Por Rita Camacho (*)
Passados 45 anos da fundação do PT, por razões óbvias da natureza humana, estão ficando escassas as testemunhas daquela plenária nacional de 10 de fevereiro de 1980 no Colégio Sion, o que mostra a urgência de escutar e registrar as memórias de quem fez parte desse capítulo simbólico e decisivo da luta política e social que havia começado muito antes.
Pesquisa realizada para um artigo1 publicado pela Fundação Perseu Abramo (FPA) a respeito desse dia histórico mostrou que só restam vivos quatro companheiros dos 11 integrantes da comissão nacional provisória do PT —eleita em outubro de 1979 —, que se responsabilizou pelos trabalhos no Sion: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 79 anos; o ex-governador Olívio Dutra, 83; o ex-sindicalista Paulo Skromov, 78; e o ex-deputado federal Edson Khair (PMDB-RJ), 86.
A plenária nacional para a fundação do PT foi realizada num domingo. Cerca de mil pessoas lotavam o auditório do colégio católico frequentado pela elite paulistana. Sim, havia jovens na plateia, e até uma ou outra criança, como podemos conferir em algumas fotos. Porém, eram minoria. O próprio Olívio observou, olhando uma imagem da ocasião, que a maioria dos presentes já havia passado “dos 30, 40 e 50 anos”. Tomando por base a expectativa de vida do brasileiro, que atualmente é de 76 anos, façam as contas.
Os seis homenageados daquela atividade, a maioria já bem madura em 1980, estão todos mortos. Mario Pedrosa morreu no ano seguinte; Sergio Buarque de Holanda, em 1982; Paulo Freire, em 1997; Lélia Abramo faleceu em 2004; Apolônio de Carvalho, em 2005, e Manoel da Conceição, em 2021.
Mas, evidentemente, companheiros e companheiras que eram mais jovens e gozam de boa saúde ainda estão por aí militando e com memória em dia para dar sua contribuição e seu testemunho. Outro dia mesmo, durante uma live2 do Manifesto Petista sobre esse tema do aniversário do Partido, um certo “Luís” escreveu no chat da transmissão no Youtube: “Eu estava no Sion”.
Mas ninguém é eterno, e é por isso que são fundamentais trabalhos como os do Centro Sergio Buarque de Holanda (CSBH), da FPA, que já entrevistou e publicou vídeos com uma série de figuras históricas do partido, ou tantas outras iniciativas institucionais, coletivas ou individuais que objetivam a preservação dessa história.
Paulo Skromov, que secretariou a mesa diretora no Sion, por exemplo, fez de sua conta no Facebook uma espécie de mural de suas memórias sobre o processo de construção do PT. Aos que têm curiosidade de ver algumas imagens da plenária de fundação, de outras atividades daquele período, recortes de publicações da época e relatos detalhados e analíticos do próprio Paulo, recomendo uma visita à página3 do companheiro.
Além de Paulo, todo os outros dez integrantes da comissão provisória do PT estavam no Sion em 10 de fevereiro de 1980. Mas um de seus integrantes, José Ibrahim, cedeu o lugar que lhe correspondia na mesa a José Pedro da Silva, que fazia oposição ao então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, Henos Amorina, também membro da comissão. O décimo segundo homem na mesa era um senador do PMDB, Henrique Santillo, que fora convidado por Lula a se juntar aos sindicalistas na condução dos trabalhos. Desses últimos quatro mencionados, apenas Zé Pedro está vivo.
Aos 82 anos, Zé Pedro submeteu-se recentemente a três cirurgias no cérebro. Mesmo assim, deu entrevistas para o referido artigo com a mesma clareza dos propósitos revolucionários que o levaram a militar em várias frentes — na igreja, no sindicato, em seu bairro — para contrapor-se à ditadura e para criar o PT. Contou, inclusive, detalhes de uma reunião com Lula, quando o então líder dos metalúrgicos ainda duvidava da necessidade de ter um partido dos trabalhadores. Oxalá o CSBH registre também essas memórias.
Durante a investigação para saber detalhes do que havia transcorrido naquele dia, foram achadas imagens em vídeo que nem mesmo os protagonistas daquele dia conheciam. Estão no Centro de Documentação da TV Cultura, de São Paulo. Imagens que esperamos que a FPA possa adquirir e tornar públicas. São poucos minutos de um material bruto, sem edição, em cores, e repleto de uma energia que contagia a quem compreende e se identifica com o significado daquela plenária.
Num dos trechos do vídeo, o líder rural Manoel da Conceição chega ao auditório. Ele entra por um corredor aberto em meio ao público, as pessoas o aplaudem e o ovacionam. Ele sorri. Uma cena que, passados todos esses anos, ainda emociona a experiente fotógrafa Nair Benedicto, que testemunhara tantas outras cenas da luta da classe trabalhadora. Nair e dois de seus colegas, Juca Martins e Jesus Carlos, responsáveis pelos principais registros que conhecemos da plenária do Sion, receberão justa homenagem da FPA neste mês de março.
Em outro trecho do vídeo, vemos Mario Pedrosa e Sergio Buarque de Holanda sentados lado a lado, em meio ao público. O que teriam conversado? Será que alguma testemunha do encontro ainda poderá nos contar?
(*) Rita Camacho é jornalista e filiada ao PT.