Por Gabriela Affonso Frison (*)
Parafraseando Darcy Ribeiro, “a crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto”. Este tem seu início no golpe de 2016 e estamos vendo seu desenrolar, ainda longe de acabar. As ocupações foram a primeira reação da nossa juventude secundarista aos retrocessos que se apresentavam, contra o ilegítimo presidente Temer e o seu pacote de reformas e PEC’s. Embora não tenhamos conseguido impedir a PEC 241 do teto de gastos e a reforma do ensino médio, a organização dos estudantes se engrandeceu nessa luta. E hoje temos os secundaristas sucessores deste movimento travando novas batalhas, a ocupação mostrou nosso poder. Eu sou parte desta geração.
No ano passado o corte de verbas das federais colocou na rua o Tsunami da Educação, com grande protagonismo dos secundas do ensino técnico dos IFs de todo o Brasil. Lembro de olhar nos olhos dos meus colegas e ver o sentimento de inquietude, eles precisavam se manifestar e fazer parte daquele momento de decisão, ansiavam por isso. Portanto, com muita força, o fôlego de esperança das ocupações culminou num movimento estudantil fortalecido e organizado, que conquistou a vitória contra o corte de verbas. Em 2020 finalizamos este processo dos Tsunamis adiando o ENEM e derrubando o Ministro da Educação Weintraub, grande inimigo dos secundaristas.
O ano de 2020 trouxe um desafio inesperado para todos: a pandemia global da Covid-19. Neste cenário enfrentamos uma nova fase do desmonte da educação, fortalecida pelas circunstâncias. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Covid (PNAD COVID-19) divulgada pelo IBGE, 8,7 milhões de alunos não tiveram acesso a aulas remotas na pandemia. Estamos falando de uma realidade em que os estudantes de escolas públicas estão com um ensino fragmentado, do jardim de infância ao ensino médio. O impacto disso ainda é imensurável e irá afetar várias gerações. O projeto de trazer a modalidade EAD para o ensino médio da educação pública não foi uma política criada apenas para a pandemia, como muitos pensam, ela estava prevista no plano de governo de Bolsonaro. Ou seja, a fase do projeto da extrema direita que estamos vivendo agora inclui retornar à época, antes dos Governos Lula e Dilma, em que a maioria da juventude trabalhadora não concluía o ensino médio e a faculdade era território apenas da elite.
O Governo Bolsonaro nos diz que existe apenas duas alternativas: ter aulas online e não aprender, abrir mão da educação pública e de qualidade, aceitar que as desigualdades sociais voltem a ditar quem tem acesso a faculdade; ou voltar às aulas presenciais em nossas escolas que muitas vezes sequer tem saneamento básico, sem vacinação e sem estrutura de manter o distanciamento e proteção. Não acredito em aceitar os caminhos postos por este governo fascista e opressor, nós sabemos muito bem que o estado pode prover uma inclusão digital completa para a população. E se não teremos isto a partir do MEC, devemos construir alternativa em todos os lugares em que a esquerda ocupa espaço: cada prefeitura, governo estadual, bancada de vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores. É urgente que o PT levante a bandeira da inclusão digital e proteja a educação ao lado dos secundaristas. O grande exemplo de como é possível construir alternativas e vitórias para a educação, mesmo sob governo Bolsonaro, é a conquista do novo FUNDEB permanente. Esta também foi, e ainda é, uma das grandes lutas de 2020 da UBES e dos secundaristas de todo Brasil.
Mas além do papel institucional do nosso partido de implementar políticas públicas nos espaços de poder, devemos também assumir, enquanto organização social, a missão de trazer à sociedade o debate do acesso à educação em tempos de pandemia. Garantir o direito dos secundaristas às condições para o ensino à distância é essencial para a defesa da classe trabalhadora. A falta de acesso à internet e computador tem cor, gênero e endereço, os mais afetados são jovens negros, indígenas, da zona rural e periferia. Portanto lutar por inclusão digital é também fazer o combate ao racismo e ao machismo; quando falamos sobre a luta pela moradia precisamos pensar nos jovens de ocupações e qual acesso eles estão tendo ao estudo; quando falamos da classe trabalhadora, sobrevivendo com os R$600,00 do auxílio emergencial, estamos falando também de secundaristas que por necessidade estão trocando o estudo pelo trabalho. Ou seja, é uma bandeira de todos e todas, não apenas dos estudantes e professores. Sendo o Partido dos Trabalhadores o grande defensor do povo brasileiro, é iminente abraçar as pautas dos secundaristas aqui apresentadas, para que possamos nos tornar referência também da classe trabalhadora do futuro.
Por fim falemos sobre o que está por vir, agora que já debatemos a construção até aqui. Sabemos que não tem um caminho fácil pela frente e o ano de 2021 se iniciará com grandes ataques à educação, anunciados nas vésperas de quando escrevo este texto. Articulado pelo Paulo Guedes e o novo Ministro da Educação, Milton Ribeiro, terminamos o ano enfrentando um corte retroativo de 8,7% no investimento por aluno estipulado pelo o FUNDEB. Esta portaria já resultou em cortes de mais de 10 milhões agora em dezembro. Teremos um investimento por aluno de R$279 por mês, caso se mantenha. Não aceitamos esta tentativa de massacre da educação básica e pedimos com urgência a regulamentação do FUNDEB. Já estivemos na luta contra os cortes antes e estamos prontos para outra. E iniciaremos 2021 lutando contra a portaria 1.030/2020, do Ministério da Educação, que vem para obrigar as instituições federais a retornar às aulas presenciais.
Os secundaristas de ensino técnico estarão ao lado dos universitários pela defesa da vida e contra o retorno às aulas sem vacina. Estes são presságios de um ano tortuoso e claramente podemos esperar o pior do futuro para os secundaristas. Mas me recuso a entregar o destino às circunstâncias sem acreditar que temos muito o que trabalhar no agora e no futuro próximo para evitar a catástrofe que se anuncia. Para que esta fagulha de esperança se mantenha acesa, peço a cada um e cada uma que esteja lendo este texto: acredite nos secundaristas. Lutar por este movimento e ao lado deste movimento será decisivo para que possamos vencer o fascismo no Brasil. Se o partido compreender isso, então o futuro tenebroso que nos espera pode ter alguma luz, traremos a força e a esperança do amanhã.
(*) Gabriela Affonso Frison é militante da JPT e da JAE, diretora da UBES de assistência estudantil e presidenta do Grêmio Estudantil L.U.T.A.R do IFSul Campus Sapucaia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
8,7 MILHÕES DE ALUNOS NÃO TIVERAM ACESSO A AULAS REMOTAS NA PANDEMIA. Estadão, 21 de agosto de 2020. Disponível em: <https://exame.com/brasil/87-milhoes-de-alunos-nao-teve-acesso-a-aulas-remotas-na-pandemia/> Acesso em: 30 de novembro de 2020.
RIVEIRA, Carolina. Quanto custaria oferecer internet a todos os alunos da rede pública? Exame, 06 de setembro de 2020 Disponível em: <https://exame.com/brasil/quanta-custaria-oferecer-internet-a-todos-os-alunos-da-rede-publica/> Acesso em: 30 de novembro de 2020.
COLIGAÇÃO BRASIL ACIMA DE TUDO, DEUS ACIMA DE TODOS. O caminho da prosperidade: Proposta de Plano de Governo. Brasil, Jair Bolsonaro, 2018. 81 páginas Disponível em <https://flaviobolsonaro.com/PLANO_DE_GOVERNO_JAIR_BOLSONARO_2018.pdf> Acesso em: 30 de novembro de 2020.
TIC EDUCAÇÃO 2019. Cetic, São Paulo, 9 de junho de 2020. Disponível em:<https://cetic.br/media/analises/tic_educacao_2019_coletiva_imprensa.pdf>. Acesso em: 30 de novembro de 2020.
EDUCAÇÃO, Ministério da. Diário Oficial da União, 02 de dezembro de 2020. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1.030-de-1-de-dezembro-de-2020-291532789>. Acesso em 02 de dezembro de 2020.
NOTA: Pela urgente suspensão do corte de Bolsonaro no valor anual por aluno. UBES, Brasil, 02 de dezembro de 2020. <https://ubes.org.br/2020/nota-pela-urgente-suspensao-do-corte-de-bolsonaro-no-valor-anual-por-aluno/> Acesso em: 02 de dezembro de 2020.