Reflexões sobre as eleições de Contagem

Por Adriana Souza e Luiz Bittencourt (*)

As linhas que seguem abaixo são fruto do esforço reflexivo de militantes envolvidos no processo eleitoral de Contagem a partir das lutas sociais da cidade. Portanto carregam em si, um ponto de vista que não se pretende geral, nem mesmo imparcial, mas que busca contribuir com o balanço eleitoral do campo popular e democrático em nosso país.

A vitória do PT com a candidatura de Marília na terceira maior cidade de Minas, está inserida no contexto eleitoral de 2020, ou seja, de aparente recuo geral da esquerda (PT, PCdoB e PSOL), mas também, de tímida recuperação política a partir das cidades médias. Para entender o processo que levou a essa vitória, se faz necessário retomar o caminho percorrido.

No início de 2020 a avaliação apresentada pelo Conselho político do mandato de Marília era do seu favoritismo nas eleições, baseado nos seguintes fatores: 1) o legado e a memória dos mandatos de Marilia como prefeita, tendo saído com índice de 72% de aprovação (2005-2012) e a atuação recente como deputada estadual (2014-2020). 2) a noção de que o desgaste da campanha nacional contra o PT não afetaria Marília, que seria uma liderança “para além do petismo na cidade”; 3) A oposição a atual gestão municipal, que contava com altíssimo nível de rejeição, e, por isso, sequer disputou a reeleição 4) a ausência de candidaturas competitivas na direita da cidade que pudessem polarizar com Marília e o PT.

O período de pré-campanha

Diante do cenário favorável, Marília conseguiu atrair já nos primeiros momentos, o PCdoB e o PSB para sua aliança eleitoral. A campanha optou por evitar qualquer tipo de polarização que envolvesse questões nacionais, focando o debate no legado de Marília na cidade, já que se vislumbrava um cenário positivo para a sua candidatura, mas negativo para o Partido, derrotado nas eleições presidenciais de 2018.

A pré-campanha foi realizada exclusivamente por atividades virtuais, em função da pandemia do coronavírus, o que acabou excluindo parte da população que não tinha acesso à internet e a um equipamento que desse conta das plataformas utilizadas. Neste período foram feitas dezenas de reuniões setoriais e regionais, que atingiram milhares de pessoas. Nessas atividades, fazia-se a escuta das demandas da população e dos diversos setores organizados da sociedade, que foram base para elaboração do Plano de Governo de Marília.

Paralelamente à campanha, aconteciam iniciativas autônomas do movimento social em oposição ao governo Alex de Freitas. Destaca-se aqui, as atividades de formação e mobilização de rede do Coletivo Com Elas, as lutas em defesa da Revisão do Plano Diretor pelo movimento ambientalista SOS Vargem das Flores e as ações da Frente Brasil Popular de Contagem. Desta última, destaca-se a campanha Fora Bolsonaro entre os meses de junho e setembro e o Congresso Virtual do Povo de Contagem, realizado entre os meses de maio e outubro, que mobilizou a militância na formação e elaboração de uma Plataforma Popular e Democrática para a cidade. Tais ações contribuíram para a construção de uma unidade da militância de esquerda nas lutas sociais.

No tabuleiro eleitoral, o período de pré-campanha, desenhou-se com 16 candidaturas para a disputa da prefeitura. Desta forma, a estratégia inicial das diversas candidaturas de direita na cidade seguiu a lógica de “marchar separadas, mas golpear juntas” a candidatura petista. Ao menos 5 candidatos eram vinculados a gestão do atual prefeito Alex de Freitas (DEM, CIDADANIA, PDT, Republicanos e PTC) e três delas adotaram desde o início uma vinculação ostensiva ao campo bolsonarista (PSL, PL e NOVO). A fragmentação inicial beneficiou a pré-campanha de Marília, já que inibia o surgimento de um adversário mais sólido.

Na reta final de inscrição das chapas, as retiradas de duas pré-candidaturas definiram o perfil da disputa eleitoral: Ademir Lucas (ex-prefeito da cidade derrotado por Marília), que passou a ser apoiador de Saliba (DEM) e de Ricardo Faria (MDB), que se tornou vice-prefeito de Marília Campos. No campo da esquerda, o nome de Ricardo Faria e a aliança com o MDB gerou críticas, mas não inviabilizou a adesão dos movimentos a campanha e a convicção da necessidade da eleição da candidata do Partido dos Trabalhadores.

O primeiro turno     

Neste momento, a campanha petista adotou como tática principal a utilização de caravanas lideradas por Marília Campos e seu vice, como forma de diálogo e encontro com a população. Com estas caravanas se notabilizou a liderança e representatividade de Marília na cidade, que recebeu inúmeras manifestações espontâneas de apoio do povo. As imagens e mensagens do eleitorado deixaram claras a densidade da campanha de Marília e sua capacidade de quebrar a apatia e, até mesmo encantar, parcela significativa da população com a participação política. Seu legado era nitidamente reconhecido pela população.

As demais candidaturas adotaram tom de crítica ao PT, e, em menor medida, à candidata. Neste cenário, ganhou destaque, a campanha ostensiva de rua do candidato do DEM, Felipe Saliba, vinculada sobretudo a isenção do IPTU na cidade.  Saliba adotou o perfil do “outsider”, bem como, uma postura política extremamente agressiva. Além disso, contou com forte aporte de recursos, colocando-se como o antagonista da candidatura petista. A estratégia da direita de “marchar separados e golpear juntos”, teve êxito ao levar a eleição para o segundo turno. Contudo, a pretendida unidade entre eles ficou comprometida em função da disputa fratricida entre as 03 candidaturas mais bem colocadas.

Na reta final de campanha, os resultados de pesquisa demonstraram um pequeno declínio das intenções de voto para Marília (de 45% para 40,9%) e, apontaram o segundo colocado como sendo a candidatura do Republicanos. Contudo, a campanha de rua indicava um crescimento rápido de Saliba (DEM). Ainda assim, nossa campanha indicava a possibilidade de vitória no 1°turno. Contudo, os ataques antipetistas a Marília, combinada a ausência de uma resposta mais efetiva de nossa campanha, levaram a um resultado no qual Marília encerrou o 1º turno, com 41,83% e Felipe Saliba com 18,41%. O terceiro colocado, Dr. Wellington (Republicanos) acabou com 14,09%.

Na disputa da Câmara, o resultado das candidaturas do PT foi aquém do esperado. O partido terminou como o quinto mais votado de Contagem com 19.532 votos (6,62% dos votos da cidade), sendo 6.275 para votos de legenda (32,12% dos votos totais da chapa). Com isso, o PT reelegeu o atual vereador, Zé Antônio, e elegeu a jovem negra Moara Sabóia. A novidade positiva foi o desempenho do Coletivo Com Elas que obteve, com quatro candidaturas de mulheres fortemente vinculadas aos movimentos sociais da cidade, 4.406 votos (22,5% dos votos totais do Partido). Esta expressiva votação e a eleição de Moara Sabóia, aponta para o caminho de construção de candidaturas comprometidas com a militância petista e com as lutas sociais.

O Segundo Turno

Esta etapa começou com claro viés de polarização por parte do adversário, que apostou todas as suas fichas no antipetismo e na divulgação de mentiras pela cidade.  Os primeiros movimentos da nossa campanha privilegiaram a construção de alianças com os candidatos a prefeito que ficaram no 3° e 4° lugar no 1° turno (PDT e Republicanos), vereadores eleitos e lideranças religiosas. Dos 21 vereadores eleitos, 17 apoiaram Marília e os apoios do PDT e Republicanos se consolidaram.

Esse movimento tático não conteve o crescimento acelerado do adversário, que acabou unificando a extrema direita de Minas Gerais. Todo o arsenal bolsonarista passou a ser utilizado: distribuição de panfletos apócrifos em igrejas, carros de som com mensagens mentirosas de apoio do atual prefeito a Marília, panfletos, bandeiras e faixas “Fora PT” estrategicamente espalhadas pela cidade, além do famigerado boneco inflável do Lula.

Toda esta mobilização deixou a campanha e os apoiadores na defensiva. Por parte da coordenação, o enfrentamento foi feito através de medidas judiciais e vídeos-respostas da candidata desmentindo os ataques. O fato é que a campanha do adversário conseguiu transferir para Marília parcela da rejeição promovida pelo antipetismo, e, parte de nosso exército estava pautado apenas no debate local, não tendo se preparado para esta batalha.

Nos movimentos sociais, a avaliação do 1° turno era diferente. Mesmo Marília tendo saído vitoriosa com larga diferença para o segundo colocado, avaliou-se que o 2º turno seria “voto a voto”, devido ao crescimento de Saliba e às características da campanha. Diante disso, ficou clara a necessidade da tomada das ruas no corpo a corpo pela militância. Com esse objetivo, foi organizada a campanha “Nós por Ela”, que baseou-se em uma ocupação territorial da cidade com panfletagens militantes diárias, atos de rua e constante diálogo com a população. E assim foi feito: a militância não tirou o ‘pé do acelerador’ e esteve todos os dias nas ruas até o momento da fiscalização no dia da eleição, mesmo diante da hostilidade e violência política tipicamente bolsonarista promovidas pela campanha adversária.

A vitória veio e foi emocionante. Conforme previa a militância que estava nas ruas, o resultado foi apertado. No fim, a diferença de votos foi de apenas 7.781 votos (1,7% dos votos válidos). É importante observar que, mesmo com as novas alianças, Marília cresceu 28.813 votos, enquanto seu adversário teve um ganho de 87.616 votos em relação a sua votação no primeiro turno.

Vitória política e eleitoral em Contagem

Consideramos que a vitória petista em Contagem foi, ao mesmo tempo, uma vitória eleitoral e política. Vitória eleitoral porque, mesmo sendo apertada, o arco de alianças constituído pela coligação “Contagem Feliz de Novo” (PT, PCdoB, PSB e MDB) saiu vitorioso das urnas, resistindo à força eleitoral da candidatura do DEM que estava num movimento nítido de virada. Além disso, apesar das alianças não terem apresentado o crescimento esperado, a liderança e legado de Marília impediu a corrosão de sua ampla base eleitoral pelo uso do antipetismo.

Já a vitória política se relaciona a alguns elementos: 1) apesar da opção por não polarizar, Marília Campos possui indiscutivelmente o “DNA petista”: compromisso com a participação popular, com a inclusão e a defesa de direitos sociais. Essa identidade e representatividade garantiu apoio e militância de uma base social historicamente ligada às lutas da cidade; 2) Embora a chapa de vereadores/as do PT tenha ficado aquém do esperado, o fato é que ampliou-se a representação parlamentar de 01 para 02, sendo que, o desempenho positivo das candidaturas femininas vinculadas aos movimentos sociais, e a eleição de uma delas, representaram um salto político qualitativo; 3) a capacidade de mobilização social e a organização dos movimentos sociais, construíram unidade de ação entre a militância petista, pecedobista e psolista durante todo os anos de 2019 e 2020, o que potencializou o apoio de todos eles à candidatura de Marília em suas bases, mesmo sem o apoio oficial da direção partidária do PSOL, por exemplo.

Os resultados devem agora ser debatidos e avaliados pelo conjunto de nossa militância para que possamos definir as estratégias partidárias a serem tomadas nos evidentes confrontos que teremos para execução de um governo avançado e continuidade da mobilização e organização popular na cidade.

  (*) Adriana Souza é professora da Rede pública, ativista do coletivo Com Elas e militante petista em Contagem. Luiz Bittencourt é professor da Rede pública e militante do PT em Contagem. 


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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