Perguntas sobre a posição de Celso Amorim acerca da Venezuela

Por Valter Pomar (*)

No dia 21 de outubro, teve início na Universidade Federal do ABC a IX Semana de Relações Internacionais.

Numa das atividades, houve um debate sobre a conjuntura internacional.

Neste debate, uma aluna perguntou sobre a entrada da Venezuela nos BRICS.

Antes e depois do debate, outras pessoas têm perguntado o mesmo, mais especificamente sobre qual seria a posição do Brasil.

Uma resposta apareceu em uma entrevista de Celso Amorim ao jornal O Globo (ver ao final o endereço e a íntegra do que foi disponibilizado).

Segundo o que foi publicado, Amorim teria dito que “talvez ainda não seja possível chegar a uma conclusão. Não estou preocupado com a entrada ou não da Venezuela, não estamos fazendo julgamento moral e nem político sobre o país em si. O BRICS tem países que praticam certos tipos de regime, e outros tipos de regime, a questão é saber se eles têm capacidade pelo seu peso político e pela capacidade de relacionamento, de contribuírem para um mundo mais pacífico”.

Amorim também teria afirmado que “o Brasil quer fortalecer os BRICS, tivemos um aumento recente, estamos nos adaptando a esse aumento. A própria Arábia Saudita, disse que ia entrar, foi em algumas reuniões, não foi a outras. Queremos que haja BRICS fortalecido, países que possam realmente contribuir para paz pelo equilíbrio”.

Finalmente, Amorim teria explicado que “não acho que deve ser restritivo, mas tem países que pela sua capacidade de relacionamento, compensam tamanho pequeno e a partir dessa ideia podem ter um peso nas relações internacionais, influenciar na paz mundial, no desenvolvimento e na mudança da governança global”.

Pouco depois da divulgação da entrevista ao Globo, a CNN divulgou que Celso Amorim teria dito que “eu não defendo a entrada da Venezuela. Acho que tem que ir devagar. Não adianta encher [o BRICS] de países, senão daqui a pouco cria-se um novo G77”.

Sempre pode ter havido má interpretação ou má edição do que foi dito. Assim, por enquanto me limito a três comentários e algumas perguntas.

Primeiro.

Em 24 de agosto de 2023, foi anunciado que seis novos países ingressariam no BRICS. Aqui a lista dos seis: Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Irã. Naquela ocasião, o presidente Lula saudou a entrada dos seis. Ao que consta, o Brasil se empenhou pela entrada da Argentina. Posteriormente, já no governo Milei, a Argentina desistiu de participar. Entendo que Celso Amorim diga que não está fazendo juízo sobre nenhum país, mas sim sobre os critérios. Mas, olhando quem já teve o ingresso aprovado, qual seria o critério para não aceitar o ingresso da Venezuela?

Segundo

Consta que dezenas de países teriam pedido ingresso no BRICS. Caso nenhum ingresso seja aprovado em Kazan, não haverá discriminação. Mas caso se aprove o ingresso de alguns e o de outros não, qual seria o critério para o Brasil se opor, especificamente, ao ingresso da Venezuela?

Terceiro

Olhando a composição atual do BRICS, é mais do que razoável ampliar a presença latinoamericana e caribenha no grupo. Consta que alguns países da nossa região pediram ingresso. Caso ninguém da região seja admitido, qual seria o motivo? Caso algum país da região seja admitido e a Venezuela não, qual seria o motivo?

Quarto

Se chegarmos a uma situação limite, do Brasil ser o único a se opor a entrada da Venezuela, estaremos na prática fazendo um “julgamento” sobre o país “em si”. Neste contexto, o Brasil irá assumir o ônus de, na prática, vetar o ingresso da Venezuela? E, caso cheguemos a este ponto, como lidar com as repercussões disso no processo de integração regional?

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT


Segue o endereço do texto comentado

https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2024/10/22/discussao-sobre-entrada-de-venezuela-nos-brics-nao-e-julgamento-moral-e-nem-politico-diz-celso-amorim.ghtml

Segue o texto comentado

Discussão sobre entrada de Venezuela nos Brics não é ‘julgamento moral e nem político’, diz Celso Amorim

Assessor defende que a cúpula esteja aberta a países que tenham capacidade de relacionamento

A discussão sobre o Brasil se posicionar contrário a entrada da Venezuela nos Brics (grupo que originalmente reunia Brasil, Rússia, Índia e China) não se trata de “julgamento moral e nem político”, afirmou Celso Amorim, principal conselheiro para assuntos internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O assessor esteve com Lula nesta segunda-feira no Palácio da Alvorada, enquanto o presidente se recupera de um acidente doméstico no sábado, e disse que é possível que “não se chegue a uma conclusão” sobre a posição do Brasil neste momento.

— Talvez ainda não seja possível chegar a uma conclusão. Não estou preocupado com a entrada ou não da Venezuela, não estamos fazendo julgamento moral e nem político sobre o país em si. O Brics tem países que praticam certos tipos de regime, e outros tipos de regime, a questão é saber se eles têm capacidade pelo seu peso político e pela capacidade de relacionamento, de contribuírem para um mundo mais pacífico — disse Amorim ao GLOBO.

A Venezuela se candidatou para ingressar no colegiado e a primeira cúpula do colegiado ampliado deverá debater a entrada do país comandado por Nicolás Maduro. O encontro ocorre em Kazan, na Rússia, de 22 a 24 de outubro. O grupo reúne, além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e desde o ano passado, Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Etiópia.

— O Brasil quer fortalecer os Brics, tivemos um aumento recente, estamos nos adaptando a esse aumento. A própria Arábia Saudita, disse que ia entrar, foi em algumas reuniões, não foi a outras. Queremos que haja Brics fortalecido, países que possam realmente contribuir para paz pelo equilíbrio — argumenta o assessor.

Amorim defende que não haja uma regra rígida, mas que a cúpula esteja aberta a países que tenham clara capacidade de relacionamento, o que compensaria nações de menor tamanho. O assessor cita o exemplo da Turquia, que não integra o grupo e faz contribuições efetivas.

— Não acho que deve ser restritivo, mas tem países que pela sua capacidade de relacionamento, compensam tamanho pequeno e a partir dessa ideia podem ter um peso nas relações internacionais, influenciar na paz mundial, no desenvolvimento e na mudança da governança global.

Devido ao acidente doméstico do último sábado, Lula cancelou a ida à Rússia e enviou o chanceler Mauro Vieira como chefe da delegação brasileira. O ministro representará Lula em todos os encontros da cúpula.

Ao falar em nome do presidente, o chanceler deverá fazer a defesa de dois pontos considerados prioritários na política externa de Lula. São eles a reforma da governança global, com destaque para o Conselho de Segurança da ONU, e a busca de formas de os países do bloco dependerem menos do dólar nas transações comerciais e de organismos multilaterais de crédito, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

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