Por Fausto Antonio (*)
Epígrafe dialógico-relacional do fragmento e da capilaridade
A fragmentação dos movimentos negros produz a pluriversalidade antirracismo e a existência no território usado, urdida e revista pelos lugares, a capilaridade socioespacializada.
Preâmbulo antirracimo e contra o golpe de 2016
O Objetivo desse texto é realizar análise dos coletivos de negros como parte dos movimentos negros e, na mesma sistematização, apresentar o papel da agenda e do programa antirracismo e contra o golpe em três pontos convergentes: a luta contra o racismo, a violência policial e a luta contra o golpe de 2016. A agenda e o programa são meios para alterar a correlação de forças nos lugares, o programa, precedido por um congresso dos movimentos negros e do antirracismo no primeiro semestre de 2022, será motor para a mobilização, para a agenda e para um conjunto de reivindicações antirracismo e contra o golpe, que não se limitam ou não se limitarão às denominadas políticas públicas e de governo.
É pertinente negritar que o programa deve trazer na sua raiz os elementos organizativos e radicais contra o racismo e contra o golpe de 2016 e, por igual pertinência, a sua execução e a sua interlocução política passam pelo chão dos lugares de atuação dos partidos de esquerda, movimentos sociais, CUT, categorias sindicais, MST, movimentos negros e coletivos de negros (as). Há dois pontos centrais na proposta. O primeiro diz respeito à mudança de correlação de forças para superar o racismo e o golpe em desenvolvimento.
Ainda na mesma intervenção, no segundo polo, o foco será a política estratégica anti-imperialismo, que sedimentará as bases e organizações convulsionadas pelas ruas para a posse e sustentação do governo Lula. Outro ponto fundamental, constituinte nuclear dessa política e programa, é a formulação e aprovação, nas plenárias populares e nos comitês, de uma política à esquerda do PT e de Lula. O programa popular, dos trabalhadores (as), antirracismo e contra o golpe, virá das ruas ou não teremos meios efetivos para eleger Lula, derrotar o golpe de 2016, o racismo, a violência policial e futuros golpes.
A análise precede a crítica e a crítica pressupõe a formulação de uma política
Os militantes antirracismo e os movimentos negros devem processar críticas à esquerda brasileira no que concerne ao tímido ou diminuto engajamento na luta contra o racismo. Entretanto, a análise e a crítica não podem, ou melhor, não devem impedir, por exemplo, a disputa por hegemonia no tocante à superação do racismo na conjuntura do processo eleitoral, no movimento Lula Já e contra os golpistas .
A rigor, afirmo que a crítica, depois da análise, precisa ser dura e até mesmo destrutiva, desde que tenha algo a propor contra o racismo, contra o capitalismo e contra o imperialismo, sem o que não contribui para o avanço da luta contra o racismo e contra o golpe de 2016, que é dele um derivado da burguesia brasileira e imperialismo brancos.
Falar sobre a incapacidade da esquerda no quesito de projeto antirracismo é muito pouco, se não buscarmos defini-lo à medida dos processos atuais do golpe e da história em movimento. Falar simplesmente da falência da esquerda e da inexistência de projeto, agenda e da ausência de organização real de trabalhadores (as) na ótica da superação do racismo, sem oferecer categorias de análise é também insuficiente. O é também insuficiente sem responsabilizar os negros (as) e os seus coletivos em partidos de esquerda, CUT e categorias de trabalhadores (as). Por isso, nos pareceu oportuno estender a crítica e igualmente a análise para o papel dos Movimentos Negros, dos grupos de negros (as) dos partidos de esquerda e dos coletivos de negros e antirracismo das diversas categorias sindicais e de movimentos sociais, o que inclui os movimentos negros.
Essa compreensão passa pelo reconhecimento da crescente imbricação entre o golpe branco de 2016 e o conteúdo e natureza racista do processo golpista, que tanto permite abordar o racismo e compreender os limites dos movimentos negros e, com a mesma base empírica, o papel acanhado da esquerda sobre a definição da política de longa duração e de envergadura para mudar a sociedade e a estrutura racista, que é central no seu ordenamento socioespacial e de poder. Tudo isso comporta diferentes visões dos movimentos sociais negros e das contradições com a esquerda de que resultam as impossibilidades de constituição de um campo político ou de um bloco contra a burguesia branca brasileira e imperialismo.
Fragmentação e capilaridade dos movimentos negros
No Brasil, não existe um movimento negro no sentido unitário e com deliberações centralizadas. Há movimentos negros. A fragmentação é, de modo apenas relativo, um problema no que toca ao centralismo democrático; mas é , por outro lado, um eficaz instrumento para a capilaridade do movimento negro brasileiro, que é, vale a ênfase, plural, complexo e contraditório .
Os movimentos negros estão assentados no território brasileiro, isto é, na totalidade do país. É um dado, a presença e atuação de grupos negros organizados em todos os rincões do Brasil, que não pode ser desprezado na formulação da política antirracismo. A questão é como os movimentos negros estão organizados e como atuam contra a violência policial e contra o golpe de 2016? O congresso dos movimentos negros e do antirracismo é a chave para a produção, a partir dos lugares e do território, da política para a conjuntura, que encruzilha ou deveria encruzilhar a luta contra o golpe de 2016 e a luta contra o racismo.
Quando nos referimos ao território brasileiro, é bom salientar, falamos do território usado pelos brasileiros e pelo conjunto negro desse contingente nacional e da diáspora negro-africana. O território, como quadro de vida, revela os espaços segregados pelo racismo. A organização da luta contra o racismo deve ser articulada a partir do território usado e/ou negritado como quadro de vida de milhões de negros e negras e do conjunto mais amplo de brasileiros (as).
A natureza dos movimentos negros : produção de entidades negras antirracismo e coletivos de negros
A constituição real dos movimentos negros diz respeito ao conjunto de entidades negras diversas, que são identificadas como explicitamente políticas, culturais, religiosas, entre muitas outras variantes. Em consonância com a capilaridade historicizada pelo território como quadro de vida e pela luta contra racismo pioneiramente e/ou quase exclusivamente pautada pelos movimentos negros brasileiros, a negrada militante organizada nas entidades antirracismo existentes no país é, de modo encruzilhado, a base numericamente mais expressiva dos coletivos de negros (as) dos partidos de esquerda, da CUT e igualmente dos coletivos antirracismo das principais categorias sindicais brasileiras.
Em outros termos, a esquerda negra e antirracismo é também parte dos movimentos negros brasileiros e, ao mesmo tempo, parte orgânica, interna, dos partidos de esquerda, da CUT e de diversas categorias sindicais.
A fragmentação dos movimentos negros é, a serviço do desmanche da opressão racista, da violência e do universal branco, a intervenção contra o racismo nos lugares; o que possibilita a constituição do lugar como espaço para o pacto antirracismo. O embate e a organização nacional e internacional contra o racismo virão das redes políticas entrelaçadas pelos lugares, que são contrários ao universal nacional branco e ao universal/universalizante racista, que se materializa política e ideologicamente na classe sem cor, sem raça.
É por tal razão que os militantes negros organizados na CUT, nos partidos de esquerda e categorias sindicais criaram os coletivos de negros (os) e antirracismo, que são lugares para o pacto contra a opressão racializada pelos privilégios para brancos (as). Avulta, na senda dos privilégios, o marxismo como dogma. Sendo assim concebido e não como método ou teoria, mas como algo imutável, a cor da classe é desconsiderada e, sobretudo, não são fertilizadas as compreensões, de acordo com a realidade concreta do capitalismo à brasileira, da inseparabilidade de raça e classe.
Na contramão dessa necessidade de explicitar a cor da classe, temos ainda hoje, 2022, setores de esquerda que trabalham arduamente e de modo esquizofrênico para a invisibilidade das categorias raça, racismo e dos sujeitos (as) da negrura.
Por que os coletivos de negros dos partidos de esquerda, CUT e categorias sindicais não funcionam como um dos motores da luta contra o racismo?
Aqui é fundamental a análise e não apenas a crítica. Vamos à análise, a rigor um esboço compreensivo a partir; primeiro, dos coletivos de negros (as) do PT.
Os coletivos existentes no Partido dos Trabalhadores têm um problema de fácil identificação e de difícil solução. Vamos ao ponto. Antes, quero dizer que são problemas; o plural é o correto para a análise dos coletivos negros do PT. Os coletivos do PT são formados por militantes atuantes ou com passagens por diversas organizações negras e, ao mesmo tempo e com raras exceções, são quadros de correntes ou grupos organizados do PT. Há uma insuficiência política ou um déficit oriundo das organizações negras e, na mesma chave de atuação e insuficiência, existe a ausência de uma política antirracismo na orientação das correntes a que estão vinculados os negros (as), que atuam no PT.
Um retrato dessa realidade são as mobilizações reduzidas tão-somente aos processos eleitorais internos do PT e, por igual significado no tocante ao papel de negros (as) reduzidos a apêndice, a participação nos processos eleitorais externos e nos limites das vereanças, das prefeituras e do congresso nacional. Não postulam intervenção para o comando do PT e priorizando a luta contra o racismo e, o que é pior, não formulam políticas para o conjunto da população negra e classe trabalhadora brasileira fora dos marcos das disputas internas e eleitorais. A atuação dos coletivos de negros (as) e do antirracismo na CUT e nas categorias sindicais é portadora dos mesmos limites impostos pelas forças políticas e derivadas de disputas eleitorais internas. Como fruto dessa realidade, não existem notícias de uma política para mudar a correlação de forças e articular o acúmulo do PT, CUT e categorias sindicais com os acúmulos dispersos e capilarizados, a despeito das contradições, pelos movimentos negros.
Coletivos de negros na esquerda em geral
Os coletivos de negros dos paridos de esquerda em geral atuam no meio ou esfera dos movimentos negros para ampliar as políticas dos respectivos partidos. Eles não priorizam a luta contra o racismo e não mobilizam pautas e programas articulados previamente com o conjunto mais amplo dos movimentos negros. Os coletivos não apresentam leituras da conjuntura, por exemplo, reveladoras do conteúdo e estrutura do golpe branco de 2016, análise que é um meio para assegurar a centralidade da luta contra o racismo na conjuntura atual e, por força da natureza e estrutura racista do golpe de 2016, assegura a organização contra o racismo e o golpe simultaneamente . A política assim delineada é instrumento para propor agenda e programa de luta radicalmente orientados pelo antirracismo e contra o golpe branco em curso no país.
A não caracterização do golpe a partir da sua estrutura racista é e foi uma insuficiência política dos coletivos de negros de todos os partidos de esquerda e do conjunto dos movimentos negros.
Há coletivos de negros que são caixa de ressonância política de visão e posicionamento anti-Lula e PT; posição que é assimilada e/ou comungada, equivocadamente, por certos setores dos movimentos negros e é impeditiva de mobilizar o campo antirracismo relevando a luta contra o racismo , o golpe de 2016 e os seus desdobramentos.
Na conjuntura atual e na luta política de longa duração, não há possibilidade de intervenção sem as bandeiras contra o racismo, a violência policial e igualmente contra o golpe branco desencadeado pela burguesia racista e imperialismo em 2016.
O golpe atualiza a luta contra o racismo na realidade concreta, entre outras, do sistema financeiro, parlamentar, comunicacional e da opressão policial. No entanto, o trabalho político de luta , que não deve ou não poderia abstrair a natureza e estrutura racista do golpe de 2016, depende da intervenção e das deliberações dos movimentos negros, que correspondem ou se historicizam também nos coletivos de negros dos partidos, da CUT e categorias sindicais. Desse modo, coletivos de negros que se orientam pelo antipetismo não terão condição de promover a articulação fundamental para a agenda e programa indispensáveis para o momento histórico, ou seja, contra o racismo, a violência policial e contra o golpe de 2016. A organização de negros (as) e da luta antirracismo, a exemplo do processo eleitoral de 2022, deve priorizar agenda, programa e processo de luta contra o golpe. A conjuntura golpista empiriciza a estrutura racista da sociedade brasileira. Sendo assim, é uma exigência história a articulação dos movimentos negros e do antirracismo, no mesmo campo, da luta e do projeto convulsionado pelas ruas e lugares para derrotar o golpe de Estado em marcha.
Outro problema, de fácil identificação e difícil solução , diz respeito aos coletivos de negros, que são um instrumento para intervenção dos respectivos partidos no meio negro ou dos movimentos negros. Coletivos assim concebidos falam ou usam a tarja contra o racismo; no entanto, não consideram a opressão racial como central e/ou a necessidade de entendimento da cor da classe. Sendo assim, não operam com os conceitos de raça e racismo e menos ainda levam em conta a natureza e estrutura racista da sociedade brasileira. No conjunto, não relevam a natureza racista do golpe de 2016, a cor ou raça da burguesia brasileira e os privilégios para brancos (as) no Brasil. Postulam a organização de negros (as) para a luta contra a opressão de classe, sem relevar , no capitalismo à brasileira , a inseparabilide de raça e classe.
(*) Fausto Antonio é escritor, poeta, dramaturgo , professor da Unilab – Bahia e autor do poema “O fruto proibido” https://youtu.be/3YGEf7WM6Fw