que se deslocavam por dentro do nosso município para fugir do congestionamento, melhora o próprio fluir de deslocamento dos munícipes que tem nestas rodovias caminhos para os seus locais de moradia ou trabalho. E, principalmente, qualifica a posição geográfica estratégica de São Leopoldo como ponto de intermediário entre os grandes mercados da serra e da região metropolitana.
Em suma, como ressaltou o prefeito Vanazzi em seu discurso durante a inauguração, foi um gigantesco presente de Lula para a nossa cidade (e para os descendentes germânicos) no ano do seu bicentenário.
Este presente fica ainda maior quando nos dedicamos a relembrar a história deste projeto, e me utilizando das palavras do professor Tagliari proferidas recentemente num debate sobre patrimônio histórico, “quando estas duas irmãs: memória e história se juntam, elas se tornam uma força poderosa”.
Então vamos juntá-las, lembrando que o projeto foi produzido pelo governo Dilma (PT), esquecido pelo governo Temer (MDB) e abandonado pelo Bolsonaro (PL). Aliás, Bolsonaro não apenas abandonou a obra como negociou para entregar a sua execução (e os respectivos custos) para o governo do Estado, que surpreendentemente não só aceitou como tentou vender para o povo gaúcho como fato positivo.
Leite (PSDB) encaminhou para a Assembleia Legislativa projeto solicitando autorização para gastar 500 milhões de reais para concretizar este projeto e um conjunto de outros (também abandonados) envolvendo rodovias federais, onde foi derrotado e o “presente de grego” do Bolsonaro não se materializou.
Durante a discussão pública, enquanto a proposta de Leite tramitava na ALERGS, o Grupo Sinos promoveu um seminário para tratar do tema da mobilidade na nossa região. Neste, o governo estadual não apenas defendeu a operação como também anunciou a conclusão de um projeto executivo (contratado e pago pelo executivo) para realização da RS 010, estrada que faria a ligação entre Porto Alegre a Campo Bom pela região leste à BR116 e sul à RS 239.
O orçamento para a realização da RS 010 foi estimado em 1,7 bilhões. Esta é uma obra que se discute há muitas décadas, se não me falha a memória iniciou no governo Collares, retomada pelo Britto, com a proposta do Polão (que envolvia o pedageamento da BR116, da RS 118 e a construção da atual BR448 e da RS 010, que seriam também privatizadas), e com a vitória do Olívio (1998) e o encerramento da política de privatizações das rodovias no RS, o projeto foi abortado.
No governo Tarso, a partir da retomada da reestruturação da RS118, a questão da RS 010 foi recolocada e através da Secretaria Estadual de Transportes e o DAER foi construída uma proposta (apresentada como PMI da Odebrecht) de realização da RS 010 através do seu pedageamento com garantias de suporte financeiro por parte do Governo do Estado, caso a receita dos pedágios não garantisse o equilíbrio financeiro do projeto. Ou seja, se não desse lucro, o mesmo seria garantido pelos cofres públicos. Um bom negócio para quem fosse construir, com benefício público duvidoso.
Diante disto, o Governador Tarso (como é de seu hábito) abriu uma discussão livre no governo sobre a pertinência de dar continuidade ao projeto. Concluiu-se de que não era viável, na medida em que, sobrecarregaria em demasia as finanças estaduais.
Na época eu apresentei um projeto alternativo que, em síntese, representava abrir uma faixa mais larga de terras no processo de desapropriações ao longo do percurso do que seria a rodovia, conceder posteriormente à iniciativa privada (em grandes lotes), cuja contrapartida seria a urbanização dos respectivos trechos e construção não de uma rodovia, mas uma avenida metropolitana com várias faixas de rolamento, com limites de velocidade e fluxos de trânsito diferentes, ao centro mais rápido e nas bordas mais lento.
Na urbanização destes lotes, nas margens e ao longo do percurso desta avenida se constituíram terrenos a serem comercializados pelas empresas que os adquirissem; para instalar indústrias, atacados, hipermercados, outlets, empresas de logística, prestadores de serviços, restaurantes e condomínios residenciais verticais voltados para os mais diversos níveis de renda, dentro de um plano diretor sustentável a ser definido pela Metroplan em conjunto com os municípios. Este plano diretor deveria estar orientado pelos paradigmas atuais do urbanismo que pressupõem a conjunção harmônica de diversos usos, econômicos e sociais, a fim de otimizar equipamentos e serviços, organizar a expansão urbana, gerar e aproximar empregos dos locais de moradia. Infelizmente não tivemos tempo para maturar este projeto.
Acredito que os 500 milhões que o governador Leite queria destinar para terminar obras de responsabilidade do Governo Federal, que Lula teve a seriedade de encaminhar suas conclusões com os recursos da União, poderiam muito bem viabilizar este projeto.
Na solenidade, escutei atentamente o discurso do vice-governador Gabriel Souza (MDB), na esperança de que ele, além de reconhecer a dedicação do presidente com o Rio Grande, pudesse nos dizer onde iriam investir os 500 milhões economizados. E que, também, nos desse notícias a respeito da RS 010.
Mas tive que me contentar com uma retórica republicana que não disse nada de objetivo e tanto os recursos quanto o projeto da rodovia estadual desapareceram como fantasmas.
Esta é a diferença entre quem transforma o discurso em realidade e aqueles que produzem discursos para disfarçar a realidade.
(*) Marcel Frison é graduado em Ciências Sociais, Secretário Municipal de Cultura e Relações Internacionais de São Leopoldo e foi Secretário de Estado da Habitação e Saneamento do Governo Tarso Genro.