Por Gilson Goz (*)
Em tempos idos, negros e negras fugitivos se aquilombavam mata adentro na perspectiva de eliminar das suas vidas a tortura, a fome e a morte que lhes eram impostas por uma elite branca escravagista que jamais enxergou o povo negro como humano. Portanto, jamais houve sensibilidade para a tragédia imposta aos trabalhadores e trabalhadoras escravizados.
O estado brasileiro foi montado, arquitetado e estruturado a partir das perspectivas elitistas brancas que ocupam todas as esferas estruturais, que direcionam as políticas públicas em todos os níveis de poder: centrais e periféricos.
Agravam essa situação as influências externas no campo da política e da economia, como a implantação e execução das políticas neoliberais que aqui encontram seus pares defensores, levando isso a cabo não importando as consequências para o povo brasileiro e em especial para a classe trabalhadora.
Como exemplo, assistimos estarrecidos como se comportaram e se comportam essa elite e seus cães de guarda diante da crise pandêmica, ambiental e econômica que assolam o Brasil.
Os reflexos são milhares de mortos, uma Amazônia sendo devastada junto com os povos originários e milhões de pessoas na miséria, fome e desemprego. Mas, não fica só nessas evidências os traços e as características de uma sociedade onde a elite política e econômica respira e transpira o escravagismo moderno, onde o Apartheid social está na arquitetura e no desenvolvimento planejado, como por exemplo, se estabelece quando, onde e como a classe trabalhadora (em sua maioria negros e negras) devem morar ou frequentar.
Em Pernambuco, algumas cidades como Recife, Olinda, Paulista, Jaboatão e Camaragibe vivenciaram nos últimos dias a tragédia anunciada das chuvas que atingiram morros e alagados, provocaram deslizamentos e soterramentos, inclusive mortes. A classe trabalhadora se vê obrigada a ocupar essas áreas duramente atingidas, porque aqueles que planejam as cidades, o estado e a sociedade, definem nos seus orçamentos quem deve ser beneficiado ou não.
Morreram sufocados em barro e lama 129 pessoas até o momento. Além desse número de óbitos, o temporal deste ano deixou mais de 6 mil pessoas desabrigadas. Essa tragédia já é considerada o maior desastre do século 21 em Pernambuco.
Os números são frios e uma conta que não fecha nunca, porque a falta de ar e o sufoco no dia a dia da classe trabalhadora não foram só causados pela Covid 19. O transporte, a moradia, os serviços básicos essenciais e a infraestrutura fazem parte de uma realidade cruel que se assemelha aos antigos quilombos.
Perdas irreparáveis de crianças, adolescentes e adultos e um vazio profundo que nos remete a ancestralidade e que enxergamos hoje, nosso povo aquilombado, vigiados, torturados e aterrorizados naquilo que conhecemos por favelas ou comunidades.
O cerco a esses “quilombos modernos” parte das estruturas do Estado, através das suas secretarias sociais, infra estrutura, segurança, etc., mas não só. E o eco do açoite de ontem, que fazia escoar rios rubros hoje, tem um estampido diferente, ensurdecedor e aterrorizante que junto com o descaso, o abandono, a morte e a fome, deixam no ar o cheiro forte de pólvora e enxofre. A classe trabalhadora merece mais respeito! O povo negro merece e deve entrar nas planilhas orçamentárias e serem reconhecidos como grandes construtores dessa nação.
Basta de descaso!
Basta de racismo!
(*) Gilson de Goz é secretário de combate ao racismo da CUT-PE