Por Adriano Bueno (*)
Há alguns anos estamos denunciando o caráter nazista dos discursos do Bolsonaro. Apoiado em atos por neonazistas, recebendo declarações de apoio da Ku Klux Klan e proferindo discursos de ódio contra índios, quilombolas, LGBTs e mulheres, Bolsonaro elegeu-se presidente.
A maioria dos ingredientes do nazismo estavam na campanha e ainda estão ali no governo: perseguição às minorias e aos adversários políticos de esquerda; ufanismo pseudo nacionalista; o ódio como fator de mobilização popular e coesão social; soluções simplórias e propaganda mentirosa de massas. Elementos do nazismo alemão em sua versão brasileira.
Nenhuma denúncia surtiu o efeito desejado. Em discurso de ódio no Clube Hebraica, Bolsonaro foi aplaudido. O judeu Luciano Huck contemporizou, dizendo que Bolsonaro precisava apenas “amadurecer”.
Em nenhum momento Bolsonaro demonstrou preocupação ou constrangimento ao ser comparado com Adolf Hitler: ao contrário, chegou a elogiá-lo em entrevistas, relativizando o lugar do nazismo na História. Sendo assim, nos pareceu estranho que alguém que cultua e celebra o torturador Brilhante Ustra tenha se incomodado com o pronunciamento de inspiração nazista do Secretário de Cultura Roberto Alvim, a ponto de demiti-lo. Antes mesmo da demissão, nos pareceu estranho também que Olavo de Carvalho tenha afirmado que Alvim não estava “batendo bem da cabeça”. Esse estranhamento não deveria existir.
O debate sobre se o nazismo é de esquerda ou de direita é um debate estratégico. O que está em jogo neste debate é algo muito maior do que apenas empurrar na conta dos adversários a responsabilidade sobre os horrores cometidos nos campos de concentração: é preciso demonstrar a quem esses horrores interessava e quem se beneficiou deles. O nazismo, assim como o fascismo, precisam ser enquadrados como fenômenos da luta de classes.
Tanto o nazismo quanto o fascismo são fenômenos decorrentes de crises econômicas. São respostas produzidas por uma burguesia (alemã, italiana ou brasileira) ameaçada em seus interesses pela esquerda (na Alemanha e na Itália, os comunistas; no Brasil, o petismo) e incapaz de viabilizar estes mesmos interesses via seus representantes mais tradicionais (no caso brasileiro, o PSDB).
Diante deste dilema, a saída foi forjar um “salvador da pátria” de “fora do sistema” utilizando uma mistura química que envolveu a combinação entre um falso nacionalismo exacerbado e a perseguição às minorias e aos adversários políticos. Legitimar sobre a ignorância e o preconceito um conjunto de medidas econômicas impopulares que não sobreviveriam a um debate franco e intelectualmente honesto feito num ambiente de normalidade democrática.
Conceitualmente, o nazismo é a eliminação (simbólica e física) do outro, tratando-o como inimigo interno a ser eliminado fisicamente e não mais como adversário a ser politicamente derrotado. Que esse “outro” tenha sido principalmente o judeu na Alemanha (entre tantos “outros”) foi uma circunstância histórica que precisa ser compreendida sob o prisma da luta de classes. Assim, entenderemos também porque este “outro”, no Brasil de hoje, possa ser também e em especial o negro ou o índio, inclusive sob os aplausos dos judeus do Clube Hebraica e com a contemporização do judeu Luciano Huck.
O que parte significativa da esquerda (e o Alvim) não compreendeu foi que somos um país que lamenta pelos 6 milhões de judeus assassinados por Adolf Hitler, mas não toma conhecimento dos 10 milhões de africanos congoleses assassinados pelo Rei Leopoldo II da Bélgica, mesmo a África estando simbólica, geográfica e materialmente muito mais próxima de nós e de nossa formação cultural, compondo decisivamente nosso processo civilizatório como povo brasileiro. Isto tem tudo a ver com o modo (escravocrata) como nossa burguesia se formou e pelo caráter (racista) como ela se perpetua no Brasil pós-abolição.
É por tudo isso que, sob a perspectiva do playboy judeu, é inaceitável parodiar o Ministro da Propaganda nazista Goebbels, mas atacar índios e quilombolas mereça ser relativizado. Cai o secretário, fica sua obra, porque o problema de fato foi melindrar aliados sionistas.
Alvim não caiu por ter feito um vídeo de inspiração nazista. Ele caiu por não ter compreendido bem o conceito e sua aplicação prática no estágio atual da luta de classes no Brasil.
(*) Adriano Bueno é militante do movimento negro e do PT Campinas