Os desafios da retomada da UEE RS em tempos de guerra

Por Lucas Reinehr*

Nos dias 24 e 25 de agosto de 2019 acontecerá o Congresso de unificação de duas entidades muito importantes do movimento estudantil gaúcho: A União Estadual dos Estudantes – RS e a União Estadual dos Estudantes Livre – RS (UEE Livre). A primeira é a entidade histórica do movimento estudantil, fundada em 1939 e que por muito tempo travou importantes lutas em defesa da educação e da democracia no Rio Grande do Sul. A UEE Livre, por outro lado, é uma entidade mais jovem, fundada em 2009 e que surgiu a partir da necessidade dos estudantes de ter uma entidade sem as debilidades apresentadas pela UEE RS na época – e que servisse, principalmente, para a mobilização e luta estudantil.

Por muito tempo, a União Estadual dos Estudantes – RS esteve aparelhada por partidos de direita, que transformaram a entidade em uma organização meramente cartorial e esvaziada de democracia. Sem a realização de Congressos e sem respeitar os devidos processos democráticos, tornou-se impossível reconquistar a entidade para os propósitos fundamentais de uma organização estudantil. Assim, por anos, a UEE – RS tornou-se uma entidade inativa, servindo apenas para confeccionar carteirinhas e encher o bolso de “militantes” do PTB, que mais tarde veio a tornar-se o Movimento Estudantil Independente Organizado (MEIO).

Foi no ano de 2009, a partir da necessidade de se ter uma entidade a nível estadual que desse conta dos desafios daquele período – na época, sob o governo Yeda -, que algumas forças do movimento estudantil, em especial a Juventude do Partido dos Trabalhadores, deram os primeiros passos para a fundação de uma entidade que, mais tarde, se tornaria uma das UEEs mais ativas e democráticas do Brasil. Entre os objetivos da UEE Livre estavam a organização e mobilização estudantil e também a retomada, judicial e política, da UEE RS para o conjunto da categoria estudantil.

Foram 10 anos de luta, encontros, fóruns, discussões e presença na base estudantil dos mais diversos rincões do estado, o que garantiu para a UEE Livre legitimidade e um caráter combativo. A entidade teve um importante papel na construção da campanha pelo “Fora Yeda”, nas mobilizações pelo Passe Livre, em defesa da UERGS e também na luta por mais assistência estudantil nas universidades do Rio Grande do Sul.

Porém, passados 10 anos, a importante entidade estudantil alcançou a “linha de chegada”: sendo um dos objetivos da UEE Livre a reconquista da UEE RS, este fim foi atingido em julho de 2018, quando através de uma medida judicial, foi conquistado o acesso ao estatuto da entidade e o direito à realização de um congresso extraordinário, onde a diretoria da UEE Livre foi empossada como diretoria da UEE RS. Apesar do Congresso Extraordinário, que iniciou o processo de retomada, a entidade histórica ainda não possuía a legitimidade e formalidade necessárias para atuar enquanto principal organização estudantil do estado – sendo assim, continuou a UEE Livre existindo e atuando, até que se pudesse realizar um novo congresso e reformar a entidade.

O processo de retomada integral da UEE RS para o movimento estudantil real se materializa e se finda durante o Congresso Estadual de Estudantes Universitários (CEEU) deste fim de semana, onde a UEE Livre será dissolvida e a UEE RS elegerá uma nova diretoria – responsável por reconstruir a entidade, atuar sob um novo estatuto e garantir que ela volte a ser de luta e retome capilaridade na base estudantil.

Apesar da vitória que representa a retomada da entidade, o processo que tem ocorrido apresenta alguns ônus, que dizem respeito tanto a questões jurídicas, quanto a questões políticas.

Por ser o primeiro congresso a ser realizado depois de 10 anos, o estatuto que embasa o regimento do encontro é o defasado estatuto da UEE RS, ou seja: o que vale para o Congresso é o que valia 10 anos atrás. Apesar da reforma estatutária prevista para este congresso, o novo estatuto apenas será vigente a partir da eleição da nova diretoria, sendo o velho estatuto o que normatiza esse congresso. Isso significa que o processo conta com a eleição de delegados natos, a inscrição de chapas vinculada à inscrição de teses – que deve ser feita 3 dias antes do Congresso – e o pior: eleições majoritárias ao invés de proporcionais. Ou seja, diferente do que acontece hoje na União Nacional dos Estudantes e na maioria das uniões estaduais do movimento estudantil, a diretoria da entidade não será eleita de acordo com os votos de cada chapa. Ao invés disso, a chapa mais votada será “eleita” para estar frente à toda diretoria da UEE.

Em virtude dessa situação, a União da Juventude Socialista procurou todas as forças do movimento estudantil gaúcho – tanto as que já participavam da UEE Livre, quanto as que não construíam a entidade mas possuem inserção na UNE, nas entidades gerais e nas entidades de base – para a construção de uma chapa unitária de “consenso”, que possibilitasse a participação de todas as forças – do campo majoritário à oposição de esquerda – na retomada da UEE RS. A Articulação de Esquerda, assim como o resto da JPT, foi uma das forças fundadoras da UEE Livre que, em conjunto com as outras juventudes, lutou pela reconquista da UEE RS e pela construção de um movimento estudantil valente e combativo. Dessa forma, participar do processo de retomada dessa entidade histórica e garantir que ela mantenha todo o acúmulo político da UEE Livre é uma importante tarefa da JAE, porém, é preciso ter uma certeza: apesar das circunstâncias que exigem unidade na construção da chapa, não devemos ter ilusões com o que esse processo significa. Por mais que haja uma proximidade programática com determinadas forças, em especial a Juventude do PT, o maior “consenso” desse processo é a necessidade de retomar a construção da UEE RS de uma forma que envolva o conjunto do movimento estudantil gaúcho e que não nos faça retroceder 10 anos.

Não fosse pelas eleições majoritárias em virtude do estatuto defasado, a configuração de chapas e composição de forças seria outra – não apenas por parte da Articulação de Esquerda, mas também por outras forças que, nacionalmente, se opõem à atual estratégia política da UJS.

O processo de reunificação, numa conjuntura em que as entidades estudantis se fazem ainda mais necessárias, revela-se como um importante passo ao fortalecimento da luta estudantil. Porém, há nítidas divergências na forma como esse processo deve se dar e sobre qual UEE RS queremos construir.

Durante seus 10 anos, a UEE Livre foi pioneira na construção de outro modelo de entidade estudantil, e isso se deve ao esforço da JPT em construir uma entidade mais democrática e que se preocupasse fundamentalmente em envolver o conjunto dos estudantes às atividades. Assim, a UEE Livre possuía uma estrutura colegiada ao invés de uma estrutura presidencialista, a participação dos estudantes através de GTs que funcionavam com as diretorias e a realização periódica de conselhos que envolvessem a rede do movimento estudantil.

Infelizmente, após 10 anos de uma entidade que foi dirigida por três coordenadores/as gerais, voltaremos a ter uma entidade presidencialista em função de uma escolha política da maior força do movimento estudantil, a União da Juventude Socialista. Do nosso ponto de vista, voltar a uma estrutura presidencialista – tal qual era a UEE RS – é um retrocesso, principalmente em função do que significou a UEE Livre ao longo desses anos e o que representa o processo de reunificação. Outro ponto que diz respeito à maneira arcaica de condução do processo em função do estatuto vigente é a inscrição de teses juntamente às chapas e a forma com que se dá a reforma estatutária: pouco democrática, exigindo que as emendas sejam propostas necessariamente pela diretoria da UEE ou por 2/3 do Conselho de Entidades Gerais.

A síntese que podemos tirar disso tudo é de que, por mais que o processo de reunificação represente uma vitória para o movimento estudantil por estarmos retomando uma entidade histórica que havia sucumbido ao poder da direita, não podemos ter ilusão com o que representa essa “unidade”. Existem diferentes concepções sobre o que representa esse processo e de que forma ele deve ser conduzido. Nós, da Juventude da Articulação de Esquerda, mesmo compreendendo a excepcionalidade da situação, não nos furtaremos de expor nossas divergências, que dizem respeito não apenas à reforma estatutária, mas também ao programa apresentado tanto pelas forças do campo majoritário quanto da oposição de esquerda.

Existe hoje, em nosso país, uma ofensiva ultraneoliberal, que no governo federal é representado por Jair Bolsonaro e no Rio Grande do Sul se materializa na figura do governador Eduardo Leite. Essa conjuntura desafiadora exige do movimento estudantil uma agenda de lutas incessante contra o desmonte do Estado, contra a privatização de nossas universidades e companhias estatais e em defesa dos direitos do povo gaúcho. É papel dos estudantes gaúchos defender a educação, a previdência social e lutar incessantemente pela liberdade do companheiro Lula – responsável pela criação e ampliação de diversas universidades no Rio Grande do Sul.

É pelo legado das políticas de nossos governos, pelos filhos e filhas da classe trabalhadora que hoje acessam o ensino superior e pela necessidade da luta em defesa da assistência e permanência estudantil, da educação pública e dos direitos do povo que não nos furtaremos da luta e da construção de uma entidade que deverá ser propulsora de grandes mobilizações no próximo período.

Sigamos na luta, sem vacilações, em busca de um movimento estudantil participativo, democrático e popular, que vise não apenas reconstruir a UEE RS, mas manter todo o acúmulo político que tivemos nos 10 anos da UEE Livre.

Vida loga ao movimento estudantil! Vida longa à UEE RS! Lula Livre!

*Lucas Reinehr é militante da Juventude da Articulação de Esquerda e Diretor de Assistência Estudantil da UNE

 

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