Projeto de resolução ao X Congresso Nacional da AE

I. Apresentação

O X Congresso Nacional da tendência petista Articulação de Esquerda vai ser realizado presencialmente nos dias 28, 29 e 30 de novembro de 2025, em São Paulo capital.

A pauta do X Congresso será a seguinte: i/situação política e tarefas; ii/balanço do PED e desafios do PT depois do PED; iii/plano de trabalho e eleição da nova direção nacional e comissão de ética nacional da AE.

Este projeto de resolução ao X Congresso deve ser amplamente divulgado e servirá para orientar o debate nos congressos de base e no congresso nacional.

O anteprojeto será periodicamente atualizado pela Direção Nacional da AE, incorporando não apenas fatos novos derivados da conjuntura e do debate travado no PT nacional, mas também as emendas apresentadas nos congressos de base.

Estão desde já convidados a assistir aos congressos de base e ao congresso nacional os militantes petistas que são amigos e simpatizantes da AE. Aqueles que desejam participar com direito a voz e voto devem se filiar na tendência, nos prazos estipulados pelo regulamento do X Congresso, disponível aqui: Orientação Militante N°473 (22 de julho de 2025)

II. Situação e tarefas

1. A presente versão deste anteprojeto foi elaborada de 31 de julho a 4 de agosto de 2025. Nos dias 1º a 3 de agosto, aconteceu, em Brasília (DF), o 17º Encontro Nacional do PT, reunindo os 1 mil delegados e delegadas eleitos no PED. No dia 4 de agosto, foi decretada a prisão domiciliar do cavernícola. Um balanço completo do encontro do PT só será possível depois que forem divulgadas as resoluções, o que está previsto para ocorrer até meados de agosto. Desde já, contudo, é possível antecipar algumas opiniões, entre as quais a de que a situação política está evoluindo com rapidez e exigindo respostas diferentes das propostas originalmente pelos que venceram o PED.

2. O encontro nacional do PT ocorreu sob o impacto da reação do governo Lula contra as decisões pró-ricos do Congresso nacional e, principalmente, ocorreu sob o impacto da reação do governo Lula ao trumpaço. Importantes dirigentes da chapa que venceu o PED afirmaram publicamente, durante o encontro do PT, que o ataque dos EUA “não estava previsto” e que enfrentar este ataque exige “mudanças” na linha do Partido. Evidentemente, o correto seria dizer que o ataque dos EUA e a necessidade de mudança na linha não fora previsto pela cúpula da tendência Construindo um Novo Brasil; afinal, outros setores do PT e da esquerda brasileira defendem há tempos uma mudança na linha, além de incluírem o imperialismo na equação política (basta lembrar, a esse respeito, do golpe de 1964 e do golpe de 2016). Evidentemente, antes tarde do que nunca: é positivo que a cúpula da CNB perceba a necessidade de mudanças na linha do Partido, frente ao ataque dos EUA. Infelizmente, embora a temperatura de alguns discursos tenha subido um ou dois graus, estamos muito longe da necessária mudança na linha. Apesar de muitas falas terem destacado, corretamente, a necessidade de cobrar impostos dos ricos e de garantir a nossa soberania, as medidas práticas indispensáveis a isto não foram aprovadas pelo encontro do PT. Pelo contrário, o encontro rejeitou – por ampla maioria – as propostas de mudança, especialmente na política econômica. Sem estas mudanças, se reduz muito a possibilidade de superarmos o modelo primário-exportador e especulativo que caracteriza a economia brasileira. E sem superar este modelo, será muito reduzida nossa chance de derrotar, no plano material, da economia, a ofensiva do imperialismo. Apesar disso, o sentimento geral no encontro do PT é que aumentaram muito as nossas chances de vencer as eleições presidenciais de 2026. Pois, como disse o presidente Lula em seu discurso, é a política que decide. E a opção por polarizar com os ricos e com o imperialismo criou melhores condições políticas para o PT e para a candidatura Lula 2026.

3. Em 2023 e 2024, as pesquisas indicavam que as simpatias populares acerca do governo e do presidente Lula permaneciam mais ou menos como estavam na eleição de 2022. Mas a partir da eleição municipal de 2024 começou um declínio. Este declínio só estancou quando o governo e o PT reagiram ao ataque feito pelo Congresso contra as prerrogativas do governo federal. Nossa reação – baseada na polarização entre ricos e pobres, entre “nós e eles” – começou a tirar o governo das cordas. Foi nesse contexto que o presidente dos Estados Unidos mandou uma “carta” defendendo o cavernícola e ameaçando aumentar as tarifas. A reação do governo e do PT – em parte baseada na polarização entre defensores da soberania e traidores da pátria – mais uma vez permitiu ao governo melhorar seu desempenho nas pesquisas. A batalha segue em curso e envolve duas dimensões diferentes, mas evidentemente entrelaçadas: i/a primeira delas é econômica; ii/a segunda delas é política. No plano econômico, o governo Trump está seguindo o mesmo roteiro que seguiu com outros países: um ataque geral intimidatório, depois negociações que melhoram as condições dos EUA. No final do mês de julho, por exemplo, o governo Trump recuou da tarifa de 50% para vários produtos, mas manteve a pressão noutros casos. No terreno da economia, o Brasil não tem (neste momento) a musculatura necessária para impor uma derrota geral aos EUA. Portanto, é inevitável que soframos impactos negativos. Mais um motivo pelo qual é indispensável, entre outras coisas, mudar a taxa de juros, as metas de inflação e déficit zero, tal como está na emenda que propusemos (sem êxito) ao 17º Encontro Nacional do PT. Já no plano político, o governo Trump está adotando aqui uma política similar a que implementa contra a Venezuela: ingerência explícita e direta para conseguir uma mudança de governo. Nesse terreno, o Brasil tem musculatura para impor uma derrota geral aos EUA, reelegendo Lula e mantendo uma política externa de participação nos BRICS, prioridade para o Sul Global e integração da América Latina e Caribe. Mas não se deve subestimar a extrema-direita cavernícola, nem se deve subestimar a vocação capitulacionista da direita tradicional. Vale lembrar que uma parte da extrema-direita, toda a direita tradicional e o grande empresariado passaram a dizer que a elevação das tarifas seria uma reação de Trump à presença do Brasil nos BRICS. Esta narrativa tem como objetivo fortalecer uma candidatura de “terceira via” nas eleições de 2026. Portanto, no plano político, a batalha segue e vai se aprofundar, mas nossas possibilidades de reeleger Lula cresceram muito.

4. Seja como for, dois fatos devem ser destacados: a eleição de 2026 já começou e o governo Trump vai participar do processo. Por isso, hoje mais do que nunca, é necessário iniciar a análise da situação política a partir dos conflitos mundiais, cujo epicentro está no movimento que os Estados Unidos fazem com o objetivo de ser “grande novamente”. Existem divergências táticas e estratégicas, na classe dominante dos EUA, acerca de como executar este movimento. Por este motivo, mas também porque Trump é caricato, há quem subestime suas ações ou as trate como manifestações idiossincráticas. Trabalhamos com outra premissa, a saber: em momentos de crise profunda do capitalismo, é previsível que uma parte da classe dominante apele para o populismo de extrema-direita. O ataque aos trabalhadores migrantes, que muitos apontam ser um contrassenso do ponto de vista econômico, só ganha sentido quando observado a partir desta chave política. Mas o aspecto essencial da política de Trump é que ele parte de uma constatação realista: dentro do jogo criado pelos EUA, a China está vencendo, logo é preciso rasgar todas as regras e virar todas as mesas. Portanto, há método na aparente loucura do governo gringo. Vale lembrar, ademais, que os objetivos gerais do governo Trump não diferem dos objetivos defendidos pelos presidentes eleitos pelo Partido Democrata, a saber: derrotar a China, requintalizar a América Latina, recuperar liderança industrial e tecnológica, chantagear militarmente o mundo. E, seja como for, pouco importa se o governo está com republicanos ou democratas, não se deve nunca subestimar nem tampouco ter ilusões com o inimigo. Vale lembrar o que dizia o velho Mao: do ponto de vista tático, o imperialismo não é um tigre de papel.

5. Uma prova disso é que a maioria dos países vem cedendo às pressões de Trump. É o caso, por exemplo, da maior parte da União Europeia, que nasceu, cresceu e envelhece sob domínio dos EUA e do neoliberalismo. As diferentes famílias da esquerda europeia não conseguiram até agora oferecer uma alternativa a essa dupla vassalagem. Um dos motivos disso é que parte importante da esquerda europeia aderiu ao neoliberalismo, contribuindo para que parte da classe trabalhadora aderisse à extrema-direita. O “progressismo neoliberal” é incapaz de barrar o avanço do fascismo. Outro dos motivos é que parte também importante da esquerda europeia aderiu ao “atlantismo”, ou seja, a concepção de que a Europa é aliada estratégica dos EUA, mudando apenas o inimigo da vez: antes a União Soviética, agora a ameaça chinesa, os países totalitários, o integrismo islâmico etc. Por isso, a esquerda europeia também enfrenta enormes dificuldades na hora de se opor ao keynesianismo militar defendido por amplos setores das classes dominantes europeias, que pretendem recuperar o protagonismo industrial europeu produzindo armamentos ou comprando dos EUA. Se depender deles, tudo aponta para um futuro de mais e mais guerras. Aliás, a cúpula europeia fala abertamente de uma guerra geral da OTAN contra a Rússia. De forma diferente, mas no mesmo sentido, marcha o Japão, em acelerado processo de rearmamento, tendo como alvo a China. Nesse contexto, China e a Rússia são contrapontos objetivos ao imperialismo estadunidense. No caso da China, mais que um contraponto, um ponto de apoio para a construção de uma alternativa sistêmica. Mas é preciso reafirmar que o nosso objetivo não deve ser o de substituir a hegemonia gringa por uma hegemonia chinesa. Nossa linha consiste em construir, na África e na América Latina, polos alternativos de poder. E é preciso insistir na necessidade de construir uma ordem socialista mundial, sem o quê as forças produtivas desenvolvidas pela humanidade vão continuar se transformando em forças destrutivas, como a catástrofe climática deixa evidente.

6. Devido ao que foi dito anteriormente, impedir a guerra, deter o fascismo, derrotar o neoliberalismo são tarefas inseparáveis do enfrentamento ao imperialismo e ao capitalismo. Por isso, as movimentações autointituladas “progressistas” e/ou “democratas” podem ser importantes, mas são totalmente insuficientes e muitas vezes carregadas de contradições insanáveis. O futuro imediato e de médio prazo da humanidade depende de derrotar as elites mundiais, depende das batalhas que estão sendo travadas pelas classes trabalhadoras e pelos povos, dentro dos países capitalistas centrais e nos diferentes países da Ásia, África e América Latina. Pensando em termos geopolíticos, a tarefa central da classe trabalhadora brasileira é a integração latino-americana e caribenha. Nosso principal obstáculo está na aliança entre as classes dominantes locais e o imperialismo, especialmente o dos Estados Unidos. Dito de outra forma: não haverá integração regional sob hegemonia dos capitalistas e de seus representantes políticos.

7.A integração regional latino-americana e caribenha já passou por diversos momentos. Neste ano de 2025, enfrentamos inúmeras dificuldades: redução da integração comercial entre os países da região; ampliação da integração comercial com países de outras regiões; diversos países sob governo de extrema-direita e neoliberais; disputas internas duríssimas dentro da esquerda, como na Bolívia; disputas entre governos do nosso campo, como a existente entre Venezuela e Brasil; Cuba numa situação mais difícil do que em todos os momentos desde 1959; os governos de México e Colômbia enfrentando os limites derivados de uma história de submissão estrutural aos EUA. Nesse contexto, é principalmente do Brasil que pode vir o impulso necessário para a retomada da integração como projeto estratégico. Mas a política para a América Latina e Caribe do terceiro mandato de Lula tem falhas estruturais. A primeira delas foi a aposta de que seria possível uma relação diferenciada com a União Europeia; em nome dessa aposta, se deu “cavalo de pau” na postura que tínhamos frente ao tratado comercial entre Mercosul e UE, antes denominado de “neocolonial”. Mas a aposta na UE deu errado. A guerra Rússia-Ucrânia, a cumplicidade europeia no genocídio praticado por Israel contra o povo palestino e a submissão da UE ao governo Trump mostraram que a aposta numa relação diferenciada com a União Europeia não tem futuro, ao menos para a esquerda. O segundo terreno em que a política para a América Latina e Caribe do terceiro governo Lula se demonstrou incorreta foi a postura frente a diversos conflitos regionais, com destaque para as eleições venezuelanas e para a participação da Venezuela nos BRICS. De maneira geral, nossa política externa para a região não tem a atenção, o cuidado e a proatividade que se verificou entre 2003 e 2010. Cuba, por exemplo, merece muito mais solidariedade.
8. As falhas estruturais de nossa atual política de integração, entretanto, não alteram – do ponto de vista dos EUA – o fundamental: o governo Lula mantém uma relação diferenciada com o Sul Global, a América Latina, os BRICS, a Rússia e a China. Isto, por si só, é inaceitável do ponto de vista dos Estados Unidos, o que explica o ataque do governo Trump, que não esconde seu objetivo: impor ao Brasil um governo submisso, que rompa com os BRICS e converta nosso país em quintal dos EUA. O ataque de Trump (assim como os altos juros de Galípolo e os ataques do Congresso liderado por Hugo Motta) pegou muita gente no governo de surpresa, entre outros motivos revelando o simplismo dos que acham que estamos diante de um conflito entre “fascismo e democracia”. O ataque dos EUA e, imediatamente antes, o ataque de Motta demonstram que o conflito em curso no Brasil vai muito além da “questão democrática”; há também uma “questão social” e uma “questão nacional”. Visto de conjunto, o que está acontecendo é parte de uma guerra que vai decidir o lugar do nosso país no mundo e o destino da nossa sociedade pelas próximas décadas. Compreender o que está em jogo nesta guerra é essencial para a definição de nossa estratégia, de nossas táticas e do modus operandi organizativo.

9. No mundo inteiro, estamos em meio a uma crise sistêmica, um ambiente marcado por catástrofe climática, pandemias, ultraliberalismo, neocolonialismo, imperialismo, guerras e genocídio, ameaças nucleares, neofascismo, fundamentalismos, racismo, machismo, lgbtfobia, preconceitos e violências de todo tipo e sabor, sem falar da ameaça existencial que a inteligência artificial e a robotização lançam sobre toda a classe trabalhadora. A direita e a extrema-direita reagem e, ao mesmo tempo, aprofundam esta crise à medida que ampliam a destruição do meio ambiente, a dominação dos povos e a exploração das classes trabalhadoras.

10. No Brasil, isso é o que vem ocorrendo desde o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016, seguido da condenação, prisão e interdição eleitoral contra o presidente Lula, da eleição do cavernícola e do golpe continuado promovido pela ditadura do capital financeiro e do agronegócio contra a nação brasileira. O crime inicial foi articulado principalmente pelo MDB e pelo PSDB, com o apoio do STF, do oligopólio da mídia, do grande capital, da cúpula das Forças Armadas, das empresas da fé e do governo dos Estados Unidos. Naquela época, em 2016, a extrema-direita neofascista era uma força muito pequena. Foi a direita neoliberal tradicional que criou as condições para o crescimento da extrema-direita. Aliás, no segundo turno de 2018, a maior parte da direita tradicional apoiou a extrema-direita, assim como, por muito tempo, ajudou na governabilidade da gestão cavernícola. Portanto, foi graças à direita tradicional que a extrema-direita neofascista cresceu de forma significativa, não só eleitoralmente, mas também socialmente, construindo o que hoje é: uma força política com grande base de massas. Ao crescer, a extrema-direita foi influenciando, “engolindo” e ameaçando a sobrevivência da chamada “direita tradicional”. O PSDB, outrora o principal partido da direita brasileira, hoje é um morto-vivo. E o Supremo Tribunal Federal, apesar de ser uma fortaleza do neoliberalismo e ter sido partícipe ativo do golpe de 2016 e da operação contra Lula, é hoje alvo de pesados ataques por parte da extrema-direita nacional e internacional.

11. Esta situação complexa e cheia de contradições provoca, em alguns setores da esquerda brasileira, uma avaliação equivocada acerca da relação entre as diferentes direitas. De um lado, há os que não enxergam nenhuma nuance entre as diferentes direitas, tratando qualquer aliança como uma suposta traição. De outro, há os que aplicam uma política de alianças ampla, geral e irrestrita, que desconsidera as contradições estratégicas existentes entre nós e os diferentes setores da direita supostamente democrática, leia-se, defensora das “instituições”. Se formos rigorosos e olharmos além das aparências, a única conclusão possível é que a grande ameaça à democracia brasileira é a tríplice aliança entre agronegócio, capital financeiro e imperialismo. Esta tríplice aliança se expressa politicamente em todos os partidos da direita. Embora haja conflitos entre a extrema-direita e a direita tradicional, assim como existem conflitos dentro de cada um destes setores, todos defendem no fundamental o mesmo programa econômico, marcado pelas privatizações, desmonte dos serviços públicos, retirada de direitos sociais e trabalhistas, favorecimento ao imperialismo, ao capital financeiro, ao agronegócio, às mineradoras que sustentam o modelo primário-exportador extrativista e predatório. Portanto, alianças com setores da direita só podem ser feitas quando não coloquem em questão a implementação de nosso programa. Serão sempre alianças pontuais, táticas, nunca gerais e estratégicas.
12. Não podemos separar a defesa da democracia da defesa do bem-estar social, da defesa da soberania nacional, da defesa de um novo modelo de desenvolvimento, baseado na industrialização e na superação da condição primário-exportadora. O Partido dos Trabalhadores não pode se converter, portanto, em mais um desses partidos que se autointitulam “progressistas”, que supostamente em nome da “democracia” fazem alianças com a direita neoliberal, exatamente aquela que, em cumplicidade criminosa com a extrema-direita, está há tempos destruindo as condições de vida do povo e, assim, sabotando as condições básicas para que exista uma verdadeira democracia em nosso país. Por isso, o PT não pode incorrer no erro dos que – supostamente com o objetivo de derrotar o neofascismo – tentam transformar a esquerda em defensora do sistema, em defensora do modelo primário-exportador, em um partido que relativiza o papel do agronegócio e do capital financeiro na sustentação da extrema-direita, em um partido que tem medo da polarização, em um partido que não fala nem luta mais por reformas estruturais e pelo socialismo.
13. A grande influência de posições equivocadas em nosso governo federal e em nosso Partido, influência evidenciada no PED 2025, explica parte dos motivos pelos quais seguimos fortemente constrangidos pelos neoliberais e ameaçados pelo neofascistas. Para sair das cordas, para sair da defensiva, para passar à ofensiva, é preciso recuperar as ideias que nortearam a campanha presidencial de 2022: reconstrução e transformação. Para que haja transformação, precisamos, além de mudanças na conduta política do governo, uma ampliação radical nos investimentos públicos, tanto no bem-estar social quanto na industrialização. E para isso precisamos mudar a política econômica, começando por alterar a meta de inflação, reduzindo os juros e deixando de lado a meta do déficit zero. Aliás, só agindo assim conseguiremos tomar as medidas estruturais necessárias para reduzir a dependência nacional. Se não fizermos este giro à esquerda, se não alterarmos a política econômica, aumentam as chances de sermos derrotados no enfrentamento com o governo Trump, aumentam as chances de não conseguirmos alterar estruturalmente as condições de vida do povo, além de crescer o risco de um revés nas eleições de 2026. Sem falar do risco de nos convertermos num daqueles partidos que só têm “um grande passado pela frente”.

14. Muita gente na esquerda brasileira reconhece que estamos correndo este risco. Mas também existem os que, apesar de perceberem o risco que estamos correndo, desistiram de fazer algo diferente, entre outros motivos porque não acreditam que seja possível fazer algo muito diferente do que já vem sendo feito. Essas pessoas colocam a “culpa” na correlação de forças, se comportando como se esta correlação fosse algo imutável, impossível de ser transformada. Não concordamos com esta postura passiva, imobilista, fatalista. É um fato que a direita e a extrema-direita ocuparam muito espaço junto ao povo, nas instituições, assim como na disputa de ideias, de projetos e de concepção de mundo. Mas também é um fato que isso pode ser alterado se o Partido dos Trabalhadores, o conjunto da esquerda e inclusive nossos governos e bancadas aumentarem a mobilização, a disputa política e ideológica.

15.É preciso lembrar, finalmente, de um fato paradoxal: a prisão do cavernícola pode tirar de cena um dos maiores obstáculos a uma candidatura presidencial que unifique setores da extrema-direita com a direita tradicional. E, a depender do desfecho do trumpaço e de outros fatores, a eleição de 2026 pode ser bastante diferente da eleição de 2022. No último período, aumentaram os avisos de “desembarque” de um pedaço da direita que nos apoiou no segundo turno de 2026, bem como daqueles que não nos apoiaram eleitoralmente, mas passaram a integrar o governo depois da posse. Essa movimentação de uma parte da direita nos obrigando, inclusive aos que não tem esta opção preferencial, a apostar tudo na polarização social.

16. Pelos motivos descritos anteriormente, seguiremos pressionando por:

– Mudança imediata na meta de inflação, na política de juros, no déficit zero;

– Mudanças de conjunto no chamado “Marco Fiscal”;

– Valorização do salário-mínimo e das aposentadorias, assim como preservação dos pisos constitucionais de saúde e educação;

– Derrotar as tentativas que neofascistas e neoliberais fazem para destruir as nossas políticas sociais, militarizar a segurança pública, devastar o meio ambiente, privatizar o Sistema Único de Saúde e a educação pública;

– Desprivatizar o SUS, aplicando os recursos públicos nas instituições públicas e apenas eventualmente e de forma emergencial na compra de serviços privados. É preciso implantar uma Carreira-SUS Única Nacional Multiprofissional e Interfederativa, conforme aprovaram os delegados e delegadas na 17ª Conferência Nacional de Saúde e na 4ª Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde;

– Transformação profunda das condições de vida nas cidades brasileiras, com ênfase na reforma urbana, na habitação, saneamento, transporte público e gratuito;

– Ampliar o controle público sobre a Petrobras e sobre a geração e distribuição de energia elétrica;

– Reforçar as medidas em favor soberania nacional, com destaque para a reforma agrária e para a industrialização;

– Trabalhar para que o Brasil tenha “redes sociais” de propriedade pública e nacional, assim como tomando medidas para cumprir a Constituição e quebrar o oligopólio da mídia;

– Converter a Cultura num dos pilares da ação do Partido, do conjunto das forças democráticas e populares, bem como de nossos governos;

– Vigiar para que os golpistas sejam todos julgados, condenados e presos, com todo rigor da lei. Sem anistia para golpistas;

– Defender uma reforma estrutural das Forças Armadas para que, nos marcos da democracia, sejam capazes de defender a soberania nacional contra os que desejam transformar o Brasil em “quintal” de potências estrangeiras, a começar pelos EUA;

– Retomar a campanha pela revogação das contrarreformas sindical, trabalhista e previdenciária;

– Seguir defendendo a necessidade de uma reforma política e de uma Assembleia Nacional Constituinte, tal como deliberado pelos 3º e 6º congressos nacionais do PT;

– Retomar a política de integração regional da América Latina e Caribe, por exemplo ajudando Cuba e Venezuela na luta contra o bloqueio;

– Mobilizar o Partido na campanha em defesa da Palestina Livre, contra o genocídio praticado pelo Estado de Israel e pela ruptura das relações diplomáticas entre o Brasil e Israel;

– Participar do Plebiscito Popular que coloca em debate a tributação justa, a redução da jornada de trabalho sem redução salarial e o fim da escala 6 por 1, vinculando a coleta de assinaturas à mobilização social;

– Engajar o Partido na mobilização de rua e na pressão legislativa pelo fim da escala 6 por 1;

– Articular desde já a campanha nacional pela reeleição de Lula em 2026, tendo como diretriz fundamental que nossa vitória depende de nossa aliança com a população pobre, trabalhadora, periférica, jovem, das mulheres, negros e negras. O que passa por apresentarmos candidaturas de esquerda para disputarmos as eleições majoritárias e proporcionais em todos os estados do país. Abrir mão de candidaturas do PT ou da esquerda não é o melhor caminho para ampliar nossa bancada no Senado. Ademais, é preciso criar as condições não apenas para vencer, mas também para que o próximo mandato de Lula possa ser superior ao atual;

– Estimular a luta social. Sem mobilização independente das classes trabalhadoras, não haverá alteração na correlação de forças, indispensável para alterar a sociedade brasileira e para mudar o lugar do Brasil no mundo. As campanhas eleitorais e a ação política do governo devem contribuir nesta mobilização.

III. Balanço do PED e tarefas do PT

17. Um dos momentos mais bizarros do encontro nacional do PT foi o debate acerca do PED. Cabe lembrar que o 6º Congresso Nacional do PT aprovou a realização de um plebiscito acerca da continuidade ou não do PED. Este plebiscito nunca foi realizado. No encontro nacional, propusemos que esta consulta à base do Partido fosse realizada quando da eleição dos delegados ao próximo congresso do Partido. A proposta foi derrotada em plenário. As duas pessoas que falaram contra nossa proposta deixaram claro que o PED tem imensos problemas, mas que estes problemas precisam ser debatidos em um congresso do Partido, não numa consulta direta às bases. Ou seja: na opinião dessas pessoas, o PED seria bom para eleger delegados que vão debater o PED, mas não é bom fazer um PED sobre o PED.

18. Desde 1999, quando foi aprovado por um congresso do PT, a AE critica o PED. Nossa crítica envolve duas dimensões. Por um lado, há uma questão de concepção de partido: a eleição de delegados, feita a partir da base, em reuniões presenciais, é, para nós, conceitualmente superior à eleição direta, entre outros motivos, porque: i/preserva a noção de que o partido é estruturado por coletivos organizados, não por indivíduos atomizados; ii/amplia a chance dos eleitores estarem em pé de igualdade com os eleitos; iii/reduz a penetração, no interior do Partido, das práticas eleitorais burguesas. Por outro lado, nossa crítica parte da experiência prática: em todos os PED realizados até hoje, de 2001 a 2025, ocorreram fatos inaceitáveis, que fazem nossas eleições diretas terem distorções similares e as vezes piores do que aquelas presentes nas eleições tradicionais. Exemplo destas distorções: votação realizada com complicadérrimas cédulas de papel, filiações industriais, compra de votos, ingerência explícita de pessoas vinculadas a outros partidos, pessoas votando no lugar de outras, mortos “votando”, atas adulteradas, abuso de poder econômico, uso da máquina, influência eleitoral das emendas parlamentares, assédio de diversos tipos, intimidação contra fiscais, manipulação das comissões organizadores por parte de determinadas chapas e candidaturas, pequeno ou nenhum debate oficial entre as posições concorrentes, inexistência de fundo eleitoral para garantir igualdade de condições, desigualdade no acesso aos meios de comunicação, recursos de origem desconhecida, judicialização das questões internas ao Partido etc.

19. O mesmo Diretório Nacional do PT eleito em 2019 e que, em 2023, decidiu adiar o PED para 2025, votou como seria a eleição partidária convocada para 2025. Por limitações estatutárias, não estava colocada a possibilidade de não realizar o PED. Portanto, duas posições se confrontaram: fazer o PED clássico ou fazer o PED num formato misto (como ocorreu em 2017 e 2019). No Diretório Nacional que deliberou a questão, nós da AE reafirmamos nossa posição de princípio contrária ao PED; ao mesmo tempo dissemos que, nas condições atuais do Partido, um PED misto como estava sendo proposto seria pior do que o PED clássico. Dito de outra forma: o PED misto teria todos os defeitos e não teria uma qualidade do PED clássico: preservar todos os votos dados nas chapas nacionais (nos congressos estaduais, a chapa que não conseguisse eleger delegados ao congresso nacional, na prática, perderia toda a sua votação). O resultado final do PED 2025 confirma que estávamos certos: para nós da AE, o PED misto poderia ter significado nossa exclusão da Comissão Executiva Nacional do PT.

20. O PED 2025 deveria ter ocorrido dois anos antes, em 2023. O adiamento prejudicou o desempenho do PT nas eleições de 2024, fragilizou o funcionamento das direções partidárias em todo o país e nos obrigou a realizar o PED numa conjuntura que favorecia quem não queria debater aberta e criticamente as divergências acerca da condução do governo, das bancadas, dos movimentos e do próprio Partido. Essa dificuldade foi transformada em chantagem explícita quando o então candidato presidencial da CNB afirmou que recortes das falas dos seus adversários seriam usadas pela direita nas eleições de 2026. Ou seja: primeiro adiam o PED e depois querem o silêncio obsequioso dos adversários.

21. Conforme previsto, o PED de 2025 confirmou que o sistema eleitoral do PT tem imensos defeitos. Vários deles são resultado da ação deliberada de outras tendências do Partido. Alguém promove filiações industriais. Alguém compra votos. Alguém abre a porta para que políticos de direita se intrometam na vida interna do PT. Alguém promove fraudes. Alguém consegue dinheiro não se sabe onde para bancar campanhas caras. Alguém usa dos espaços de poder conquistados na institucionalidade para fazer pressão sobre o Partido. Alguém age nas direções, não como magistrados, mas como parte interessada no resultado. Alguém aprova calendários com poucos debates. Seguiremos denunciando todos e cada um destes crimes contra a democracia partidária. Mas não temos ilusões. Vários setores do Partido compactuam com estes malfeitos. Vale lembrar que votaram 549 mil pessoas, sendo que aconteceram 340 mil novas filiações! Vale lembrar que somente a Articulação de Esquerda votou, na Câmara de Recursos, a favor do recadastramento destas filiações em volume excessivo. Basta olhar os resultados para perceber quais chapas e setores foram mais beneficiadas por esta situação. Eles não serão convencidos por argumentos nem súplicas. Afinal, se não tivessem feito o que fizeram, o resultado teria sido outro. Os setores moderados do PT, embora tenham enorme influência, sabem que não teriam a maioria que têm nas instâncias, se não adotarem estes métodos. Por isso, se queremos vencê-los, é preciso descobrir o que devemos fazer diferente.

22. A AE decidiu lançar chapa nacional e candidatura à presidência nacional. O resultado final do PED 2025 confirmou que tínhamos razão, pois não ter candidatura presidencial nacional poderia ter nos custado ficar fora da Executiva Nacional do PT. A Articulação de Esquerda dispunha de alguns nomes que poderiam ter assumido a candidatura nacional. Avaliamos que a candidatura escolhida desempenhou o papel que dela era esperada, que era o de apresentar de forma completa e sem mediações a nossa opinião sobre as questões estratégicas, táticas e de organização partidária, além de denunciar de forma contundente práticas absurdas que maculam a legitimidade do processo interno. Uma linha política de enfrentamento e de polarização com a atual maioria era necessária para que existisse um real contraponto no debate deste PED. Inclusive, a fala de Lula no encerramento do encontro demonstra bem que cumprimos o papel ao qual nos propomos. Avaliamos, também, que é preciso construir desde já mais alternativas para que possamos disputar o PED 2029. Avaliamos que a coordenação da campanha nacional desempenhou o papel que dela era esperada. A comunicação da campanha foi diversificada, de qualidade visual e política. Realizamos atividades presenciais em 20 estados e virtuais em dois estados (MT e BA). Não realizamos nenhuma atividade (nem presencial, nem virtual) em Rondônia, Acre, Roraima, Goiás, Amapá. Nosso candidato esteve presencialmente em 20 estados (incluindo DF) para agendas políticas e de campanha propriamente dita, e esteve em mais de 60 cidades. Ou seja, estivemos em 20 capitais e em mais de 40 cidades do interior do país. Para efeito de comparação, a candidatura vitoriosa afirmou ter realizado atividades em 22 estados, sendo que, até onde acompanhamos, só esteve em capitais, e tendo feito isso dispondo de recursos financeiros muito superiores aos nossos, com o candidato viajando acompanhado de uma equipe e em pelo menos um caso de jatinho particular.

23. Nossa orientação nacional foi que a AE lançasse chapas e candidaturas próprias nos estados ou, pelo menos, nas capitais dos estados. Na maioria dos estados, isso não ocorreu, seja porque a AE não existe, seja porque ela é muito débil, seja porque cometemos erros na inscrição da chapa, seja porque adotamos outra tática. Reiteramos que a orientação nacional estava correta e sua não aplicação prejudicou nossa tática nacional, independentemente dos resultados (positivos ou negativos) que possa ter tido em âmbito local. Alertamos que deixar a disputa estadual se travar entre apoiadores da maioria é prejudicial para uma esquerda que ambiciona ser hegemônica. Na prática, corremos o risco de nos converter em linha auxiliar da eventual maioria estadual, mais ou menos como outras tendências da esquerda fazem em âmbito nacional (e também nos estados e municípios). Quando fazemos isso apesar de termos meios para fazer diferente, estamos diante de uma opção que julgamos equivocada.

24. Confirmou-se mais uma vez que nossa inexistência ou fraqueza em alguns estados é uma ameaça à nossa continuidade na direção nacional do PT. É preciso tomar medidas políticas e organizativas para organizar a AE onde ela não existe, para ampliar onde ela já existe e é muito débil, para crescer onde ela está organizada, mas tem fraco desempenho eleitoral. Em certos casos, isso depende de ajuda e orientação direta da Direção Nacional da AE. Um exemplo de como é eleitoralmente importante ter presença em todos os estados é o desempenho da chapa e da candidatura do Movimento PT, presente nos 27 estados. Cada direção estadual precisa escrever um documento oficial de balanço para que possamos fazer uma análise do conjunto da situação. Nos casos críticos citados no ponto anterior, estes documentos devem ser objeto de discussão em reuniões bilaterais convocadas para este fim.

25. Em muitas cidades e estados, tivemos resultados positivos, em alguns casos, com vitórias políticas e inclusive eleitorais. Cabe analisar com detalhe nosso desempenho nas cidades. Há vários casos em que tivemos resultados expressivos ou demonstramos potencial. No sentido oposto, há cidades decisivas onde, por diversos motivos, não tivemos candidaturas e chapas, ou obtivemos desempenho abaixo da média. É o caso, em primeiro lugar, da cidade de São Paulo (SP). Se não ganharmos força expressiva nesta e noutras cidades, será impossível ter maioria no Partido. A tendência precisa avaliar o que ocorreu nesses e noutros casos e tomar as devidas medidas políticas e organizativas.

26. No plano nacional, sofremos uma derrota eleitoral. Dado o contexto em que ocorreu o PED, foi em si mesmo uma vitória política participar com destaque da disputa, inclusive ampliando nossa votação em termos absolutos. É importante lembrar que não tivemos do nosso lado o presidente da República, ministros, senadores e governadores, nem a maioria esmagadora das direções partidárias, dos deputados federais, estaduais e prefeitos. Aliás, levando em conta os recursos financeiros e estruturais à disposição de cada chapa, podemos concluir que nosso desempenho foi expressivo. Nosso resultado, mesmo que pequeno, é íntegro e honesto: corresponde essencialmente a uma linha política acertada e a um trabalho militante.

27. Entretanto, se é verdade que cumprimos bem nosso dever político, não devemos minimizar o fato de termos perdido duas das cinco vagas que tínhamos no DN e quase termos ficado fora da CEN. A continuar assim, no próximo PED, podemos ser excluídos da CEN. Claro que o resultado em parte deve-se às condições desiguais da disputa: nós crescemos nossa votação, mas nossos adversários cresceram muito mais do que nós. Entretanto, é inútil reclamar das condições e dos adversários: do que precisamos é enfrentar e superar uns e outros. Se consideramos essencial estar na CEN e se queremos fazer isso através de nossas próprias forças, então é preciso discutir como fazer para atingir este objetivo eleitoral sem que para isso seja necessário, como outros fazem, abrir mão da defesa da nossa política.

28. Cabe lembrar que nosso resultado eleitoral teria sido melhor se não tivéssemos sofrido três cisões: uma no MS, outra no RS e outra no Piauí. Nos três casos, setores que marcham conosco há décadas escolheram aliar-se com nossos adversários na luta interna, chegando em dois casos (MS e RS) a apoiar a candidatura nacional da CNB. Não havia como evitar essas cisões, pois correspondem a divergências políticas reais, que, aliás, deveriam ter se manifestado antes e de forma mais adequada.

29. Nosso resultado teria sido melhor, também, se nossa capacidade organizativa fosse melhor, se tivesse havido mais engajamento, se o desalento também não atingisse parte de nossa militância. Também por isso é fundamental avaliar o que mais poderia ter sido feito nacionalmente, em cada estado e em cada cidade. Não é correto colocar a “culpa” do nosso desempenho na força dos adversários. É preciso reconhecer que, em muitos casos, poderíamos ter feito muito mais.

30. Ao mesmo tempo em que fazemos este balanço realista acerca do que ocorreu no PED, afirmamos que, nas condições dadas, a melhor alternativa foi a linha que adotamos, de ter chapa e candidatura próprias, e uma tese com começo, meio e fim para dar conta de fazer uma avaliação de conjuntura adequada e propor medidas para enfrentar essa conjuntura. Em certo sentido, isto é comprovado pelo desempenho de outros setores da chamada esquerda petista, setores que se saíram pior, seja política, seja eleitoralmente. A nossa opinião é que se saíram politicamente pior os que apoiaram Edinho (Resistência Socialista, EPS, a maior parte do Novo Rumo, metade do Socialismo em Construção, setores do Movimento Brasil Popular e setores vinculados ao MST), pois não tiveram cara própria no processo. Isso se deu de maneiras diferentes: a Resistência Socialista apresentou chapa própria e cresceu na direção, mas se converte cada dia mais em auxiliar da maioria; os demais setores citados marcaram passo na disputa, se dissolveram em uma chapa onde não se sabe qual é a linha política de cada um, quais as diferenças entre si, e em vários casos diminuíram de tamanho na direção. A trajetória de outros setores que fizerem este percurso, no passado, fala por si.

31. Vale lembrar que apesar do apoio das máquinas, apesar das filiações em massa, apesar das fraudes, apesar do apoio midiático e apesar de tudo o mais, a chapa da CNB teve 51% dos votos. Se o candidato da CNB tivesse sido apoiado apenas pela CNB, é bastante provável que houvesse segundo turno na disputa da presidência nacional do PT. Aqueles que dizem que apoiaram Edinho porque Edinho era o candidato apoiado por Lula explicam, mas não justificam. O preço desta opção será pago pelo Partido como um todo. E quem quer tenha acompanhado os debates ou o ato de encerramento do 17º encontro nacional do PT percebeu o tipo de problema que vamos ter.

32. Em nossa opinião, saíram-se pior politicamente todas as tendências nacionais que abriram mão de apresentar sua posição ao Partido. E saíram-se eleitoralmente pior as tendências que, em nome de aumentar seus resultados, deixaram de lançar candidatura e chapa próprias, mas, ainda assim, reduziram sua presença no DN e na CEN. Nós da AE perdemos espaço, mas ampliamos nossa influência. Outros perderam espaço e influência.

33. Sobre a candidatura de Rui Falcão, avaliamos que ela não demonstrou o potencial – nem político, nem eleitoral – que alguns imaginavam que teria. Reiteramos que melhor teria sido que Rui Falcão tivesse se apresentado como candidato avulso, como uma alternativa de centro para disputar “por dentro” a CNB. Ao invés de fazer isso, Rui Falcão escolheu ser candidato de uma parte da chamada esquerda petista. O resultado final foi totalmente diferente das expectativas de parte de seus apoiadores. E, o mais importante, é uma candidatura que – diferente da nossa – não deixou nenhum tipo de saldo político organizativo.

34. Pós PED, o que fazer? A respeito, reiteramos o que dissemos durante o PED. O PT é um influente partido de massas. Nossa ação impacta o curso dos acontecimentos no Brasil e no mundo. Na atual quadra histórica, sem o PT, não há como derrotar neoliberais fascistas e tradicionais e seus aliados imperialistas. Portanto, o lugar da esquerda é o PT. Mas, ao mesmo tempo, existem setores do PT que conciliam com os neoliberais, que fazem alianças inclusive com bolsonaristas, que trabalham para converter o PT num partido “progressista”, que destroem cotidianamente tudo o que fez e faz do PT um partido diferente dos partidos tradicionais. A situação é tão preocupante que os mesmos setores que impulsionam uma orientação que liquida o Partido, falam da necessidade de reorganizar o Partido para nos salvar dos efeitos daquela prática. A respeito, recomendamos assistir o discurso de posse do atual presidente do Partido.

35. Para nós da AE, o desafio do Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras é muito maior do que disputar eleições e exercer mandatos institucionais. Nosso desafio é contribuir na transformação do mundo, melhorar a vida do povo e construir o socialismo. O Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras tem a missão histórica de liderar o povo brasileiro na luta pelo bem-estar social, pelas liberdades democráticas, pela soberania nacional, pela integração regional, pelo meio ambiente, pelo desenvolvimento e pelo socialismo. E para fazer tudo isso, não basta eleger e governar. É preciso construir e conquistar o poder. E isso envolve organizar a classe trabalhadora em todos os territórios onde ela mora, trabalha, estuda e se diverte. E, para tal, além da política geral correta, é preciso que o Partido esteja presente nos territórios. Embora a militância petista esteja lá, presente no dia a dia do povo, o Partido enquanto tal não está atuando de forma permanente e organizada nos territórios, nas empresas, nas escolas, nos locais de moradia, nos espaços de cultura e lazer, nos quilombos, ocupações, assentamentos e nas iniciativas da economia solidária. Sem isso, é cada vez mais difícil ganhar eleições. Até porque as regras do jogo eleitoral favorecem as candidaturas da direita e da extrema-direita. Mas, como já dissemos, não se trata apenas de eleições. O mais importante é que, sem presença organizada nos territórios, perderemos nossa razão mesma de existir, que é a de participar de forma permanente da luta da classe trabalhadora brasileira, não apenas dos processos eleitorais.

36. Para estar presente na luta cotidiana da classe trabalhadora, é preciso um partido organizado e militante. Mas, para que exista militância, é preciso motivação ideológica. Só a motivação ideológica faz com que as pessoas dediquem grande parte de sua vida à luta. Também por isso é decisivo vincular as lutas imediatas com nossos objetivos estratégicos e históricos, com destaque para o socialismo. Mas, para isso, é preciso voltar a falar de socialismo, na nossa propaganda política e na formação política ideológica. É preciso enfrentar e derrotar os setores do Partido que são explicitamente avessos ao socialismo. E é preciso adotar um método de eleição das direções que não trate da mesma forma os militantes que constroem cotidianamente o Partido e os filiados que não têm nenhum engajamento político ideológico.

37. Cabe ao nosso Partido defender com toda a força as transformações estruturais pelas quais lutamos, entre as quais uma ampliação radical das liberdades democráticas e do bem-estar social, combinados com a defesa da soberania nacional, da integração regional, do meio ambiente, da industrialização, de um desenvolvimento de novo tipo e do socialismo. Estas transformações estruturais estão indissoluvelmente ligadas à conquista do poder pela classe trabalhadora. Não confundimos governo com poder. E não queremos o poder para o Partido, queremos o poder para a classe trabalhadora. Sem a conquista do poder pela classe trabalhadora, não haverá construção do socialismo. As transformações históricas pelas quais lutamos serão realidade se a classe trabalhadora brasileira se movimentar de forma intensa, profunda, de massas, em favor de mudanças radicais na ordem em que vivemos. Uma mobilização deste tipo só terá êxito se dispuser do estímulo e do suporte de uma rede de organizações políticas e sociais verdadeiramente enraizadas no cotidiano da classe trabalhadora. Noutras palavras: precisamos de uma esquerda de massas e de um partido de massas. Um partido militante em luta pelo socialismo. Neste sentido, o Partido dos Trabalhadores é insubstituível. Mas o Partido realmente existente tem muitas debilidades que precisam ser enfrentadas e superadas por nós. Reorganizar o Partido para fortalecer nossa presença nos territórios, organizar diretórios, estimular a organização das lutas sociais, é preciso colocar o Partido no comando. O PT não pode continuar dependente, subordinado e tutelado por governos e por mandatos parlamentares, especialmente de deputados estaduais e federais, que muitas vezes subordinam a estratégia do Partido a seus interesses eleitorais particulares. Registre-se que a maioria dos presidentes estaduais do PT eleitos no PED 2025 são parlamentares. Além do que há uma presença desproporcional de homens brancos, mostrando como ainda estamos longe do que pregamos.

38. O PT deve voltar a ter direção coletiva. Há dirigentes que se comportam como donos do Partido. Mas ninguém é dono do PT. Ninguém é maior do que o PT. Ninguém pode tomar decisões individuais que atropelam a democracia e os estatutos partidários. O PT precisa dirigir os governos e mandatos parlamentares que conquistamos. Sem o PT, não haveria mandatos parlamentares, não haveria prefeituras, não haveria governos estaduais nem governo federal dirigidos por petistas. Entretanto, na maioria dos casos, o PT não tem influência nos mandatos executivos e legislativos que conquista. O Partido é chamado a apoiar, mas nem sempre é chamado a participar e quase nunca é chamado a dirigir. Precisamos mudar radicalmente esta postura subalterna e submissa que tem causado enormes danos ao Partido, inclusive do ponto de vista eleitoral. Curiosamente, nos discursos de muitos dirigentes se fala isso, mas na prática muitas vezes predomina o culto à personalidade e o caciquismo.

39. O PT deve voltar a ser um partido que faz política o tempo todo, não apenas em anos pares, não apenas em épocas eleitorais, não apenas pelos meios institucionais. Nós petistas estamos por toda parte: estamos presentes nos bairros, estamos nos locais de trabalho, estamos nas escolas, estamos nos espaços e momentos de cultura e lazer, estamos nos sindicatos e nos movimentos sociais. Mas nem sempre a direção do Partido está onde os petistas estão. Muitas vezes, a direção não existe, não funciona, está dominada por interesses estritamente eleitorais. Nossa direção precisa ser ocupada por militantes dispostos a reafirmar o PT como o partido da luta, da mobilização e da organização cotidiana do povo. Afinal, criamos o PT para lutar pelos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora. Um partido anticapitalista, socialista, defensor da mais profunda democracia. Não haverá democracia verdadeira em nosso país enquanto a classe dominante e seus representantes políticos – a extrema-direita neofascista e a direita tradicional – mantiverem sob sua direção a maior parte do sistema judiciário, dos parlamentos, dos governos, dos meios de comunicação e das empresas. É missão do PT combater o racismo, o machismo, a misoginia, a lgbtfobia e todas as formas de discriminação e preconceito, combate que é parte integrante e inseparável da luta para libertar a classe trabalhadora das influências que recebe da classe dominante e exploradora.

40. Nosso Partido dos Trabalhadores tem que concentrar grandes energias no trabalho de reconexão com a classe trabalhadora, organizando e conscientizando melhor os que seguem conosco, buscando os setores que se distanciaram de nós e, também, os que nunca estiveram conosco, os que estão sob influência do desalento, da direita tradicional e da extrema-direita. Mas, para fazer tudo isso, o PT precisa de pelo menos duas coisas: disposição de enfrentar, polarizar e derrotar nossos inimigos; e disposição de reorganizar profundamente nosso próprio partido. Portanto, estamos diante do desafio de fazer uma revolução organizativa no Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras. Isto significa, entre outras coisas: a) a ampliação da democracia no interior do Partido, reforçando a soberania e a vida orgânica das instâncias em relação aos mandatos parlamentares que hoje constituem um centro de poder paralelo que hegemoniza a vida partidária; b) alteração profunda nos métodos de comunicação partidária, criando condições para uma comunicação de massas feita por militantes, para militantes e para o conjunto da classe trabalhadora, desde a produção e distribuição cotidiana de material impresso até a comunicação digital em suas diversas formas; c) retomada da contribuição e financiamento militantes ao partido, incluindo, além da contribuição anual, a organização de atividades como almoços, produção de materiais para venda, bingos, rifas etc., que possam, ao mesmo tempo, contribuir para as finanças e conscientizar sobre o fato de que um Partido de Trabalhadores deve ser mantido pelos próprios trabalhadores; d) ampliação das atividades de formação política, com destaque para a formação político-ideológica da militância, que deve incluir caravanas nacionais em que dirigentes partidários visitem e dialoguem com a militância em cada município do país; e) estímulo e viabilização da participação das mulheres nos debates, formações, atividades e ações partidárias, inclusive suporte efetivo para a candidatura de mulheres; f) ampliar a inclusão da juventude nas instâncias deliberativas e representativas, com uma campanha de filiação de jovens, especialmente da juventude trabalhadora ao Partido, lembrando que o principal atrativo para o PT ter mais jovens militando é que ele seja um partido socialista e de luta; g) ampliar a participação de negros e negras na militância partidária, dando suporte efetivo para as candidaturas e dando à luta contra o racismo e pela reparação histórica, econômica e social um papel central na ação partidária. h) engajamento do Partido na batalha de ideias, na luta cultural de massas, indispensável para construir uma consciência de classe socialista, popular, democrático-radical e revolucionária na classe trabalhadora; i) compromisso de que a política eleitoral nos municípios e nos estados não será imposta de fora para dentro e de cima para baixo.

41. O resultado do PED 2025 não contribuiu para a realização desta revolução organizativa. Portanto, os problemas citados devem continuar se aprofundando e as tentativas de resolvê-los serão imperfeitas, em primeiro lugar, porque desconectadas da mudança na estratégia política; em segundo lugar, porque implementadas por pessoas que integram as mesmas forças que causam os problemas citados.

42. Um exemplo dessa contradição é a Federação. A maior parte da militância sabe que a Federação Brasil da Esperança prejudicou eleitoralmente o PT, favoreceu um partido que, em muitos municípios, virou barriga de aluguel da direita e não tem nenhuma serventia estratégica. Por isso, o correto seria o PT informar ao PV e ao PCdoB que defende a dissolução da Federação Brasil da Esperança. Na contramão disso, a nova direção nacional está sendo empurrada a defender a criação de uma Federação ainda maior, agregando partidos que vão amarrar o PT a um perfil cada vez mais “progressista” e cada vez menos socialista. Vale destacar a ignorância tremenda dos que defendem este tipo de Federação, tomando como padrão de comparação a Frente Ampla do Uruguai, que tem outra história e outro padrão de funcionamento, nada tendo que ver com as federações previstas na legislação brasileira.

43. É preciso compreender que a situação interna do PT tem vínculos profundos com a dinâmica geral da luta de classes no Brasil. Não enfrentamos apenas a chamada direita do Partido. Enfrentamos a influência da classe dominante no interior do PT. E enfrentamos, também, as decorrências de uma mudança política e sociológica que vem ocorrendo no PT como um todo, em particular, na composição da direção do PT. As posições que nós da AE defendemos podem ganhar mais espaço dentro da classe trabalhadora e do Partido, mas só serão hegemônicas e majoritárias se houver uma reviravolta completa nas condições estruturais da luta de classes no Brasil.
44.O fato de o PT ter vencido cinco das nove eleições presidenciais realizadas deste 1989, ficando em segundo lugar nas outras quatro, não deve nos levar a confundir as coisas. Governo não é poder. O poder no Brasil segue com a classe dominante. E esta classe dominante sofreu mudanças profundas desde 1980. Até então, a burguesia industrial era hegemônica, sempre em aliança com outros setores. A partir de então, a aliança entre agronegócio e setor financeiro passou a ser dominante.

45. Uma das consequências da reprimarização e da financeirização foi reafirmar de forma piorada as características estruturais de nossa sociedade: o capitalismo, a dependência, a desigualdade, o subdesenvolvimento, o aumento da concentração da propriedade da terra, a natureza oligárquica da nossa “democracia”. Tudo isso ocorreu simultaneamente à crise do socialismo soviético, das experiências social-democratas e desenvolvimentistas em todo mundo. Foram décadas de hegemonia capitalista nunca vista, que desembocaram numa crise sistêmica mundial, que só terá solução favorável às classes trabalhadoras em caso de triunfos da alternativa socialista em países potentes como o Brasil.

46. Ocorre que as mudanças ocorridas desde 1980 impactaram objetiva e subjetivamente as classes trabalhadoras. Num primeiro momento, estimularam uma onda de lutas sociais que deu origem ao PT, à CUT, ao MST e a proposta de uma “alternativa democrática, popular e socialista”. Mas em seguida veio um refluxo nas lutas sociais, que não foi superado até agora. Parte desse refluxo tem relação com transformações sociológicas e suas consequências no comportamento político e ideológico predominante nas classes trabalhadoras. Uma dessas consequências foi o Partido dos Trabalhadores retomar pensamentos que foram típicos tanto do antigo PTB quanto do antigo PC. Por exemplo: colocar como objetivo estratégico não mais o socialismo, mas o desenvolvimento capitalista. E, em nome desse objetivo, buscar alianças estratégicas com setores da classe dominante, mesmo que estes setores não tenham de fato nenhum compromisso com algo que se possa chamar de desenvolvimento.

47. Entretanto, diferente do velho PTB (que ganhou uma única eleição presidencial, em 1950) e diferente do velho PC (que nunca pode disputar eleições), o PT ganhou – como já foi lembrado – cinco das últimas nove eleições presidenciais e ficou em segundo lugar nas outras quatro. Portanto, trata-se de uma força com enorme influência institucional sobre a vida política do país, superior à dos outros dois partidos citados. O fato é que não é possível mudar o país, em favor dos trabalhadores, sem o PT ou contra o PT. Mas ainda está em aberto a resposta para a seguinte questão: quão profundas são as mudanças possíveis de fazer, sob a liderança do PT, através de nossa presença nas instituições?

48. Observando o período 1980-2025, a conclusão é a seguinte: sem o PT, a situação teria sido muito pior para os trabalhadores; com o PT, foi possível adotar políticas públicas que reduziram danos e melhoraram a vida do povo; mas até agora não conseguimos fazer as transformações estruturais sem as quais o Brasil continuará dependente, desigual, subdesenvolvido e com uma política oligárquica. Até o momento, a presença do PT no governo não conseguiu reverter a desindustrialização, não conseguiu acabar com a ditadura do capital financeiro, não conseguiu superar a hegemonia primário-exportadora, não conseguiu tirar do Brasil a condição de campeão mundial da desigualdade social, não conseguiu democratizar as instituições e a comunicação social, não conseguiu fazer a reforma agrária.

49. Ademais, há um setor do PT que não se preocupa mais com o fato de não estarmos conseguindo fazer reformas estruturais, tampouco lutar por uma sociedade socialista. Aliás, que exista e tenha tanta força no Partido um setor social-liberal é mais uma demonstração de que, ao longo de seus 45 anos de vida, o PT sofreu transformações estruturais que estão debilitando sua disposição de lutar por transformações que mereçam o nome.

50. Ao longo desses mesmos 45 anos, outros setores deixaram de acreditar que o PT seria um instrumento útil na luta da classe trabalhadora por transformações estruturais. Em razão disso, romperam com o Partido e apostaram na construção de alternativas. Mas fracassaram totalmente as tentativas de construir um instrumento de transformação que substituísse o PT. O PSTU, a Consulta Popular e o PSOL fracassaram enquanto alternativas estratégicas ao PT. O PCdoB tampouco constitui uma alternativa. O mesmo pode ser dito das pequenas organizações (PCB, UP, PCO): são combativas, mas não conseguem deixar de ser testemunhais. Ao mesmo tempo, está cada dia mais evidente que não tem o menor fundamento atribuir ao MST o papel de ser uma alternativa ao PT.

51. Mas devemos reconhecer que tampouco estão tendo êxito aqueles como nós da AE, que se propõem reconquistar o PT para o caminho das transformações estruturais e do socialismo. Desde o biênio 1993/1995, a chamada esquerda petista perdeu o controle da direção nacional do PT e nunca mais recuperou. O mesmo aconteceu na maioria das direções estaduais e municipais do país. Além disso, muitos que se autoproclamam integrantes da esquerda petista vêm se acomodando, se adaptando, se domesticando. Outros perdem força e correm o risco de virar testemunhais.
52. As tentativas de resolver o problema através da pressão de fora para dentro e de baixo para cima até o momento também não tiveram êxito. Paradoxalmente, para que a luta social empurre o país e o PT para a esquerda, seria preciso que o PT contribuísse muito mais para a luta social. Mas por razões óbvias, grande parte da direção e grande parte das bases de nosso Partido não se esforçam adequadamente nesse sentido.

53. Por todas estas razões e por outras que não foram citadas, cresce em amplos setores da militância a ideia de que os processos negativos que afetam o PT e a maior parte da esquerda brasileira seriam impossíveis de deter e reverter. Se isso fosse verdade, teríamos chegado a uma espécie de “fim da história”, ao menos para quem acredita ser necessário construir um partido de massas, militante e revolucionário. Afinal, não haveria alternativa fora, mas também não haveria alternativa dentro, restando apenas o desalento ou o conformismo. Este tipo de concepção contribui para que tantos esquerdistas de ontem se transformem em adeptos do reformismo minimalista que caracteriza amplos setores da CNB & adjacências. Dentro da própria tendência Construindo um Novo Brasil, a percepção de que poderíamos ter cruzado uma espécie de linha vermelha, a partir da qual não haveria mais retorno possível, aparece às vezes sob a forma do debate acerca do que acontecerá com o PT no “pós-Lula”. Não concordamos com esta abordagem reducionista (a ação da burguesia para cooptar e domesticar a classe trabalhadora é muito mais complexa do que a implacável biologia) e às vezes bizarra (afinal, a quem interessa falar em “pós-Lula” na véspera de uma campanha pela reeleição do presidente?). Tampouco concordamos com aquela ideia de que a degeneração do Partido seria irreversível e seu comando indisputável (entre outros motivos, por uma questão simples: quem se beneficia desta ideia?). Contra ambas, apresentamos um fato: a luta de classes. É preciso lembrar da ação da classe dominante e do imperialismo, da pressão dos Estados Unidos, da falta de limites do capital financeiro, do reacionarismo do agronegócio, do empoderamento e autonomização do judiciário e do parlamento, da postura golpista da cúpula das forças armadas, da desigualdade brutal que existe em nosso país. Como os acontecimentos de junho e julho de 2025 demonstraram mais uma vez, a burguesia não nos faltará: toda vez que um setor da esquerda deposita ilusões na acomodação com a burguesia e com o imperialismo, é questão de tempo para que a decepção prevaleça.

54. Evidente que, quando a burguesia comparece e desautoriza as ilusões, também ficam evidentes todos os problemas de sermos cada vez mais um “partido de retaguarda”. Noutras palavras: nem sempre existe a disposição e a coerência política necessária para aproveitar a situação e dar saltos adiante.

55. Essa disposição existiu depois da crise de 2005, causada pelo primeiro ataque geral da burguesia contra o PT no governo; frente àquele ataque, o Partido reagiu e o governo Lula 2 passou a implementar o programa aprovado no encontro nacional do PT realizado em Olinda (2001). Mas isso aconteceu, ao menos em parte, porque a esquerda petista mostrou força no PED de 2005.

56. Outro momento em que a burguesia não nos faltou foi a crise de 2008. Nossa reação começou bem, mas, em seguida, predominou a atitude defensiva. No debate do programa de governo que seria apresentado ao país em 2010, ficou explícito que o grupo majoritário no DN não queria propor ao governo Dilma um programa de ação que visasse dar um salto de qualidade em relação aos governos Lula. Esta atitude defensiva tem relação com o resultado do PED de 2007 e de 2009, onde a CNB ampliou sua força. Aliás, a bem da verdade e da matemática, não foi em 2025, mas, sim, em 2009 que o PT realizou o maior PED de sua história.

57. Um terceiro momento foi a crise de 2013. Então a reação foi predominantemente defensiva. Desistimos de utilizar a mobilização como ponto de partida para uma Constituinte, tivemos imensas dificuldades na eleição de 2014 e iniciamos 2015 com uma política econômica recessiva. Tudo isto está relacionado com os resultados do PED de 2013, também vencidos pela CNB, ainda que com um candidato presidencial vindo de outro setor do Partido.

58. Frente à consumação do golpe de 2016, o PT inicialmente reagiu relativamente bem. Aliás, este é um traço presente na esquerda brasileira: somos mais combativos quando derrotados. O Congresso do PT realizado em 2017 aprovou resoluções que, se implementadas, teriam implicações extremamente positivas. Mas a direção eleita em 2017 e reeleita em 2019 escolheu outro caminho. E quando a disputa com a extrema-direita obrigou o STF a reabilitar eleitoralmente Lula, mais uma vez a atitude do PT foi estrategicamente defensiva, a saber: uma frente ampla com a direita tradicional neoliberal.

59. Agora, frente ao ataque trumpista, o dilema reaparece: vamos adotar as medidas políticas e econômicas necessárias para o Brasil ter soberania alimentar, energética, produtiva, comunicacional, digital e militar? Vamos ir além das medidas imediatas e tomar todas as medidas estruturais indispensáveis à defesa da nossa soberania nacional, mesmo que isso desagrade a direita neoliberal gourmet? Se depender da direção eleita no PED de 2025, especialmente do presidente eleito, não há por que acreditar nisso. Mas a situação exige mudanças na linha e isso cria contradições. E é no centro dessa engrenagem que deve operar a contramola que resiste. Por isso, nossa linha tática é criar as condições não apenas para vencer as eleições de 2026, mas também criar as condições para que o próximo mandato de Lula seja superior ao atual. E nossa linha estratégica segue sendo estimular a luta de classes, pois é dela e só dela que podem surgir as alternativas para situações que de outra forma podem parecer sem saída.

60. Sendo assim as coisas, que fazer? Propomos algo muito simples: cumprir nosso dever. Concretamente isso significa: i/ampliar o enraizamento na classe trabalhadora: conscientizar, organizar, mobilizar; ii/participar ativamente do debate de ideias, em defesa do socialismo, das reformas estruturais, das bandeiras capazes de melhorar a vida do povo agora e no médio prazo; iii/seguir organizando a verdadeira militância petista, contra os setores que domesticam o Partido e buscam convertê-lo num gestor da ordem; iv/participar ativamente da luta política nacional em favor das demandas das classes trabalhadoras.

61. Portanto, reafirmamos nossas posições acerca do PT. No atual período histórico, não haverá vitória para a classe trabalhadora sem o PT ou contra o PT. Vitória, apenas com o PT. Logo, incidir sobre os rumos do PT segue sendo decisivo. Devemos seguir demarcando contra aqueles que combatem o PT a partir de fora, como devemos seguir demarcando contra os que renunciaram a disputar os rumos do PT, transformando-se em linha auxiliar da CNB. É importante dizer que há os que fazem isso dentro do PT, mas há também os que fazem isso a partir de fora do PT, como, por exemplo, setores do PSOL e inclusive do MST, que, enquanto movimento social, seguirá tendo nossa integral e incondicional solidariedade. Devemos reforçar simultaneamente nossa organicidade & nossa inserção junto à classe trabalhadora. Nossa política só terá chance de êxito quando ela for majoritária na vanguarda da classe trabalhadora. E devemos compreender que a disputa pelos rumos do Brasil, do governo e do PT não apenas prossegue, como deve se intensificar no próximo período. Com o agravante de que o PED de 2025 deu vitória aos defensores de uma política que não tem nenhuma correspondência com a situação vivida pelo Brasil e pelo mundo. Mas a energia do PT não está na sua direção, está na militância que defende nossas cores, nossa bandeira, nossas propostas e nossa estrela. Essa energia permitirá reconstruir nossa atuação militante junto ao cotidiano da classe trabalhadora. É desta atuação militante cotidiana que dependeu, depende e continuará dependendo a vitalidade e o futuro do nosso Partido. É em grande medida da atuação correta de nosso Partido que depende, na atual quadra histórica, a vitória da classe trabalhadora brasileira. Por tudo isso e muito mais, seguiremos dedicando o melhor de nossos esforços para que o Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras continue sendo a principal referência e instrumento de luta da classe trabalhadora brasileira. Em tempos de guerra, a esperança é vermelha! Viva o PT, viva a classe trabalhadora brasileira, viva o socialismo!

IV. Plano de trabalho

62. O X Congresso da AE fez um balanço da situação política mundial e nacional, avaliou o resultado do PED, analisou como está o nosso Partido dos Trabalhadores e como está a nossa tendência petista Articulação de Esquerda. Com base neste estado da arte, aprovamos o seguinte plano de trabalho para o conjunto da tendência para o ano de 2026, plano cuja implementação está a cargo da direção nacional eleita no X Congresso.

63. A direção nacional deve visitar, ao longo do ano de 2026, todas as cidades onde a chapa nacional da AE foi majoritária no PED 2025. Nessas visitas, realizar pelo menos três atividades: i/congresso municipal da AE; ii/planejamento do trabalho municipal da tendência; iii/curso de formação política aberto a todos os petistas e simpatizantes. A Direção Nacional da AE deve apontar quem serão os/as dirigentes nacionais responsáveis por esta atividade.

64. A direção nacional deve convocar, organizar e participar de plenárias da AE nos estados onde atualmente não temos direção estadual ou equivalente: Santa Catarina, Goiás, Roraima, Rondônia, Acre. Nessas plenárias a direção nacional deve: i/realizar um curso de formação política; ii/apresentar as diretrizes do X Congresso; iii/aprovar um plano de trabalho para a construção da tendência ao longo de 2026; iv/constituir uma direção estadual provisória. A direção nacional deve designar dirigente nacional para acompanhar cada um dos estados citados.

65. A direção nacional deve, em comum acordo com as respectivas direções estaduais, convocar, ajudar a organizar e estar presente em congressos estaduais da AE naqueles estados onde existimos formalmente, mas com imensas debilidades organizativas e políticas: Paraná, Mato Grosso, Amapá, Amazonas, Paraíba, Bahia. Nesses congressos estaduais, devemos: i/realizar um curso de formação política; ii/apresentar as diretrizes do X Congresso; iii/aprovar um plano de trabalho para o ano de 2026; iv/eleger direção estadual. A direção nacional deve designar dirigente nacional para acompanhar cada um dos estados citados.

66. A direção nacional deve, em comum acordo com as respectivas direções estaduais, convocar, ajudar a organizar e estar presente em congressos em cada um dos estados onde estamos em processo de reorganização: Minas Gerais, Alagoas, Piauí, Maranhão, Ceará. Nesses congressos estaduais, devemos: i/realizar um curso de formação política; ii/apresentar as diretrizes do X Congresso; iii/aprovar um plano de trabalho para o ano de 2026; iv/eleger direção estadual. A direção nacional deve designar dirigente nacional para acompanhar cada um dos estados citados.

67. A direção nacional deve estar presente nos congressos estaduais que serão convocados pelas respectivas direções daqueles estados onde existimos de maneira organizada: Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Sergipe, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Distrito Federal. Antes ou durante esses congressos estaduais, devemos: i/realizar um curso de formação política; ii/apresentar as diretrizes do X Congresso; iii/aprovar um plano de trabalho para o ano de 2026; iv/eleger direção estadual. A direção nacional deve designar dirigente nacional para acompanhar cada um dos estados citados.

68. Realizar, entre setembro de 2025 e fevereiro de 2026, em comum acordo com a CNJAE, uma plenária nacional dos estudantes universitários e secundaristas da AE para discutir nossa atuação no movimento estudantil e nossa política na disputa da UNE e da UBES. A nova Direção Nacional da AE indicará a/o dirigente responsável por esta tarefa. Deve, também, debater nossa tática para o Congresso da JPT, que deve ser convocado a qualquer momento.

69. Realizar, entre dezembro de 2025 e fevereiro de 2026, plenárias virtuais ou presenciais nacionais de cada uma das frentes onde temos atuação (agrária, saúde, educação, indígenas, mulheres, combate ao racismo, moradia, lgbt etc.). Estas plenárias devem incluir, no seu respectivo plano de trabalho, metas objetivas de inserção em cada setor. E definir nossa tática para os encontros setoriais do PT, que devem ser convocados a qualquer momento. A Direção Nacional da AE definirá a/o dirigente responsável por acompanhar as frente de massas e os setoriais do PT.

70. Realizar, entre setembro de 2025 e fevereiro de 2026, uma plenária nacional de formação política, que terá duas partes: um curso nacional de formação política e uma discussão sobre a política nacional de formação do PT e da AE. A plenária também discutirá iniciativas que não são da AE, mas onde temos incidência, como é o caso da Escola Latino-americana de História e Política. A organização da jornada deve ser coordenada pelo secretário/a nacional de formação que venha a ser indicado/a pela nova Direção Nacional da AE.

71. Orientar cada cidade e cada estado a incluir, no seu respectivo plano de trabalho, metas objetivas de inserção junto a classe trabalhadora: presença em sindicatos, em movimentos sociais, no trabalho cultural e nos territórios de moradia, trabalho e educação, bem como a constituição de núcleos de base do Partido.

72. Orientar cada cidade e cada estado a incluir, no plano de trabalho, metas concretas de ampliação da nossa presença no PT: filiações, nucleações, atividades formativas, atividades políticas, criação de centros culturais etc.

73. Orientar todos os estados a lançar pelo menos um/a candidato/a vinculado/a à AE para disputar as eleições 2026. Em março de 2026, realizar uma conferência nacional eleitoral para discutir a tática e como apoiar nacionalmente nossas candidaturas nos estados. A conferência nacional eleitoral será coordenada por dirigente que será indicada/o pela DNAE eleita no X Congresso.

74. Convocar uma plenária nacional da AE para debater o tema comunicação (na sociedade, no Partido e na tendência). Cabe a esta plenária aprovar propostas acerca da política nacional de comunicação da AE, em particular, sobre o papel e articulação os instrumentos de que já dispomos: redes sociais, Antivírus, Podcast, Esquerda Petista, Página 13, edição de livros. Cabe a esta plenária, também, discutir o papel de iniciativas que não são da AE, mas nas quais militantes da tendência participam, como é o caso do Contramola e do Manifesto Petista. As propostas da plenária serão submetidas à aprovação em reunião da DNAE. A plenária será coordenada por dirigente indicado/a pela DNAE eleita no X Congresso.

75. A Articulação de Esquerda é uma tendência petista, portanto considera como sua tarefa permanente contribuir no debate político ideológico em curso no mundo, no Brasil, na esquerda e no PT. Esta contribuição é feita através do posicionamento individual dos militantes e do posicionamento coletivo de nossas instâncias através de atividades, reuniões, publicações, cursos, seminários. Nossa pauta está organizada em três eixos: a análise do capitalismo no século 21, o balanço das tentativas de construção do socialismo nos séculos 20 e 21, o debate acerca da estratégia da esquerda. A revista Esquerda Petista deve publicar uma edição dedicada a cada um destes temas.

76. A independência política pressupõe independência material. Manteremos nossa política de autofinanciamento militante nacional. E estimulamos as direções estaduais e municipais a organizarem atividades que gerem recursos financeiros, sem concorrer com a contribuição militante anual obrigatória. E convidamos toda a militância a vender nossa Agenda 2026, dedicada aos 100 anos de nascimento de Fidel Castro.

77. A chapa vitoriosa no PED 2026 assumiu o compromisso de realizar um Congresso partidário depois da eleição de 2026. Esta data está relacionada ao impacto que terá, sobre a vida do Partido, o resultado da próxima disputa presidencial. Defendemos desde já que as delegadas e delegados que participarão deste Congresso sejam eleitos na base através de um processo efetivamente democrático, sem as distorções que marcaram o PED 2025. Se quisermos ter um grande futuro pela frente, o PT precisa mudar. E rápido!

78. O X Congresso elegerá uma direção nacional com o objetivo de cumprir essas tarefas. A composição dessa direção deve dar prosseguimento à renovação geracional na direção da tendência e também a diversificação da cara pública da tendência, em ambos os casos, mantendo e aprofundando a linha política que nos caracteriza desde 1993. O X Congresso elegerá, além da direção nacional com 18 integrantes, a executiva nacional da tendência, com seis integrantes.

79. Fica convocado, para depois das eleições de 2026, o XI Congresso Nacional da tendência petista Articulação de Esquerda.

 

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