Por Valter Pomar*
Em 2013, quando comemoramos 10 anos de chegada à presidência da República, o tom predominante em nosso Partido era de extremo otimismo.
Um exemplo deste otimismo é o livro Um salto para o futuro, escrito por Luiz Dulci e lançado em março daquele ano. Sua leitura deixa claro como era difícil, naquela época, apontar e muito mais difícil debater a sério os problemas, as deficiências, as dificuldades, as ameaças que pairavam sobre nós e que desabaram sobre nossas cabeças pouco tempo depois.
Desde então, cinco anos passaram por debaixo da ponte. Mas parece que foi muito mais tempo. Tanto é assim que agora, quando o PT está comemorando seus 38 anos de fundação, o clima é totalmente diferente daquele otimismo. Predominam os debates acerca da possível prisão de Lula, da cassação de sua candidatura e da própria legenda do PT, assim como a respeito da perseguição contra inúmeras lideranças petistas, tudo isto no contexto das contrarreformas.
A discussão não é mais sobre o “salto para o futuro”, mas sim sobre o regresso ao passado, através da “ponte” construída pelos golpistas. Predomina não o otimismo de 2013, mas o pessimismo, mesmo quando disfarçado de realismo.
O curioso é que, tanto hoje quanto naquela época, segue igualmente difícil travar o debate sobre nossos problemas e como superá-los. Num e noutro caso, um dos maiores obstáculos para o debate é o senso comum do curto prazo.
Por senso comum de curto prazo, nos referimos, por exemplo, às palavras de um candidato à presidente nacional do PT no PED de 2013: primeiro eleger a Dilma, depois discutir a alteração de rumos.
A recusa em debater, já em 2013, a necessária mudança de rumos contribuiu para que nosso terceiro mandato ziguezagueasse entre três posições: a)repetir a dose do que fora feito no segundo mandato de Lula, b) tentar enfrentar os inimigos sem plano nem organização e c) fazer um choque ortodoxo.
Mas o desastre não bastou para curar: hoje o senso comum de curto prazo continua aí, fazendo com que grande parte do PT não pense noutra coisa senão as eleições de 2018. E, muitas vezes, precisamente numa determinada campanha, transformando nosso partido numa somatória de micropartidos, cada qual envolvido com sua campanha.
Antes que alguém diga, vale esclarecer: o PT deve e precisa ter fortes candidaturas a governador, a senador, a deputado federal e estadual nas eleições de 2018.
O problema não reside nisto, mas no seguinte: mesmo supondo que o PT tenha um ótimo resultado nas eleições de 2018, inclusive elegendo Lula presidente da República, isso não teria as mesmas implicações que teve em 2002, 2006 e 2010. Desta vez, se ganharmos, o lado de lá agirá como em 2014 e continuará operando na frequência golpe; e fará de tudo para impedir nossa posse e para sabotar de maneira violenta nosso governo.
Contra isso, não basta ter uma política eleitoral exitosa. É preciso ter outra linha política, acompanhada de níveis de organização e mobilização totalmente diferentes dos que tivemos até hoje.
O mesmo raciocínio vale para o caso de uma derrota total ou parcial nas eleições de 2018: o que virá depois disso não serão menos, e sim mais ataques violentos. Contra os quais adiantarão muito pouco as posições institucionais que tivermos conquistado em 2018, especialmente se estas posições tiverem sido conquistadas numa linha de “respeito à ordem” e “conciliação de classe”.
Basta ver, para comprovar isto, o reduzido papel que nossos governos de estado jogaram e seguem jogando na luta contra o golpe. Aliás, vale lembrar que entre 1990 e 2002, nossos governos estaduais foram mais úteis na luta contra o neoliberalismo exatamente ali onde predominava uma concepção mais radical de enfrentamento político.
Portanto, não se está dizendo que ter posições institucionais seja inútil. O que se está dizendo é que a “utilidade” estratégica dos nossos mandatos aumenta ou diminui muito, a depender da linha política e do nível de organização extrainstitucional do partido e do conjunto da classe.
Não há quem fale contra a necessidade de outra linha política. Nem quem discorde da necessidade de mudar profundamente os métodos de funcionamento do conjunto da esquerda. Aliás, “retomar o trabalho de base” está virando um chavão.
Mas há uma distância enorme e evidente entre o discurso e a prática. Em parte isto ocorre por inércia, noutros casos por falta de imaginação e/ou de experiência, mas principalmente porque um pedaço importante do nosso partido simplesmente não tirou todas as consequências do que ocorreu em 2016 e segue acreditando na possibilidade de mudar o país sem impor uma derrota profunda à classe dos grandes capitalistas brasileiros.
O que há de fundamental para ser dito a respeito, no que diz respeito a nossa atitude frente ao grande capital, está no seguinte texto: https://pagina13.org.br/sobre-a-condenacao-de-lula/
A dificuldade de compreender o papel da classe dos grandes capitalistas não é um problema cognitivo. Não é que as pessoas “não entendam”. O problema é de outra natureza: existe um setor do Partido, assim como existe um setor na classe trabalhadora, que não considera necessário impor uma derrota profunda à classe dos grandes capitalistas. Pelo contrário, acham que o caminho de “derrotar profundamente” nossos inimigos de classe é, além de inviável, prejudicial aos nossos objetivos de curto e médio prazo: seria como o ótimo utópico virando inimigo do bom possível.
Daí provém, igualmente, a indiferença ou até repulsa destes setores a qualquer referência ao socialismo – e sua predileção por palavras de ordem tipo “nação”, “soberania”, “Estado” e “desenvolvimento”.
Em última análise, é aquela postura que está por detrás das políticas de aliança com forças de direita e centro-direita, por detrás das ilusões republicanas nas instituições do “Estado democrático de direito”, por detrás das atitudes que não tomamos contra o oligopólio da mídia. No fundo, no fundo, tudo remete a um problema de classe, mais exatamente de como tratar a classe dominante.
No passado recente, a hegemonia do pensamento conciliador não colocou em risco nossa sobrevivência no curto prazo. Pelo contrário, no curto prazo aquela atitude pragmática pode até ter contribuído, em alguns casos, para nosso crescimento institucional. Entretanto, no médio prazo, sabemos quais foram suas consequências.
Na atual conjuntura e no futuro visível, entretanto, a hegemonia do pensamento conciliador pode levar a desdobramentos catastróficos para o PT, não apenas no médio, mas também no curto prazo. Não apenas devido a decisões políticas no sentido estrito, mas também porque sua influência contribui para que não adotemos mudanças urgentes em nossas políticas de organização e mobilização de massa.
Quando falamos de medidas urgentes, estamos nos referindo a ações práticas que busquem dar conta do que é comentado a seguir.
Em primeiro lugar, como resultado do veloz desmonte daquilo que de positivo foi feito entre 2003 e 2016, estamos vendo aparecer uma nova configuração social da luta de classes, diferente daquelas em que atuamos na maior parte dos últimos trinta anos. Como lidar com esta “nova” situação, em particular com a “nova” classe trabalhadora?
Em segundo lugar, em parte como desdobramento da ofensiva do capital contra nós, em parte resultado dos métodos utilizados para derrotar o PT, estamos vendo aparecer uma “nova normalidade” institucionalidade, diferente daquela a que nos acostumamos desde 1988. Como atuar nesta “nova” institucionalidade?
Em terceiro lugar, as operações da direita para destruir o PT, assim como as tentativas que várias esquerdas fazem de “superar” o PT, estão atingindo seu clímax e sua combinação pode levar a uma situação que não vimos em nenhuma das eleições presidenciais, desde 1989 até 2014. Que linha adotar frente a isto?
Em quarto lugar, as transformações acima relacionadas estão tornando cada vez mais difícil a vida interna do Partido, seja por dificuldades materiais, seja por perda de capacidade de mobilizar parcela de nossa base social (que, entretanto, pode seguir votando em nós), seja por esgarçamento das relações entre os diferentes setores do Partido, seja por insuficiência dos nossos instrumentos. Neste último caso, assistimos à crescente terceirização, para movimentos e também para outras organizações políticas, de ações que deveriam ser feitas pelo nosso partido. Que medidas organizativas adotar frente a tudo isto?
Parte do que deveria ser feito, em nossa opinião, está aqui descrito: https://pagina13.org.br/para-enfrentar-a-ofensiva-golpista-radicalizar-a-luta-popular/
Nem tudo que precisa ser feito, poderá ser feito. E pouco do que poderá ser feito, trará consequências imediatas. Mas começar imediatamente terá, por si mesmo, efeitos positivos tanto na nossa capacidade de atacar o golpismo, quanto em nossa capacidade de nos defendermos dos ataques dos golpistas.
Começar imediatamente contribuirá, também, para impor certos limites à capacidade de atração de nossos amigos e adversários de outros setores da esquerda, alguns dos quais estão agindo publicamente como aqueles herdeiros que esperam a morte do parente para ficar com um pedaço do espólio.
(Um comentário lateral, válido para alguns, não para todos: quanto mais tentam disputar o espólio, mais ficam parecidos com aquilo que criticam e mais se condenam a repetir de forma piorada e acelerada os erros que cometemos e que hoje estamos chamados a corrigir.)
Já foi dito que tudo o que é vivo um dia morre; e todos os vivos morrem um pouco a cada dia, sem nunca ter certeza de quanto resta pela frente. Feita esta ressalva, não há nenhuma razão para que o PT não sobreviva por muito tempo ainda.
Vejam o caso do Partido Comunista e também o caso do Partido Trabalhista. Um fundado em 1922, outro em 1945. Ambos seguem por aí.
A questão relevante, claro, não é saber se o PT sobreviverá, mas como ele sobreviverá, com qual influência social e com que linha política.
Nenhuma destas questões está dada de antemão. Variáveis internacionais e nacionais vão incidir nisto, a começar pelos desdobramentos da luta atualmente em curso entre o grande capital e a classe trabalhadora.
Mas uma coisa é certa: o que quer que ocorra nos próximos anos, incluindo aí as modificações na própria classe trabalhadora, esta continuará necessitando de um partido de classe, de massas, socialista e revolucionário.
Se nós que somos militantes do PT não formos capazes de solucionar e superar as dificuldades atuais, será muito mais difícil para as futuras gerações.
Se, pelo contrário, formos capazes de alterar nossa linha política, nossa política de organização e mobilização da classe trabalhadora, nosso legado às futuras gerações não será um problema, mas uma solução: o Partido dos Trabalhadores.
Seremos capazes? Parte importante da resposta saberemos nos próximos dias, semanas e meses. A nossa reação frente a uma possível ordem de prisão contra Lula, assim como nossa postura frente às eleições de 2018 terão, para o futuro do PT, um significado similar ao que tiveram a nossa postura frente ao Colégio Eleitoral e frente à Constituição de 1988.
Portanto, mesmo sabendo que até isso pode ser desrespeitado pelo golpismo, aproveitemos bem os próximos dias de Carnaval, sabendo que depois (ver ressalva em negrito acima) viveremos, nós e nosso aniversariante de 38 anos, momentos inesquecíveis.
Sobre momentos passados
A fundação do Partido dos Trabalhadores ocorreu no dia 10 de fevereiro de 1980.
Mais detalhes sobre o ocorrido naquela data estão disponíveis no seguinte endereço: http://csbh.fpabramo.org.br/blog/1980-nasce-o-pt-voce-sabe-quem-estava-no-colegio-sion
Desde 1980, a trajetória do PT mereceu todo tipo de análise, vinda de amigos e inimigos.
Parte desta análise está em obras citadas aqui: https://fpabramo.org.br/2014/02/03/fpa-lanca-bibliografia-do-pt-para-download-gratuito/
Meu ponto de vista a respeito está no livro A metamorfose: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/37001/19157
A história do PT pode ser dividida em quatro grandes momentos:
-de 1980 a 1989, quando predominou a luta contra a ditadura e contra a transição conservadora;
-de 1990 até 2002, marcado pela luta contra o neoliberalismo;
-de 2003 até 2016, tendo como variável principal a presidência da República;
-desde 12 de maio de 2016, quando fomos empurrados para a oposição.
Em cada um destes períodos, o PT adotou diferentes programas, estratégias, táticas, modelos de organização interna e métodos de relação com a classe trabalhadora e o conjunto da população.
A transição entre um momento e outro sempre foi acompanhada de uma crise interna.
Por exemplo: a disputa sobre a própria afirmação do PT, entre 1980 e 1983; a disputa de rumos entre “moderados” e “radicais”, ocorrida entre 1990 e 1995; a a disputa de rumos ocorrida entre 2002 e 2005; e a disputa atualmente em curso, sobre qual deve ser a linha política do PT frente ao golpe.
Uma análise da luta interna entre 1990 e 1995, bem como entre 2002 e 2005, pode ser lida aqui: https://issuu.com/pagina13/docs/resolucoes_ii_congresso_da_ae__1_