*Olavo Brandão Carneiro
No dia 29 de novembro de 2018 a revista Veja publicou o que chamou de trechos de uma entrevista concedida por Washington Quaqua (https://veja.abril.com.br/politica/fora-bolsonaro-e-uma-bobagem-diz-presidente-do-pt-fluminense/), atual presidente estadual do PT-RJ e da tendência interna CNB.
A entrevista publicada certamente foi editada para realçar interpretações (o que ninguém da esquerda pode se dizer surpreso em se tratando do principal panfleto da direita brasileira), mas até o momento Quaqua não fez nenhuma correção pública, então suponho que em linhas gerais corresponde ao que foi dito.
As ideias expressadas na entrevista merecem análise por expressarem a opinião de muitas pessoas, dentro e fora do PT, Quaqua é um dos intelectuais orgânicos da CNB, dirige a maioria partidária em um estado estratégico do Brasil e onde sofremos a maior derrota eleitoral e política para o bolsonarismo.
O panfleto da direita afirma que a “direção nacional do PT” é contra qualquer autocrítica. Posta desta maneira a afirmação não é verdadeira. Primeiro porque a direção já aprovou várias resoluções autocríticas. Segundo, porque dentro da direção existem várias posições autocríticas. O que não ocorre é a autocrítica esperada pela imprensa golpista, que diz ser o PT uma organização criminosa e Lula o seu chefe. Dito isto, é importante enfatizar que a autocrítica da atual maioria do PT tem sido insuficiente, ao não tocar na questão do esgotamento da estratégia da conciliação de classes.
Sem questionar a pergunta, Quaqua entra no tema do isolamento e das alianças, elege Dilma e seu suposto estreitamento político como elementos centrais de uma autocrítica. Ele acusa a Dilma de algo que ela não fez. Ele apaga da memória que Dilma teve como vice Michel Temer, nomeou Levy, Kátia Abreu, Armando Monteiro, Cid Gomes, Kassab, Eliseu Padilha, Occhi. O que mudou na verdade foi que as alianças com a direita não funcionaram mais, porque a direita mudou de posição.
Nós da Articulação de Esquerda discordamos sistematicamente da política do governo Dilma. Mas não compartilhamos deste tipo de crítica que Quaqua faz a Dilma. Ele abusa de adjetivos desqualificadores e atribui a um individuo a plena responsabilidade sobre o complexo processo histórico em curso: “A culpa pela derrocada do PT então foi toda da ex-presidente Dilma? Ela e os erros dela. Nós começamos a ser derrotados na medida em que a Dilma abandonou a nossa política de alianças e decidiu restringi-la à esquerda, maltratando a base de centro, que foi o motivo da eleição de Lula. Ela tem um espírito autoritário — e era incompetente, fez políticas muito regressivas e não precisava.”.
O tipo de crítica feita pelo Quaqua a Dilma é claramente machista e deve ser rechaçado, tom e conteúdo que não são usados com lideranças masculinas que adotaram posturas iguais ou piores. É visível um preconceito de gênero, infelizmente uma postura semelhante aos ataques oriundos da direita.
Outra discordância de fundo é que a crítica de Quaqua ignora a luta de classes e o papel do partido. Ou seja, ignora os interesses das classes dominantes, nacionais e internacionais, no pré-sal, no destino do orçamento público, nas terras, recursos naturais e empresas públicas. Durante os dois mandatos de Dilma a postura das elites mudou e inviabilizou a política de alianças dos governos Dilma e Lula. Ignora que ocorreu também um afastamento paulatino da classe trabalhadora do PT, em parte por erros nossos e em parte pelo clima objetivo (condições de vida) e subjetivo (campanha midiática) em construção contra nós.
Sobre o papel do partido, Quaqua parece esquecer que ele e a CNB impediram a aprovação de qualquer resolução crítica aos governos Dilma. Talvez o momento mais emblemático tenha sido o Congresso em Salvador em 2015, onde se rejeitou qualquer menção a política econômica de Joaquim Levy (https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,documento-do-congresso-do-pt-nao-confronta-dilma-e-desbasta-ataques-ao-ajuste-,1705771).
Esta operação de atribuir à Dilma a razão do golpe parlamentar-midiático-empresarial resulta, em boa medida, do fato de que setores da esquerda brasileira, do qual Quaqua faz parte, não percebem que o golpe foi fruto não de erros táticos nossos, mas de mudança de estratégia das classes dominantes. Mudança possível a qualquer momento e que a esquerda não se preparou para ela. Não se preparou por conta da estratégia da conciliação de classes e da ideologia reformista, que desarmou a classe trabalhadora e o partido.
Sobre o companheiro Lula, Quaqua defende uma solução tão inviável quanto humilhante. A solução proposta por Quaqua também resulta da matriz ideológica que o orienta. Esta matriz conduz a uma estratégia de conciliação de classes completamente descolada da atual realidade brasileira. Este descolamento o impede de perceber que o lado de lá não quer nenhum acordo. Em vez de acordos, precisamos assumir a campanha Lula Livre.
A campanha Lula Livre deve ser uma das nossas principais ações do próximo período porque é parte essencial das lutas pelas liberdades democráticas, que ao lado da luta por soberania e direitos sociais compõe o tripé da nossa orientação para o período. A campanha tem como objetivo a anulação da pena e libertação de Lula. Libertar Lula sem anulação da pena é insuficiente, sua condenação se refere ao projeto de país por ele defendido. Portanto, propor um acordo com os inimigos e uma saída da cadeia pela porta dos fundos, mesmo que resulte em melhorar as condições carcerárias do presidente, não é solução adequada. Alias o próprio presidente tem recusado este tipo de saída e tem dito que mais importante que a liberdade é a anulação de pena.
Quaqua na entrevista diz “O PT tem de assumir como luta a democracia liberal, os preceitos do liberalismo e a defesa dos direitos fundamentais. Temos que fazer uma mea-culpa de nossa história de gritar “fora seja-lá-quem-for” e pedir impeachment de presidentes. Nós temos que deixar Jair Bolsonaro governar até o fim. Não podemos mais ser sócios de impeachment neste país. Gritar “Fora Bolsonaro” é uma bobagem.”. Para quem viu como Bolsonaro fez 70% dos votos no RJ, com toda espécie de ilegalidades e manipulações de amplo conhecimento, e a sua agenda entreguista e antipovo, defender que o PT adote a postura de oposição “paz e amor”, é no mínimo irresponsável com os interesses da maioria do povo. O PT deve fazer o oposto, ser a bancada mais combativa contra as pautas neoliberais e denunciar as contradições entre o prometido na campanha e o realmente realizado no governo neofascista.
Para encerrar, reforço que as posições expressas pelo Quaqua na entrevista expressam posições de setores expressivos do PT e da esquerda. Estas posições são orientadas pela estratégia de conciliação de classes. É urgente superar esta estratégia e a forma de condução do partido nacional e estadualmente. Mais do que nunca a esperança é vermelha e precisamos de um PT para tempos de guerra.
*Olavo Brandão Carneiro é membro do Diretório Regional PT-RJ