Por Mucio Magalhães (*)
A marca do período histórico que o Brasil atravessa é a crise, que se manifesta na economia, na política, no quadro social do país e na pandemia que já vitimou mais de quatrocentas mil vidas. Uma crise que tem no governo Bolsonaro e na aplicação do programa radicalmente neoliberal seu epicentro; e que divide opiniões e posicionamentos políticos sobre que caminho a seguir para chegar ao objetivo de derrotar Bolsonaro e ter condições objetivas de retomar o governo federal para aplicar um programa democrático e popular.
Infelizmente, a maioria do PT e da esquerda brasileira continuam a defender o caminho da luta institucional como a principal arena para esta luta; e as próximas eleições em 2022, como o momento do desfecho final. São escolhas que possuem consequências negativas, e as eleições de 2022 já ocuparem mais espaço no debate político nacional do que a luta pelo Fora Bolsonaro é um fato e um exemplo.
A recuperação dos direitos políticos do Lula o coloca no centro das discussões. Mas o viés eleitoral alimentado pela maioria do partido destaca-o como o melhor candidato a presidente e não o líder da resistência e das lutas para encerrar agora a destruição em curso.
Dentre as regiões do país, aquela onde o PT mantém maior força eleitoral é o Nordeste, onde dos nove estados que compõem a região, quatro são governados por petistas.
Diante do descalabro da situação de parte significativa da população, abandonada à própria sorte sem emprego, sem proteção social, exposta a fome, ao vírus, ao subemprego e a morte, os olhos de milhões se voltam para Lula, depositário das esperanças de que seja candidato, vença a eleição e reverta a situação para voltar aos padrões econômicos e sociais de antes do golpe de 2016.
Os governos Lula e Dilma trabalharam para reduzir o histórico desequilíbrio regional existente no Brasil, que transformou o Nordeste em uma região pobre e atrasada econômica e politicamente.
O fizeram trazendo para os Estados nordestinos significativos investimentos na infraestrutura, como bem exemplificam a transnordestina e a transposição do rio São Francisco; ou induzindo a implantação de grandes empreendimentos privados, na indústria naval, na indústria automobilística, no setor de bebidas e no setor de alimentos; ou investimentos diretos no desenvolvimento da indústria do turismo, no apoio à cultura, nas obras do PAC no saneamento, mobilidade, habitação, etc. Todos geradores de muitos empregos e renda, marcando a presença do governo federal na vida das famílias, elevando a qualidade das condições de vida e também acumulando muita força política e eleitoral.
A intervenção a partir do governo federal teve um peso fundamental no fortalecimento do PT e dos aliados nos Estados nordestinos. O partido aumentou significativamente sua presença nos legislativos estaduais, na câmara federal, e elegeu governadores.
O resultado das eleições para governador na região demonstra bem esse fato. Em 2002 o PT elegeu três governadores, no Acre, Mato Grosso do Sul e no Piauí. Um nordestino entre três. Em 2006 o PT elegeu quatro governadores, no Acre, Bahia, Piauí e Sergipe. Três nordestinos entre quatro. Em 2010 o PT elegeu cinco governadores, no Acre, Bahia, Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Sergipe, além de em Pernambuco ter ajudado a eleger Eduardo Campos. Entre os petistas, dois entre cinco. Em 2014, o PT elegeu cinco governadores, no Acre, Bahia, Ceará, Minas Gerais e no Piauí. Três nordestinos entre cinco. Em 2018 o PT elegeu quatro governadores, todos no Nordeste: no Rio Grande do Norte, Bahia, Piauí e Ceará. Dois anos após o golpe e no auge da criminalização do PT.
Não é um mero acaso que atualmente as pesquisas registrem um alto grau de rejeição de Bolsonaro no Nordeste. A força de Lula na região, a legado dos governos Lula e Dilma, somados aos acertos dos governos estaduais e a fatos positivos como a criação do Consórcio Nordeste; a diferenciação e o contraponto ao desgoverno Bolsonaro em questões como a compra de vacinas e a adoção de medidas severas no enfrentamento da pandemia, são fatores importantes para se compreender o quadro político geral no Nordeste, e dentro dele o papel do PT e de Lula.
Já se tentou creditar as vitórias eleitorais e o relativo sucesso dos governos dirigidos por petistas e também por outros partidos, como o PCdoB no Maranhão, à amplitude das alianças eleitorais, por serem governos de coalizão com elásticas composições partidárias; e pelo pragmatismo no exercício do governo. Uma versão que tenta inutilmente secundarizar o papel determinante das ações do governo federal e do reconhecimento do povo nordestino.
Este ponto de vista preside a defesa da repetição da mesma fórmula para as eleições de 2022. Um breve relato das discussões que acontecem nos Estados ilustra bem a situação.
Em Pernambuco, a maioria da direção trabalha o reatamento com o PSB, após o afastamento provocado pela campanha antipetista realizada pelo PSB no pleito de 2020 em Recife. Na Bahia, foi lançado Jaques Wagner para governador, apoiado por uma frente muito ampla. No Ceará se especulam várias possibilidades, mas o governador, ligado à família Ferreira Gomes, não anunciou o que vai fazer. No Rio Grande do Norte, a governadora Fátima vai lutar pela reeleição e sinaliza que pretende ampliar a aliança que a elegeu, buscando aliados ao centro. No Piauí o candidato deve ser um petista, possivelmente com um vice do MDB e uma aliança que vai do MDB ao PCdoB. Em Sergipe, o PT pode ter candidatura ao governo, ou abrir mão para fazer alianças demandadas por uma candidatura de Lula. Na Paraíba, a maioria patrocinou uma intervenção em 2020 para retirar a candidatura do PT e apoiar o PSB. Qual o caminho em 2022?
As movimentações das maiorias nas direções estaduais evidenciam que a tática é ampliar para o chamado campo de centro-direita como condição para vencer nos estados e contribuir com a eleição de Lula, oferecendo palanques estaduais com a amplitude que o nacional certamente terá. Uma idealização de um cenário em que tudo dará certo, ou seja, que as classes dominantes vão jogar o jogo de 2022 respeitando as regras democráticas; que os militares não vão se opor a perder a influência que tem no governo atual; que até lá Bolsonaro estará muito enfraquecido, pois o agravamento das condições de vida da maioria do povo vai necessariamente ser capitalizado pela esquerda; que a vitória de Lula é praticamente certa e que vai ser decisiva para eleger vários governadores, deputados federais, estaduais e senadores.
Como toda idealização, esta também corre o risco de não suportar o peso da realidade. Aqui cabe fazer a sábia pergunta que Garrincha fez ao técnico da seleção brasileira após o mesmo lhe comunicar o seu infalível plano para vencer a seleção adversária, a da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas: já combinaram com os russos?
(*) Mucio Magalhães é militante petista em Recife-PE.