Por Marcos Jakoby (*)
Como relatamos na primeira parte deste texto (leia aqui ), no dia 01 de março, um conjunto de companheiros e companheiros estiveram reunidos com Fernando Haddad para uma conversa sobre a situação nacional e os desafios do PT.
Se na primeira parte nos dedicamos a apresentar questões e análises dos demais presentes, nesta segunda parte nos debruçaremos sobre algumas das respostas e ideias expostas por Haddad.
Escrevo este texto na condição de quem teve a oportunidade de participar da conversa, mas assumindo a inteira responsabilidade pela compreensão e interpretação do que foi dito, bem como pela forma do relato.
“Bloco na rua”
Haddad acha que a expressão sintetiza muitos movimentos articulados, com efeito “guarda-chuva”. Acredita que a iniciativa recolocou o PT no debate público e nos grandes meios de comunicação. Cita que ele mesmo tem sido convidado constantemente a dar entrevistas e a participar de programas na mídia, coisa que, segundo ele, não acontecia nos últimos dois anos.
Trata-se em sua visão de uma oportunidade de expor e defender o que é o Programa Nacional de Reconstrução e Transformação do Brasil, da luta pela restituição dos direitos políticos do presidente Lula, do que o PT pretende, das principais urgência para 2021. Para Haddad, o “bloco na rua” tirou o PT de uma situação complicada em relação aos meios de comunicação, de isolamento, e repôs o nosso protagonismo nesses meios. Salienta também que esse movimento reposiciona o PT para dialogar com outras forças de esquerda, demonstrando que o PT “está no jogo”. Mas que não foi um lançamento de candidatura.
Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil
A partir dele o PT quer debater projeto com a sociedade, não nomes, e fazer pontes. O Plano, segundo Haddad, é para já, 2021, e não para 2022 ou para além. Aqui abro um parêntese, para um risco ou uma armadilha que Haddad não se dá conta, ou conscientemente opta assumir, pois discutir somente as medidas do aqui e agora, possíveis de serem aplicadas nos próximos meses, restringe-nos a discutir somente as medidas de caráter imediatista do Plano, abrindo mão de defender medidas estruturais, de médio e longo prazo. O Plano possui muitas lacunas, mas, como diz o próprio nome, não se limita a ser um plano emergencial.
Respondendo a uma questão sobre necessidade de reformas estruturais no país e não realizadas, Haddad diz que nossos governos fizeram mudanças que podem ser consideradas estruturais. Cita a mudança no orçamento público, “onde o povo conseguia se enxergar”. Defende que as reformas prioritárias são as dos meios de comunicação e das finanças, uma vez que por meio dessas “artérias” a classe dominante consolida sua hegemonia. Diz que se voltarmos ao governo, teremos que fazer mais, e o que já fizemos é inaceitável pela elite do país, para conseguirmos promover o desenvolvimento econômico e social do país.
Economia
Na opinião de Haddad, teremos um trimestre recessivo no início de 2021, e lembrou que vivemos uma recessão e/ou estagnação desde 2015, gerando um “passivo” de regressão econômica muito grande. Pode haver uma melhora pontual e circunstancial, mas que o quadro geral não aponta para uma saída da crise. E a perspectiva para o trabalhador continua sendo muito ruim.
Esquerda, alianças e eleições
Haddad diz que 2016 afirmava o risco de a esquerda não estar no segundo turno das eleições presidenciais de 2018. De que a tendência no mundo era a direita e a extrema-direita disputarem o poder, por causa do colapso do neoliberalismo que abriu espaço para ascensão da extrema-direita a partir de 2012.
E que no caso do Brasil ainda iriam prender Lula, como de fato ocorreu. Mas ficou surpreso que, preso, Lula tenha aumentada a sua intenção de votos e ali, a seu ver, foi-se delineando que o candidato “do Lula” iria para o segundo turno. Haddad comentou acerca das dificuldades das alianças já em 2018, que faltando poucas horas para o registro da candidatura ninguém queria apoiar a candidatura do PT.
Foi na última hora, literalmente, que o PCdoB decidiu, por uma margem interna muito estreita, fechar aliança. Com isso, Haddad quis demonstrar que as dificuldades para eventuais alianças já fazem parte da paisagem há mais tempo, que não é algo somente posto para as próximas eleições. Lembra também da cláusula de barreira que cria dificuldades para alguns partidos de esquerda, o que remete para um cenário em que, realizarmos alianças em um primeiro turno, será muito difícil.
Partido dos Trabalhadores
É o partido capaz de “incomodar” as elites do país, porque possui uma base social suficiente para ameaçar os seus interesses. É o partido com condição de reconectar a esquerda com amplos setores da classe trabalhadora e da sociedade brasileira. E se o PT não sobreviver, o país volta à velha república, com dois “partidos” da classe dominante se revezando no governo.
Haddad avalia que se não sairmos às ruas para defender o PT e seu projeto, chegaremos fracos em 2022, e isso poderá resultar em tudo, inclusive em grande fragmentação da esquerda e o campo popular não terá saída.
Ele menciona que o PT é forte em vários estados. Cita Pernambuco, onde podemos “sentar para conversar” com o PCdoB e PSB do estado, pois temos muita força. Haddad foi lembrado que em Pernambuco está um dos setores mais complicados do PSB, responsável por conduzir uma agressiva campanha antipetista e anticomunista, violenta e de baixo nível, contra Marília Arraes e o PT nas eleições municipais de 2020.
Haddad reitera que se não estivemos fortes em 2022, não teremos “nada”. Não teremos capacidade de defender um programa de mudanças, de construir alianças e de polarizar com a direita. Por isso precisamos construir uma “musculatura” este ano. E que ninguém “vai dar moleza” ao PT, contudo, em relação a isso, considera um grande equívoco uma disputa na esquerda que vise derrotar o PT e crescer buscando um “espólio” petista, seria uma assinatura de fracasso do conjunto da esquerda. Em outras palavras suas, lamenta que no último período tenhamos assistido o nascimento de uma esquerda antipetista.
Aqui abro novamente um parêntese para um comentário. Haddad parece sempre falar de 2022 como que se necessariamente as eleições fossem acontecer naquele ano e em condições de normalidade. Parece não acreditar ser possível que possamos derrubar o governo Bolsonaro antes disso, ou seja, de antemão parece estar abrindo mão dessa luta e concentrando os esforços na disputa eleitoral em 2022. Por outro lado, nada garante que as eleições de 2022 ocorram em condições de “normalidade”. Estamos presenciando uma escalada nos últimos dias de ataques às liberdades democráticas e a crise social, econômica, sanitária e política se agudizando, o que pode tornar a situação ainda mais instável.
Sobre a vida interna do PT, Haddad lembra que nunca foi dirigente do PT. Constata a falta de capacidade de formulação no Partido, da dificuldade de produção existente nas instâncias, de um método que não funciona e que precisa ser repensado, mas que também “chamar toda hora” congresso “é difícil”. Menciona que não consegue enxergar como viabilizar essa capacidade de formulação, bem como o de viabilizar um “extrato” do Partido que seja capaz de, além de formular, fazer com que essa formulação chegue ao conjunto da militância.
Haddad cita que quando foi para a Fundação Perseu Abramo pensou que esta pudesse suprir essa carência, recuperando núcleos que fizessem a mediação interna ao PT, com qualidade de formulação e de intervenção, preparando o PT.
Ele foi lembrado por um companheiro que existiam reuniões das instâncias com pauta pré-definida, preparadas, convocadas com antecedência e com projetos de resolução, mas que hoje essa dinâmica está comprometida por opção do grupo que tem a maioria na direção nacional do PT. Aliás, aqui poderíamos lembrar das intervenções realizadas no período eleitoral pelo PT nacional eleitoral em algumas cidades no ano passado, forçando abrirmos mão de candidatura própria, por meio de uma consulta rápida em um aplicativo de conversas, sem nenhum debate e diálogo apropriados. Ou de alianças esdrúxulas que também foram aprovadas pela mesma dinâmica, embora sob protestos de muitos. Portanto, reiterando o que foi dito pelo referido companheiro, trata-se de uma opção política do grupo que hoje é majoritário no Diretório Nacional.
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Encerramos aqui, concluindo que há muitos debates e decisões a serem tomadas pelo PT. Não há, por exemplo, uma clareza e um consenso do que seja efetivamente colocar o “bloco na rua” e de que forma devemos fazer isso. De qual o papel que a luta pelo Fora Bolsonaro ocupa na nossa orientação e de qual o nosso centro tático.
Precisamos definir qual será a linha política e o sentido programático que apontaremos para a classe trabalhadora e para a sociedade brasileira para sairmos da crise. Também é urgente alteramos o método e o tipo de funcionamento do Partido. Parte destas preocupações foram destacadas pelo próprio Haddad e são suas também.
Mas ainda há setores no Partido que não se deram conta da urgência e da gravidade da situação, ou que acham que fazendo o que sempre fizemos será o suficiente. Não será. Por isso, precisamos urgentemente construir outra linha política hegemônica no Partido, capaz tirar a classe trabalhadora e os setores populares da defensiva e abrir um novo período.
(*) Marcos Jakoby é professor e militante do PT