Por Luiz Sérgio Canário (*)
O texto Lula o PT e o caminho para o brejo (link no final desse texto) provocou o comentário abaixo de um companheiro petista:
“Mas meu ponto é o seguinte: vamos trocar essa chapa pelo quê? Temos base (=pessoas na rua) pra sustentar a alternativa e inaugurar um governo contra as elites (que, ao contrário do povo, estão mais fortalecidas na pandemia)? Se não fizemos isso em 2014, por que justamente agora daria certo? A alternativa ao binômio Lula+Chuchu nos conduz com mais segurança ao próximo mandato ou nos distância do pódio? Caso nos distancie da vitória, vale a pena pagar o preço de ficar mais 8 anos de espectador em vez de tentar agarrar o timão urgente?
São essas coisas me que passam pela cabeça”
A esse comentário postei um texto, base do que se segue:
Obrigado por ter lido e comentado o texto. Pelo seu comentário, e você fala isso, mesmo sem concordar, consegui levantar questões que lhe mobilizaram. Acho que esse é o objetivo de um debate sério e construtivo. Mesmo sem concordar muitas vezes o que o outro fala nos leva a refletir de forma diferente.
O que você levanta é o ponto central dessa novela: trocar isso pelo que? O certo pelo duvidoso? Esse é o lado mais fácil e óbvio: uma aliança com Alckmin e setores da direita tem argumentos, até sólidos aparentemente, que simplificam as coisas e dão uma aparente força a ideia. Sem nenhuma dúvida é o caminho mais simples e fácil. E dá uma aparência de garantia de vitória nas eleições e na famosa “governabilidade”.
Mas essa aparente facilidade tem um custo alto. Estamos dispostos a pagar? Nós temos uma base social imensa. Em 2014 reelegemos Dilma. Em 2018 levamos Haddad ao segundo turno quando se acreditava que o PT estava nas cordas. E Haddad entrou em campo aos 30 minutos do segundo tempo. O Vira Voto foi um movimento de nossa base social que foi para as ruas colocar mesinhas e outras soluções para convencer as pessoas a mudar o voto. E funcionou. Tem uma figura que descreve bem o partido controlado pelas forças que o controlam hoje: somos um exército de soldados vietcongs comandados por generais paraguaios. Sem ofensa aos paraguaios, que foram violentamente massacrados pelo glorioso exército brasileiro. Essa base social tem força. O que não tem é direção, que prefere os Mesões da Conciliação a organizar o povo para bater os golpistas nas ruas, nas urnas e dar estabilidade a um governo popular.
A conciliação é uma posição política, uma visão de mundo, uma escolha que não é desse momento, vem de longe. Há alguns anos havia uma bela discussão e disputa política sobre duas grandes vertentes de ação: reforma ou revolução. Não que houvesse quem defendesse fazer a revolução naquele momento, mas sim que as mudanças que colocassem a classe trabalhadora no poder e realizasse a transição ao socialismo só se dariam em um processo revolucionário. Os ditos reformistas defendiam que a classe trabalhadora poderia chegar ao poder a partir de um processo de reformas sucessivas que acumulassem transformações sociais até que a transição ao socialismo se concretizasse sem um processo de ruptura revolucionária. O Mesão da Conciliação é herdeiro direto dessa tradição. O caminho da conciliação é o que levará a classe trabalhadora ao poder e a melhores condições de vida. Isso nos leva a fazer concessões atrás de concessões, rebaixando nosso programa e jogando a construção do socialismo para um futuro incerto, para as calendas.
Vamos trocar de nome? Sai Alckmin e entra, por exemplo, Luiza Trajano? Ou algum industrial? Não! Vamos mudar o processo de decisão no partido. O discurso de Lula ontem para os setoriais foi muito bonito, como ele sempre faz. Mas na prática resulta no que? Em nada! Ele antes de falar aí estava negociando o que até as pedras sabem e saiu dali para seguir fazendo o mesmo. Lula é muito hábil. Mas não é um deus encarnado. Errou muito no passado e segue errando no presente. E a CNB e seus satélites se escondem atrás dele para rebaixar a ação do partido a dizer amém para tudo que Lula faz. Estamos, para o bem e para o mal prisioneiros de um homem. E sem nenhuma alternativa visível.
Precisamos antes de qualquer coisa de coisa de um programa mínimo. Estamos entregando a Lula e seus apóstolos os destinos do partido e do país. E aí cabe a pergunta: a troco de que? De mais quatro anos no governo? Para fazer o que, manietados pela presença de golpistas no centro do poder? Veja o Chile. O presidente eleito montou um ministério com mais mulheres, com professores, com pessoas que vieram das escolas públicas, uma maravilha. Mas quem foi o escolhido para o ministério da economia? O atual presidente do Banco Central! Que mensagem isso passa? É a situação que vivemos agora aqui. Que mensagem para o povo essa posição de Lula e do PT passa? Vamos ter um governo comprometido com as causas do povo ou com os compromissos assumidos nessa negociação a portas fechadas e com a participação dos iluminados?
Não precisamos de um nome. Precisamos de um partido forte. De um programa mínimo que sirva de base para a discussão de uma política de alianças e não de uma política de capitulação frente aos interesses da burguesia e do império do norte, que certamente também deve estar conversando com Luiz Inácio e seus apóstolos. Um programa sintonizado com os anseios e as necessidades de nosso povo. Um governo dos trabalhadores e trabalhadoras, com claro caráter de classe.
Isso não significa chapa puro-sangue, alianças somente com a esquerda e isolamento político. Nem enxotar apoios de nenhuma natureza. Alianças eleitorais e na formação de um governo são obviamente necessárias. Não temos vocação para Dom Quixote nem pretendemos enfrentar moinhos de vento. O que é necessário é um programa que atenda o povo e uma estratégia clara de organização da classe trabalhadora e do povo. E de nomes em posições chave do governo que defendam e implementam esse programa. Isso certamente Alckmin e os seus parceiros não farão.
Da fala de Lula no encontro com os setoriais do partido o que se pode tirar de útil é ele falar que a base precisa pressionar a direção. Que o partido é os seus militantes. Portanto companheiros e companheiras, vamos falar, gritar, escrever para virar essa posição esdrúxula e varrer o conservadorismo e a as políticas de conciliação.
À luta!
Texto anterior: https://pagina13.org.br/lula-o-pt-e-o-caminho-para-o-brejo/
(*) Luiz Sérgio Canário é militante petista em São Paulo -SP