Por Reginete Bispo (*)
Texto publicado na última edição do jornal Página 13
Aprovada ontem no Plenário da Câmara dos Deputados, a PEC 9/2023, que, apesar de ter avançado em alguns pontos, está longe de atender ao interesse da população negra do nosso país. E por que votei contra a proposta apresentada e discutida há dias no Congresso? Como muitos sabem, meu compromisso com a equidade racial e a justiça social me impediram de apoiar um texto que, em sua essência, representa um retrocesso.
Desde seu início, a PEC 9/2023 foi objeto de intenso debate público, especialmente entre entidades de defesa das mulheres e do movimento negro. A proposta visava reforçar a autonomia constitucional das agremiações partidárias, permitindo-lhes maior liberdade na gestão de seus recursos financeiros. Contudo, algumas disposições permaneceram problemáticas e insuficientemente alteradas.
O substitutivo mais recente da PEC incluiu avanços, como a exclusão da anistia pelo descumprimento das cotas de gênero, mantendo-a apenas para candidaturas negras, e o aumento de 20% para 30% dos recursos destinados a candidaturas de pessoas pretas e pardas. No entanto, este avanço se mostrou superficial, pois a proposta permite que os 30% se tornem um teto, ao invés de um piso, não garantindo a proporcionalidade ao número total de candidaturas.
Os artigos 2º e 4º da PEC são particularmente prejudiciais às candidaturas negras. O Art. 2º estabelece que os partidos podem escolher as localidades onde distribuirão os recursos, o que pode resultar em uma distribuição desigual e injusta. Além disso, a determinação de vigência para as eleições de 2024 desrespeita o princípio da anualidade das regras eleitorais.
Já o Art. 4º impõe prazos para a distribuição dos recursos destinados às candidaturas negras, o que, à primeira vista, parece positivo. No entanto, ao condicionar a destinação mínima de recursos à aprovação de lei pelo Congresso Nacional, o texto invalida as determinações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pode transformar os 30% em um teto, ao invés de um piso garantido.
Outro ponto crítico foi a manutenção da anistia para os recursos não distribuídos proporcionalmente às candidaturas negras nas eleições de 2020 e 2022. Além disso, a PEC reforça a imunidade tributária dos partidos políticos, dispensando débitos dos últimos cinco anos e criando um programa de recuperação fiscal (REFIS) extremamente generoso para os partidos. Essas medidas podem resultar em uma oneração significativa do estado e retrocessos na transparência e responsabilidade fiscal.
Meu voto contra a PEC 9/2023 não foi apenas um ato político, mas um grito de indignação e resistência. Em um país onde a população negra ainda luta diariamente contra as estruturas racistas e excludentes, é inadmissível que uma emenda constitucional retroceda em conquistas que ainda são conquistadas a duras penas.
A aprovação desta PEC, com artigos que prejudicam as candidaturas negras, é um sinal alarmante de que ainda temos um longo caminho a percorrer na luta por igualdade e justiça. Não posso compactuar com um sistema que perpetua desigualdades e marginaliza aqueles que já são historicamente desfavorecidos.
Minha luta é pela construção de um Brasil onde cada voz, cada história, cada vida importa. Um Brasil que reconheça e valorize sua diversidade, onde o poder político reflete verdadeiramente a face de seu povo. E, enquanto houver um único artigo que prejudique essa visão, estarei na linha de frente, combatendo com todas as minhas forças.
Continuarei lutando por um sistema eleitoral mais justo e inclusivo, que represente a verdadeira diversidade do nosso país. Essa é uma batalha perdida, mas a guerra pela justiça social e pela equidade racial está longe de terminar. Juntos, continuaremos a resistir e a construir um futuro melhor para todos os brasileiros.
(*) Reginete Bispo é deputada federal (PT-RS).