Por Fausto Antonio (*)
Epigrafia da origem do fascismo à brasileira
A violência contra negros (as) e o racismo estão na raiz do fascismo existente no Brasil. O fascismo atua principalmente na manutenção do racismo, que foi reatualizado no golpe branco de 2016 , na eleição de Bolsonaro e na ascensão do bolsonarismo; fascismo explícito, que, a rigor e no Brasil, é , na sua gênese, profundamente racializado e/ou hegemonizado pela branquitude totalitária.
Classe como conjunto indissociável e contraditório de classe, raça, gênero e território
O foco central da reflexão enunciativa, negritado aqui, é discutir o processo eleitoral orientado pela noção de classe como conjunto indissociável e contraditório de classe, raça, gênero e território. Numa síntese, o marxismo, que não é um dogma imutável, mas sim um método que, a exemplo de quaisquer métodos e disciplinas históricas, deve ser renovado a partir da sociedade. Sendo assim, a noção de classe, no Brasil, só tem validade, como categoria de análise social, quando considera a unicidade de classe, raça, gênero e território .
Voto negro, correlação de força e mudança estrutural
Exposto o método, quero enfatizar que Bolsonaro, governo medíocre no transcurso dos últimos anos, tem feito política emergencial para crescer no contexto das pesquisas eleitorais e da eleição. O movimento passa pela PEC relativa ao estado de emergência. Avultam, na contramão dos preços em alta dos alimentos, os efeitos, nas pesquisas, do auxílio Brasil, gás, caminhoneiro, taxista e a redução do preço da gasolina. Nas pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais, a diferença entre Lula e Bolsonaro caiu , segundo o Instituto Data Folha, de modo leve de 18% para 15 %, e conta, de um lado, com o impulso da compra de voto e, de outro, com a intervenção orgânica da base bolsonarista atuante e via fake news e, notadamente, persiste o apoio derivado da imprensa burguesa e branca brasileira ao governo Bolsonaro. No geral, há ainda o apoio do congresso atual e da grade de instituições burguesas. Merece destaque o fato de o governo Bolsonaro ser mais bem avaliado do que Bolsonaro isoladamente. O fenômeno é o mesmo existente no apoio recebido pelo governo Bolsonaro da imprensa capitalista , das instituições oficiais e financeiras. A política eleitoral é parte do entendimento da estrutura social da sociedade brasileira, que se dá a partir de privilégios para brancos (as) e/ou de privilégios de classe, raça, gênero e território. Desse modo, o voto declarado por negros e negras, presente nas pesquisas, precisa ganhar corpo político e não apenas eleitoral.
A análise das pesquisas, fora das bases materiais, da luta de classes e da base estrutural da sociedade, conjunto indissociável e contraditório de classe, raça, gênero e território, induz ou conduz ao erro de posicionamento político. O eleitoral é apenas um movimento tático e as pesquisas são úteis para a disputa dentro desses limites do voto e das instituições existentes. O voto pesquisado não é por si, relevando as metodologias empregadas e a dinâmica social, um dado seguro ou indicativo de imobilidade. Assim, a pesquisa não é o voto realizado, isto é, tornado posição política. A pesquisa é uma promessa de voto apenas. O voto em 2022, delimitado pela classe, raça, idade. Sexo, gênero , religião, região e lugares, em conformidade com categorias mobilizadas pelas pesquisas, ganha espaço na análise; mas só terá eficácia, na dinâmica política, caso opere mudança; primeiro, na correlação de forças; segundo, na estrutura e poder. Pesquisas são, desse modo, como uma foto; paisagem paralisada, uma tendência imóvel do momento político. O movimento político será amealhado pelo voto e historicizado pela mudança na correlação de forças.
Na chave interpretativa, as pesquisas revelam que Bolsonaro e o governo Bolsonaro merecem tratamento duro, implacável, no entanto, distinto. A política não pode ficar reduzida ao Bolsonaro; o governo tem apoio maior do que o seu representante oficial. A burguesia brasileira ,no seu conjunto e representações, está com o governo Bolsonaro de modo direto ou ancorada na baliza dita de terceira via. A burguesia é responsável pelo advento, pela eleição e manutenção do governo Bolsonaro. O governo é páreo difícil pela base que tem e pelo agregado oriundo da burguesia branca no seu conjunto e imperialismo. Compreender o papel central das instituições burguesas é, ao mesmo tempo, entender como se estabelece ou ocorre o indiscutível apoio da burguesia e do imperialismo ao governo Bolsonaro é ponto central. Aliás, como parelha, a burguesia branca brasileira e o imperialismo produziram o golpe de 2016, a eleição de Bolsonaro em 2018 e a prisão de Lula. O mesmo apoio a Bolsonaro virá dessa parelha para a disputa de 2022.
Numa retomada, a Rede Globo é bem ilustrativa dessa opção pelo governo, conforme apoio explícito ao projeto econômico do governo Bolsonaro e na arquitetada invisibilidade, no período, imposta a Lula e ao PT . Bolsonaro não será a base, de acordo com os interesses da burguesia branca brasileira, mas sim o seu governo, que é estruturado pelos privilégios de classe, raça, gênero e território. No que concerne ao quarteto inseparável de classe, raça, gênero e território, emerge a politica do governo bolsonarista orientada para os evangélicos. O alvo não é apenas a fé; mas o voto negro, feminino e territorializado sem, de modo branco e racista, qualquer referência e politica antirracismo dirigida ao contingente negro e à sociedade brasileira. No caso vertente, os territórios usados pelos evangélicos são segregados e igualmente usados pelo conjunto mais amplo de negros (as) e pobres. No ponto em questão, é preciso dar visibilidade ao projeto antirracismo e, com ele e agregado ao projeto de longa duração, ao voto conjuntural voltado para o governo negro-popular e dos trabalhadores (as). Dentro desses limites, é fundamental salientar a centralidade do racismo para naturalizar (ou desnaturalizar) o voto evangélico reduzido à fé controlada por instituições religiosas brancas e, numa chave interpretativa de classe, raça, gênero e território, teremos o método para reverter a cooptação, o controle e a redução de negros (as) invisibilizados pelo universal (ou universalizante) sintetizado pela tarja evangélicos, que são, assim, destituídos da totalidade humana existente no quarteto indissociável e contraditório dado pela classe, raça, gênero e território isado.
(*) Fausto Antonio – Escritor, poeta, dramaturgo, professor da Unilab – Bahia e autor do livro-exposição Ideopatuagramas, editora Galileu, 2022.