Por Wladimir Pomar*
O título destes comentários copia o título de um livro de Ana Seghers, Os Mortos Permanecem Jovens. Nele, Ana relata as desventuras do povo e dos combatentes de esquerda alemães diante da aliança dos socialdemocratas com as falanges armadas do exército imperial, logo após a derrota germânica na Primeira Guerra Mundial. Essa aliança, que culminou com o assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebtknecht, sossobrou nos anos 1930. Foi incapaz de deter a ofensiva nazista e a guerra destruidora que a seguiu. Mas até hoje não conseguiu fazer com que seus mortos perdessem a juventude.
Foi a lembrança daquelas desventuras alemães e da teimosia dos mortos em permanecerem jovens a primeira reação que tive diante do brutal assassinato de Marielle Franco, vereadora carioca pelo PSOL, e de Anderson Gomes, que dirigia seu carro. Ao mesmo tempo, ao verificar a pronta e massiva reação popular ao atentado, verificar que além dos mortos permanecerem jovens, uma só faisca produzida por eles pode ser capaz de incendiar a pradaria.
A situação de desagregação econômica, social e política de nosso país está levando ao paroxismo a guerra civil não declarada e as inúmeras dualidades de poder existentes sobre seu território. Os traços desse quadro já estavam presentes quando as marolas da crise econômica global começaram a bater mais fortes sobre o Brasil. Mas foram agravados pelo golpe parlamentar e judicial de 2016 e, atualmente, causam não só atentados típicos de guerra real, mas também uma mortandade equivalente a guerras reais.
Talvez por isso o governo Temer creia que intervenções militares e o endurecimento da segurança pública e da repressão policial sejam capazes de resolver a situação catastrófica de milhões de deserdados brasileiros. Chegam a acreditar que laboratórios de atendimento social em algumas comunidades desses deserdados, como a Vila Kennedy, sejam capazes de solucionar um problema que tem raizes profundas e extensas na descomunal desigualdade de oportunidades de trabalho, alimentação, moradia, saneamento, educação, saúde e outros itens indispensáveis a uma vida razoavelmente digna.
Ou seja, sequer levam em conta a experiência das UPP no Rio de Janeiro, que levantaram esperanças porque teoricamente combinavam a ação policial com o atendimento das necessidades sociais das enormes comunidades sociais faveladas. Incapazes de trasnformar os “laboratórios sociais” em ações permanentes de atendimento prático das demandas sociais mínimas e de disputar com o banditismo e o tráfico a adesãs dos “sem trabalho” e “sem estudo”, só podiam fracassar e fracassaram.
A guerra contra o tráfico e o banditismo, para ter sucesso, tem que ter como estratégia principal o desenvolvimento econômico capaz de promover um desenvolvimento social (de trabalho, educação, saúde, saneamento, moradia cultura, lazer etc) que reduza substancialmente as imensas desigualdades sociais cuja maior expressão reside na apropriação da maior parte da riqueza nacional por menos de 1% da população brasileira. A segurança pública deve ser um aditivo a tal estratégia, não sua vértebra principal.
A vereadora Marielle tinha noção da necessidade do Brasil adotar uma estratégia econômica, social e de segurança desse tipo. Por isso, era contra o decreto de intervenção federal militar no Rio de Janeiro, era uma voz constante e firme contra o tipo de repressão praticado pela polícia, causador de mortes e danos constantes a moradores das comunidades faveladas e, tudo indica, incomodava setores do banditismo e da polícia. Assim, não foi a primeira e talvez não seja a última a pagar com a própria vida por sua coragem e intrepidez.
O que tais setores não previram é que a permanente juventude dos mortos muitas vezes é capaz de transformar-se numa centelha e incendiar uma pradaria, ou um cerrado, aparentemente mortos. As enormes mobilizações sociais espontâneas como reação ao atentado que causou a morte de Marielle e Anderson foram uma demonstração clara de que o povo brasileiro, aparentemente inerme diante das barbaridades de todos os tipos praticadas pelos golpistas no poder, ainda está vivo, disposto a lutar e a dizer PRESENTE!
Marielle e Anderson, Presente! Vocês continuarão jovens no coração dos brasileiros.
* Wladimir Pomar é escritor e analista político