A tendência petista Articulação de Esquerda realizou, nos dias 13, 14 e 15 de dezembro de 2019, uma plenária nacional que fez um balanço do 7º congresso do PT, analisou a conjuntura e as perspectivas da luta de classes em 2020 e definiu as tarefas da AE para o próximo período.
A seguir apresentamos trechos da resolução aprovada.
Neste final de 2019, início de 2020, o cenário mundial segue marcado pela ameaça de uma nova crise econômica global (similar à de 2008), pelos esforços dos Estados Unidos de superar suas debilidades e recuperar as posições perdidas, pela ascensão da República Popular da China e de outras potências, pela ressurgência do fascismo, pelas ameaças de guerra geral e por conflitos militares em curso, pela ofensiva dos capitalistas contra a classe trabalhadora, pela luta da classe trabalhadora e dos setores populares em defesa de seus direitos e liberdades. Um cenário de crise e instabilidade, que pode desembocar tanto em cenários ainda mais reacionários, quanto em giros à esquerda e até revolucionários.
Entre os muitos episódios que se destacam neste cenário contraditório, destacamos as eleições na Grã-Bretanha. A vitória dos conservadores aponta para um Brexit duro. Por outro lado, a derrota dos trabalhistas confirma que a esquerda europeia (inclusive seus melhores representantes, como Jeremy Corbin) segue com dificuldades de enfrentar o debate sobre a União Europeia.
Também neste final de 2019, início de 2020, o cenário latino-americano e caribenho ainda segue marcado pela ofensiva reacionária dos EUA e de seus aliados, no sentido de ocupar os espaços que as esquerdas, setores populares e nacionalistas conquistaram desde 1998. Essa ofensiva reacionária teve início logo depois da crise de 2008 e, desde então, vem assumindo diferentes formatos: sabotagem, bloqueios e ameaças de agressão militar direta; golpes clássicos e golpes de novo tipo; vitórias eleitorais seguidas de governos ultraliberais e violentos. Embora contabilize importantes êxitos (El Salvador, Bolívia e Uruguai são os casos mais recentes), a ofensiva reacionária comandada pelos EUA enfrenta firme resistência popular, como fica demonstrado por exemplo no Chile, Equador, Colômbia, Bolívia e Haiti. Além disso, setores progressistas governam o México e recuperaram o governo na Argentina; e a esquerda segue governando a Nicarágua (com imensas dificuldades e contradições que merecem análise à parte), Venezuela e Cuba.
Neste contexto, há uma polêmica sobre o esgotamento, o fim ou o reinício do “ciclo de governos progressistas e de esquerda” (1998-2008). Nossa posição é: dada a situação mundial e dada a situação interna dos países da região, não está visível no horizonte um novo “ciclo” de governos que, sem alterar as estruturas internas e aproveitando-se de uma favorável conjuntura externa, tentem melhorar a vida do povo, ampliar as liberdades, afirmar a soberania e integrar a região. O que pode e precisa existir é um ciclo de governos de esquerda, que se baseiem na alteração radical das estruturas de poder, propriedade e produção de cada uma e do conjunto das sociedades da América Latina e Caribe. Motivo pelo qual ganham imensa atualidade a estratégia e o programa socialista.
Assim, é essencial prosseguir o debate sobre a experiência dos governos progressistas e de esquerda. A recente derrota eleitoral no Uruguai e o golpe de Estado na Bolívia são cheios de ensinamentos para a esquerda latino-americana e caribenha. Ficou patente, por exemplo, como inclusive setores verbalmente revolucionários da “nuestraesquerda” seguem prisioneiros de ilusões eleitorais, republicanas, reformistas. Sem a superação destas ilusões, nossas vitórias e conquistas serão periodicamente destruídas pelo contra-ataque das classes dominantes.
No Brasil, o ano de 2019 foi marcado pela ofensiva do governo Bolsonaro contra a soberania nacional, os direitos sociais, as liberdades democráticas, a integração regional, o desenvolvimento, o meio ambiente, os direitos humanos, a cultura e o pensamento de esquerda. Confirmou-se que o governo Bolsonaro é muito mais do que o presidente e seu clã familiar. Há uma coalizão ultraliberal governando o país, aplicando o seu programa e disposta a institucionalizar um Estado de Exceção, percebendo que isto é uma condição para a “sustentabilidade” de seu programa. Esta coalizão tem apoio majoritário na classe capitalista, no sistema judiciário, nas forças armadas, no oligopólio da comunicação, na cúpula de igrejas muito influentes e, além disso, conta com o apoio de pelo menos 30% da população brasileira. Parte deste apoio é sustentado pela mesma operação de comunicação de massas, inclusive as chamadas “Fake News”, que contribuíram para o golpe de 2016 e a fraude de 2018.
O ambiente neofascista não é estimulado apenas pelo governo Bolsonaro. Os governos Witzel e Dória e de outros governadores e prefeitos; as declarações da cúpula militar e a ação das polícias militares em todo o país; a chacina em Paraisópolis e a violência cotidiana contra pobres, pretos e periféricos, violência que inclui aberrações como a indicação de um racista para presidir a Fundação Palmares; o crescimento dos casos de feminicídio, de racismo e de lgbtfobia; os atentados contra lideranças populares; o aprofundamento do genocídio dos povos indígenas; a formação do “Partido do 38”; o terraplanismo e outras subculturas mostram que estamos diante de um “movimento de massas” de extrema direita, cuja derrota exigirá muito mais do que travar com êxito disputas eleitorais.
Frente à ofensiva reacionária, a mobilização popular enfrenta sérias dificuldades. Por um lado, há regiões do país (como por exemplo o estado do RS) e determinadas situações em que se desenvolvem lutas, protestos e mobilizações. Grande parte destas lutas é defensiva (contra perda de direitos), envolvendo diretamente os atingidos, havendo às vezes dificuldade de vincular a demanda específica e a situação política geral do país. Por outro lado, as mobilizações gerais oscilaram. No primeiro semestre de 2019 tivemos ações importantes (por exemplo, os dias de luta contra a reforma da previdência, a luta contra os cortes na educação e a greve geral); mas,com exceção da mobilização ocorrida em maio, que conseguiu envolver parcela significativa dos trabalhadores em educação e estudantes, as mobilizações ficaram restritas à militância e suas “franjas”. Ou seja, ficaram limitadas à vanguarda da classe. No segundo semestre de 2019, ao mesmo tempo que seguem as lutas, protestos e mobilizações específicas, as mobilizações gerais entraram numa curva decrescente, o que ajuda a entender por qual motivo o governo e o Congresso conseguiram aprovar diversas medidas e “reformas” enfrentando pouca resistência social. Noutras palavras, cresce o mal-estarsocial, aumenta a impopularidade do governo Bolsonaro, mas isso não se traduz em mobilização política global contra a coalizão golpista, o neofascismo e o programa ultraliberal.
Paradoxalmente, foi nesse contexto que ocorreu a soltura de Lula (não sua liberdade: Lula ganhou o direito de se defender em liberdade). Lula parcialmente livre é uma vitória, mas uma vitória proporcionada mais pela disputa em curso na coalizão golpista e menos por uma pressão insuportável a partir dos de baixo. E um setor do golpismo segue operando para que Lula volte à prisão, seja via novas condenações, seja através da alteração da legislação. Apesar disso, há setores da esquerda e do PT que acham que, com a soltura de Lula, “o pior já passou”. Esta interpretação equivocada gera a retomada do comportamento conciliatório que caracterizou o período anterior ao golpe, refletindo-se no comportamento da bancada parlamentar de esquerda, que por exemplo no Senado deixou passar sem resistência a previdência dos militares; e na Câmara aprovou um substitutivo ao projeto medieval de Moro, substitutivo que inclui (agora com a “digital” de amplos setores da esquerda) dispositivos gravíssimos do ponto de vista das liberdades democráticas. E que, apesar disso, foi vendido por alguns (tanto no PSOL e no PCdoB, quanto no PT) como uma “vitória” ou “meia-vitória”.
O refluxo da mobilização popular não vai durar para sempre. Mais cedo ou mais tarde, o mal-estar social provocado pela deterioração cada vez maior das condições de vida e trabalho tende a se converter numa onda de lutas. Aliás, o próprio governo Bolsonaro está se preparando para esta possibilidade. O fato de que em vários países vizinhos ao Brasil tenhamos assistido, em 2019, a rebeliões populares contra governos e medidas ultraliberais, levou o governo Bolsonaro a admitir publicamente estar considerando medidas para o caso disto acontecer também em nosso país. Este é o pano de fundo das várias declarações em favor de um novo AI-5, para iniciativas legislativas de endurecimento da legislação penal, para ampliação dos recursos para a segurança e defesa, para o discurso violento do presidente da república e de vários governadores, como Doria e Witzel.
Frente a esta complexa e difícil situação, o campo democrático, popular e de esquerda precisa apostar na mobilização e na luta, que podem assumir as mais variadas formas, inclusive nas manifestações durante o Carnaval, nos enfrentamentos cotidianos no campo da cultura e nos processos contra o aumento das tarifas de transporte que marcam o calendário de lutas no início de todos os anos.
Entretanto, o campo democrático, popular e de esquerda segue dividido entre diferentes linhas políticas. Há os que defendem construir uma “frente ampla”, incluindo nela parcelas do golpismo. Há os que defendem construir uma “frente de esquerda”. E há os que defendem uma política de alianças baseada na “geometria variável”, alegando (como fez a tese da CNB ao 7º congresso do PT) não haver contradição entre fazer alianças com golpistas e, ao mesmo tempo, construir uma frente de esquerda.
No terreno da estratégia, há os que defendem manter a “estratégia eleitoral” e os que defendem construir uma “estratégia de novo tipo” contra uma dominação de novo tipo.
Tais divergências táticas e estratégicas se materializam, por exemplo, em diferentes políticas para enfrentar as eleições de 2020: a tática dos governadores petistas de não ter candidaturas do PT em várias cidades chave (como pode ser o caso de Fortaleza e Teresina), ou mesmo de filiar ao PT figuras de direita para serem candidatos (como pode ser o caso de Salvador); a ridícula e inaceitável proposta de “aliança” com Marta, a trânsfuga golpista; a resistência de Fernando Haddad a ser candidato a prefeito em São Paulo capital, etc.
As divergências se materializam, também, na tática das bancadas no Congresso Nacional frente a temas importantes (previdência, pacote anticrime, Aras etc.); na postura dos governadores petistas, frente a reforma da previdência nos estados e municípios e frente àsprivatizações. Assim como se materializam em diferentes atitudes no movimento de massas etc.
Além de dividido politicamente, o campo democrático, popular e de esquerda também está enfrentando graves problemas organizativos, de financiamento, de capacidade de comunicação e mobilização de massa. Estas debilidades, que são reais e que evidentemente não serão superadas apenas com alteração na linha política, são frequentemente usadas como argumento para defender uma orientação política recuada. Os que agem assim não percebem que sem mudar a orientação política, não conseguiremos superar as debilidades organizativas. A mudança de linha política não é condição suficiente, mas é condição necessária.
A mudança da linha política do Partido dos Trabalhadores segue sendo a “pedra de toque” da conjuntura. Claro que, por exemplo, no PCdoB e no PSOL também existem posições pró-alianças amplas e pró-estratégia eleitoral. Mas se o PT, principal partido de esquerda do país, seguir prisioneiro de uma estratégia ultrapassada e de uma tática organizada pela “busca do centro perdido”, será muito difícil evitar novas derrotas, inclusive, mas não somente eleitorais. Portanto, segue sendo essencial que o PT mude de linha, de estratégia, de tática e de funcionamento.
Foi com base nas orientações resumidas nos parágrafos anteriores que disputamos, durante o ano de 2019, o Congresso da UNE, o Congresso da CUT e o Congresso do PT. A Direção nacional da AE já aprovou resoluções específicas de balanço dos congressos da UNE e da CUT.
[Sobre nossa participação no 7º Congresso do PT]
Primeiro, é preciso lembrar que houve uma disputa para que o 7º Congresso acontecesse. A resistência em realizar o Congresso, bem como a recusa em realizar a consulta plebiscitária aos filiados sobre o modelo de eleição das direções, demonstraram a resistência de setores do partido em permitir a discussão e a possível mudança da linha política, da tática de enfrentamento ao governo Bolsonaro, da estratégia petista de disputa do poder e do próprio funcionamento partidário.
É importante constatar que, se o Congresso do PT tivesse ocorrido logo depois das eleições de 2018, como propusemos, é provável que a conjuntura influísse mais favoravelmente nas resoluções aprovadas. Ao deixar o Congresso para o segundo semestre de 2019, com eleição no dia 8 de setembro, a CNB operou de tal maneira que a conjuntura de refluxo nas lutas influiu negativamente sobre as resoluções.
Lutamos para que o Congresso do PT aprovasse uma tática de oposição total a Bolsonaro, uma estratégia adequada aos “tempos de guerra” que vivemos e medidas organizativas sintonizadas com um partido de militantes, de luta social e de combate político contra o neofascismo e o ultraliberalismo. É preciso dizer claramente: no que diz respeito à estratégia e à organização, não aconteceu nada disso. O Partido segue, ao menos majoritariamente, sem compreender que Bolsonaro não é um raio em céu azul, mas uma opção de um grande pedaço da classe dominante; e segue sem tirar as devidas consequências, estratégicas e organizativas, do fato de que estamos diante de um governo neofascista e miliciano: como dizer isso e ao mesmo tempo organizar toda a linha política em torno da agenda eleitoral?
No que diz respeito às resoluções táticas do 7º Congresso, prevaleceu a ambiguidade: Lula, corretamente, discursou na abertura do Congresso em favor da “polarização”; mas a resolução aprovada pela maioria do Congresso segue depositando enormes esperanças nas virtudes do “centro perdido” e, coerente com isto, compromete o partido em alianças com o “centro” inclusive em temas programáticos como a reforma da previdência, como vimos no Pará, em que 2 deputados e 1 deputada do PT votaram na “reforma” proposta por Hélder Barbalho. Em outros estados (como Sergipe, Ceará e Piauí) setores do PT seguem pelo mesmo caminho.
É importante assinalar por quais motivos o 7º Congresso do PT não mudou a estratégia, não aprovou uma tática coerente e não mudou o padrão de funcionamento do Partido. A resposta é simples: porque estas teses não receberam o apoio da maioria dos filiados. E não receberam este apoio por três motivos diferentes: a) em primeiro lugar, porque grande parte da base do Partido e da classe trabalhadora segue adotando uma “postura defensiva” frente à situação política global e depositando grandes esperanças no funcionamento republicano das instituições do Estado; b) em segundo lugar, por erros, insuficiências e debilidades, tanto políticas quanto organizativas, da chamada “esquerda” do PT; c) em terceiro lugar, porque os métodos adotados pela tendência hoje majoritária (métodos emulados por outros setores do Partido) dificultam e quase impedem a constituição de uma nova maioria.
O ocorrido no 7º Congresso confirmou, mais uma vez, que a mudança de rumos de um partido de massas exige a combinação entre a chamada “luta interna” e a pressão de fora para dentro, especialmente num contexto em que parte importante dos mandatos eletivos e das estruturas partidárias é utilizada como instrumento na luta interna, movendo-se por interesses e motivos outros que não os do debate político.
O ocorrido no 7º Congresso confirmou, também, as imensas debilidades da chamada “esquerda do PT”. Em primeiro lugar, um enraizamento na classe trabalhadora inferior ao necessário. Em segundo lugar, uma orientação política que muitas vezes não passa de uma variante da posição majoritária (um exemplo disso são algumas teses defendidas pela tendência DS, como o “republicanismo” e a “revolução democrática”, outros exemplos podem ser vistos em algumas escolhas feitas pela tendência O Trabalho, em votações sobre o PED e sobre o Fora Bolsonaro). Em terceiro lugar, falta em vários setores real disposição de se tornar maioria, o que se traduz muitas vezes em táticas de luta interna que visam ampliar espaços, ao invés de conquistar maioria através do debate e da disputa global. Por esses e outros motivos, sempre dissemos que não havia unidade suficiente, entre os integrantes do movimento “Rumo ao Sétimo Congresso”, para montar uma chapa única para disputar a eleição de delegados e para lançar uma candidatura única à presidência nacional partidária. Coerente com isso, a AE deixou sempre claro que nossa tática incluiria defender nossas posições no processo de eleição das delegações, sem prejuízo de no Congresso construir alianças mais amplas com quem tivesse sido construída efetiva unidade. Na reta final e na plenária do Congresso, ficou demonstrado o acerto da tática adotada pela AE.
O ocorrido no 7º Congresso confirmou, finalmente, o crescimento da degeneração nos métodos de luta interna adotados por importantes setores da CNB. Nunca antes na história do nosso partido ocorreu algo como em 2019, com a direção nacional simplesmente recusando-se a votar os recursos, permitindo que os congressos se instalassem com mandatos comprometidos pela fraude eleitoral. Na nossa opinião, trata-se de uma mudança de qualidade, um passo a mais da CNB rumo à adoção de uma política de “maioria permanente”, ou seja, que visa inviabilizar por todos os meios (administrativos e ilegais) que a minoria possa se converter em maioria.
A atitude da CNB frente às fraudes, é importante deixar claro, não decorre da necessidade de derrotar a esquerda do PT. Decorre da luta interna da própria CNB, da necessidade de acomodar seus subgrupos, da disputa entre eles por cargos na estrutura partidária. A dinâmica de luta interna na CNB a está transformando num “partido dentro do partido”, em prejuízo do Partido dos Trabalhadores. Essa metamorfose inclui a adoção de uma espécie de “centralismo democrático de tendência”, com a qual convertem a minoria do Partido em maioria do Partido através de métodos burocráticos. Por este caminho, submetem todo o Partido às suas dificuldades e problemas internos. Mas o sintoma máximo da degeneração, em que a política é submetida a outras lógicas, aparece na disputa interna da CNB sobre quem assumirá a tesouraria do Partido (que, é bom lembrar, segue controlada pela CNB desde 1995 até hoje, ininterruptamente).
Tendo em conta tudo que dissemos antes, é óbvio que todo o 7º Congresso foi muito problemático. Isso inclui o congresso nacional estrito senso: um ato inaugural mal planejado, mal realizado e manipulado de maneira constrangedora pelos interesses da candidatura presidencial da CNB; passando por grupos de discussão dos quais a maioria da CNB se ausentou; uma plenáriafinal que não votou quase nada das polêmicas, remetendo tudo para o Diretório Nacional; várias defesas de chapas e candidaturas mais preocupadas com o “teatro” e as interpretações das defesas e menos preocupados com o conteúdo; sendo que não ocorreu nenhum dos 5 debates previstos, no regimento, entre as candidaturas presidenciais.
Como resultado da conjuntura de refluxo, de um debate rarefeito, de irregularidades e fraudes, a CNB obteve uma escassa maioria absoluta dos votos (51,1%) no dia 8/9; mas, como decorrência principalmente da luta interna fraticida, a mesma CNB perdeu a maioria absoluta na eleição do DN, tendo 46,88% dos votos dos delegados. As demais chapas obtiveram 48,9% dos votos no dia 8/9 e cresceram para 53,12% dos votos no DN. Entretanto, a candidatura presidencial da CNB obteve 71,54% dos votos, com as demais candidaturas somando 28,46%.
Neste ambiente globalmente negativo, a AE teve um desempenho nacional politicamente positivo. Participamos do processo defendendo nossas posições políticas, através de chapas e candidaturas por todo o país. Conquistamos espaços importantes em DMs e DRs, além de ampliar nosso espaço no DN (de 4 para 5) e mantermos nosso espaço na CEN, mostrando serem falsas as previsões apocalípticas segundo a qual a decisão de protestar não compondo a CEN causaria inevitavelmente uma redução de nossa presença nas instâncias partidárias. O apoio da chapa Optei e de dois ex-presidentes do Partido à nossa candidatura à presidência nacional do Partido, bem como a aliança entre a chapa Optei e a nossa chapa, foi possível porque sempre colocamos a política no comando, porque em nenhum momento abrimos mão da disputa política global e frontal com as teses e com a prática da CNB e também porque não nos perdemos em movimentos secundários (como “ter a segunda chapa”, “ter a segunda votação para presidente”, “estar na CEN” etc.).
Nas chapas para o DN, repetiu-se no fundamental o que já havia ocorrido na eleição das delegações. E o movimento “Rumo ao Sétimo Congresso” dividiu-se em três chapas: uma da Resistência Socialista (que usou parte de seu tempo para atacar a esquerda do PT e apoiar a candidatura da CNB à presidência nacional do Partido); outra de uma aliança entre DS, MS, Avante, Tribo e um setor da Resistência (comprovando que há uma imensa diferença entre montar uma tendência programática e fazer uma coalizão de parlamentares); e uma terceira chapa, unificando Optei pelo Socialismo Lula Livre e Em tempos de Guerra, a Esperança é Vermelha (dois setores do movimento “Rumo ao Sétimo Congresso” que não aceitaram recuar na exigência de que a CEN votasse os recursos sobre as fraudes). Ou seja, “marcamos posição” na defesa das teses junto à base do Partido, fizemos alianças sem objetivos menores nem oportunistas na eleição do DN.
Na disputa da presidência nacional do Partido, inscreveram-se três candidaturas: uma da CNB (mas apoiada por outros setores, como o Movimento PT, o Diálogo e Ação Petista/O Trabalho e a maioria da Resistência Socialista), outra da DS (apoiada por MS, Avante, a Tribo e um setor minoritário da Resistência Socialista) e outra da AE (apoiada por Optei pelo Socialismo e defendida em plenário por José Genoíno). Novamente, ficou claro que adotamos uma tática acertada: “marcamos posição” no debate interno, inclusive lançando uma pré-candidatura e inscrevendo a candidatura no prazo regimental; e ampliamos no Congresso, junto a setores com os quais construímos uma afinidade efetiva no processo de debates (o que, como é óbvio, não exclui muitas diferenças em diversos temas, que crescem quando se verificam as políticas adotadas nos estados).
O desempenho politicamente positivo conquistado pela AE não deve nos fazer perder de vista as imensas debilidades organizativas que seguimos exibindo e que não podem ser creditadas aos nossos adversários internos, nem à conjuntura. Somos eleitoralmente débeis (5% dos votos) e essa debilidade é ainda maior em muitos estados do país, inclusive estados politicamente decisivos, onde a presença da AE é quase testemunhal.
Parte importante de nossas debilidades decorre da falta de disciplina, empenho, dedicação, eficiência, e de divergências entre teoria e prática. Portanto, é possível e necessário superar cada uma delas e também por isto fizemos esta plenária nacional. Estas debilidades podem ser resumidas no seguinte:
a) o baixo nível de inserção de nossa militância na classe trabalhadora e nos movimentos sociais. Seguem existindo militantes da AE que “militam na AE” ou “militam no PT”. Isto é, em certa medida, um reflexo de fenômenos externos à tendência: o crescimento do próprio PT (que demanda pessoas que assumam tarefas especializadas na condução do próprio partido), do crescimento da importância do PT (que atrai as pessoas para disputar diretamente a condução do partido, algo mais fácil de fazer do que ganhar influência direto junto a classe), da autonomização crescente do Partido frente às bases (o que faz com que alguém possa “ascender” no Partido sem ter experiência nem influência no trabalho junto a classe), do crescimento da influência dos mandatos (que tornam possível alguém chegar à direção do PT através do canal dos mandatos, mesmo sem ter nenhuma experiência ou presença direta junto a classe), dos métodos de eleição das direções partidárias (que tornam possível alguém se eleger para a direção, apenas ou principalmente por estar organizado numa tendência), do descenso dos sindicatos e movimentos sociais (que eram vistos muitas vezes como “escadas” para aquilo que supostamente seria o “realmente importante”, ou seja, ter um mandato parlamentar ou executivo). Todos os fatores citados anteriormente criam um ambiente que ajuda a entender porque até mesmo na AE existem militantes que acham que a militância se faz na AE ou no PT. Mas é preciso combater este ambiente que naturaliza a burocratização. Este combate inclui explicar pacientemente que a imensa maioria de nossos militantes precisa atuar prioritariamente no seu local de moradia, estudo e/ou trabalho; que nossas instâncias dirigentes devem debater a atuação de nossos militantes no seu local de moradia, estudo e/ou trabalho; e que só uma minoria de nossos militantes deve estar dedicada prioritariamente a tarefas especializadas vinculadas a organização do PT, da AE ou de mandatos;
b) o baixo nível de organicidade de nossas instâncias. Na maior parte do país, não temos organismos de base, direções municipais, direções estaduais e coordenações setoriais funcionando adequadamente, com reuniões periódicas, divisão de tarefas, políticas de formação, comunicação e finanças próprias, orientação para a intervenção cotidiana da militância, espaços de debate coletivo e agregação. Isso faz com que a atuação dos militantes se torne dispersa, individual, fragmentada, perca potência;
c) o reduzido número de militantes, tanto em números absolutos quanto relativos. Isso, além de expressar nossa reduzida influência junto à classe trabalhadora, aumenta a sobrecarga de trabalho dos poucos militantes de que dispomos;
d) a excessiva contaminação de nossa militância pelo ambiente geral que cresce no PT e na esquerda brasileira. Todos os fenômenos negativos presentes no PT e na esquerda brasileira também estão presentes entre nós, o que é inevitável. Logo, é preciso continuar combinando a defesa de nossa linha política (socialismo, revolução, luta pelo poder, estratégia de novo tipo; oposição global a Bolsonaro, a coalizão golpista, ao ultraliberalismo e ao neofascismo; luta de classes, contra todas as formas de exploração e opressão, luta contra o racismo e a lgbtfobia, defesa de um feminismo socialista e de classe) com um combate duro e incansável contra o oportunismo, o baixo nível cultural e político, o corporativismo, o machismo, o racismo, a lgbtfobia, o identitarismo (que secundariza a questão de classe em detrimento das identidades, sendo que o debate sobre estas precisa estar associado à luta pelo socialismo), a instrumentalização das opressões, o eleitoralismo, o individualismo, o autonomismo, o autoritarismo, a violência na luta interna etc. Cabe às direções agir de forma proativa, para impedir que este combate se converta num fator de paralisia, desvio de foco e desagregação. Isso inclui reafirmar que o combate aos fenômenos negativos citados anteriormente não se faz prioritariamente pela via punitiva, nem pela reiteração discursiva de qual seria o comportamento correto, mas sim prioritariamente através da aplicação de uma linha política correta. O nosso trabalho sindical é um exemplo disso: um trabalho junto à classe trabalhadora, com uma linha que defende de maneira coerente e radical o conjunto dos interesses da classe trabalhadora, uma classe trabalhadora que é predominantemente feminina, tem levado a ampliação consistente de nossas formulações programáticas e também tem produzido uma ampliação da presença das mulheres em nossas bancadas e direções sindicais.
e) a “perda da memória acumulada” e/ou diminuição das formulações em algumas frentes de atuação, como é o caso do setorial de juventude, limita nossa atuação e nos faz ficar num permanente movimento de “vai e volta”, gerando desacumulo e prejuízos para o conjunto da tendência.
Apesar dessas debilidades, temos não apenas conseguido sobreviver e manter posições, como temos sido capazes de elaborar uma linha política que vem sendo confirmada (às vezes, infelizmente) pelos fatos da luta de classes. Além disso, a AE é — tomada isoladamente — uma das maiores tendências da chamada esquerda petista, como demonstrou o resultado do 7º Congresso.
Portanto, reiteramos o que está no último parágrafo da saudação da DNAE à militância da AE, aprovada logo depois da eleição das delegações ao 7º Congresso: “O caminho para vencer a disputa pelos rumos do PT passa, hoje mais do que nunca, pela disputa da classe trabalhadora. Organizar, conscientizar, mobilizar, lutar e, com muito suor e um pouco de sorte, mais cedo ou mais tarde, vencer”.
Uma das condições para a vitória é acompanhar atentamente a evolução da situação política (brasileira, regional, mundial) em 2020. Tendo em vista o objetivo da plenária nacional de 13, 14 e 15/12, chamamos a atenção para os seguintes aspectos:
a) a situação internacional: na hipótese de uma crise similar à de 2008, o impacto tende a ser brutal, tendo em vista que os fatores protetivos e os instrumentos reativos disponíveis em 2008 não comparecerão agora;
b) a situação latino-americana: impacta a vanguarda da esquerda (de maneira contraditória, pois para alguns confirma os limites e até mesmo a inviabilidade de uma “estratégia eleitoral”, enquanto que para outros reforça a tendência à moderação) e impacta a extrema direita e seus braços militares (que já fazem planos de contingência, como deixaram claro publicamente), mas ao menos por enquanto não impacta a massa do povo;
c) a situação econômica: salvo algum fato extraordinário, vamos ter um período (dezembro-fevereiro) em que uma mistura de fatos econômicos (geração de empregos no final do ano, décimo terceiro, férias etc.) e psicossociais (festas, férias, carnaval) tende a reduzir a possibilidade de grandes mobilizações. Mas o ambiente é de deterioração crescente e vai se acumulando material combustível, que tanto pode produzir uma explosão detonada por algo aparentemente menor, quanto pode seguir o que temos hoje, a saber, um clima de “intoxicação” e degradação crescente da vida em sociedade;
d) a situação política: a disputa “no andar de cima” continua sendo a principal variável de definição dos rumos da política nacional. Os setores populares lutam, mas a luta ainda é concentrada em questões imediatas e defensivas, com baixo nível de mobilização quando se trata de questões políticas gerais. Grande parte da esquerda segue concentrada na disputa parlamentar e na preparação das eleições de 2020. Embora a Lava Jato siga operando e embora sigam tramitando no Congresso projetos que alteram o que a Constituição estabelece acerca da prisão após trânsito em julgado, a soltura de Lula resultou num certo refluxo da campanha Lula Livre;
e) o governo trabalha pelo cenário “tudo como dantes no Quartel de Abrantes”: seguir implementando o programa em todas as frentes, prossegue a confusão e divisão nas oposições, as eleições de 2020 não impõem uma derrota global ao governo, Bolsonaro é forte candidato à reeleição em 2022, Moro segue como ponto de apoio, as forças armadas seguem tutelando o país;
f) a centro direita trabalha pelo cenário “bolsonarismo sem Bolsonaro”: defende o programa econômico mas não a pessoa do presidente, a disputa no interior da coalizão governista se aprofunda, a centro-direita sai fortalecida das eleições municipais de 2020, as eleições presidenciais de 2022 caminham para uma disputa entre extrema-direita e centro-direita, com a esquerda dividida e com parte dela cumprindo um papel de linha auxiliar do suposto mal menor;
g) a centro-esquerda e setores do PT trabalham por um cenário “luz no fim do túnel”: o governo se desgasta crescentemente, Bolsonaro está sob permanente ameaça de afastamento, a esquerda obtém um forte resultado nas eleições de 2020, caminhamos para uma eleição presidencial em 2022 polarizada entre centro-esquerda e extrema-direita, com a “direita não bolsonarista” apoiando a centro-esquerda, o que só ocorrerá se o PT perder o protagonismo que tem hoje;
h) a esquerda do PT e outros setores da esquerda brasileira trabalham por um cenário “tirar o tatu da toca”: o país é tomado por fortes mobilizações populares de protesto, a repressão vem mas recua, o governo é derrotado nas ruas, o Congresso é forçado a aprovar a antecipação das eleições presidenciais e a convocação de uma Assembleia Constituinte. A tática da polarização visa contribuir para este cenário e visa também preparar-se para este cenário. Mas no caso de a mobilização popular faltar ao encontro, a tática da polarização é o núcleo duro ao redor do qual se vai marcar posição e acumular forças.
Seja qual for o cenário que prevaleça, a dinâmica da conjuntura internacional, regional e nacional, os erros e debilidades das resoluções congressuais, a confusão existente na maioria partidária — especialmente na CNB e na Articulação Sindical — apontam para um período de crescente instabilidade na condução do partido, na qual a existência de uma minoria com vocação de maioria, capaz de realmente disputar os rumos do Partido, é tão ou mais necessária quanto antes.
[….]