A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida presencialmente no dia 9 de abril, aprova a seguinte resolução.
O Brasil vive uma terrível situação econômica, social, política e cultural. Para além do sofrimento imposto à parcela importante da população – expresso em milhões de famintos, desempregados, vítimas da Covid e de todo tipo de violência cotidiana – a sociedade brasileira como um todo está sendo levada de volta ao passado, aprisionada à condição de economia primário-exportadora, situação que prevalecendo condenaria irremediavelmente nosso futuro como nação.
Mudar esta situação exige derrotar dois inimigos: o bolsonarismo e o neoliberalismo. As eleições presidenciais de 2022 constituem uma grande oportunidade de fazer isso. Entretanto, um setor da esquerda brasileira, setor presente em vários partidos, escolheu outro caminho: o de focar todas as energias na derrota de Bolsonaro, em nome do que vem patrocinando uma aliança com setores da direita neoliberal. Um dos símbolos disso é o apoio dado à indicação de Geraldo Alckmin para ser candidato à vice-presidência da República.
Este caminho é de alto risco. O bolsonarismo não se limita à pessoa de Bolsonaro, tampouco surgiu do nada. O bolsonarismo é um desdobramento das opções golpistas feitas pela classe dominante brasileira para derrotar o PT; é um dos instrumentos à serviço das políticas neoliberais e se alimenta do ambiente econômico-social criado pelo neoliberalismo.
Por todos estes motivos, uma aliança entre a esquerda e parte dos neoliberais para derrotar Bolsonaro é uma contradição política que pode causar muitas consequências negativas. Uma delas é reduzir nossas chances de vitória nas eleições presidenciais de 2022; outra delas é reduzir nossas chances de fazer um governo transformador. Estas duas consequências negativas estão relacionadas à posição defendida pelo Partido Socialista Brasileiro, segundo quem o programa da chapa Lula-Alckmin não deveria ser de “esquerda”, mas sim “democrático”.
A ideia de que a tarefa da hora é “recuperar a democracia”, motivo pelo qual deveríamos deixar para depois as transformações econômicas e sociais, pode parecer sedutora mas é essencialmente equivocada. A democracia não é algo abstrato: democracia não rima com fome, democracia não rima com desemprego, democracia não rima com salários de miséria, democracia não rima com falta de moradia, democracia não rima com neoliberalismo. Por isso, do ponto de vista da imensa maioria do povo, é impossível “recuperar a democracia” se ao mesmo tempo não fizermos transformações econômicas e sociais.
Além disso, na política brasileira realmente existente é a esquerda que verdadeiramente defende a democracia. A direita neoliberal não defende a democracia. Um exemplo recente disto foi a votação do impeachment de 2016, onde toda a direita neoliberal liderada pelo PSDB de Alckmin consumou o golpe contra Dilma e contra o PT. Outro exemplo é o apoio dado pela direita neoliberal e por Alckmin à condenação, a prisão e a interdição da candidatura de Lula em 2018. Portanto, não faz sentido distinguir um programa “em defesa da democracia” de um programa “de esquerda”. Falar contra um programa de “esquerda” revela, ademais, uma confusão, típica da classe dominante e de seus aliados nos setores médios, para quem a “democracia” se resume ao funcionamento das chamadas “instituições”.
Por todos estes motivos, nossa oposição a ter Alckmin na vice faz parte de nossa defesa de outra linha política, cujo objetivo é derrotar simultaneamente o bolsonarismo e o neoliberalismo. Entretanto, mesmo nos marcos de uma política de aliança com setores da direita neoliberal, é possível escolher um vice menos problemático que Alckmin.
É importante lembrar que esta candidatura de Alckmin vice vem sendo construída, desde o início, fora das instâncias do PT. Até hoje, os partidários de Alckmin na vice NUNCA a propuseram e NUNCA a defenderam nas instâncias partidárias. A primeira vez que se falou que o assunto PODERIA ser trazido às instâncias foi no dia 7 de abril de 2022. Neste mesmo dia 7 de abril, a comissão executiva nacional do PT convocou, para os dias 4 e 5 de junho, o encontro nacional do Partido, para entre outras coisas deliberar acerca de nossa candidatura a vice. Portanto, não vamos tratar como “oficializada”, muito menos como deliberação democrática, os tuítes de dirigentes partidários tratando a indicação de Alckmin ser um fato consumado
Como somos militantes do PT e o Partido só vai decidir sua chapa no encontro nacional, até os dias 4 e 5 de junho seguiremos defendendo que outra vice é possível e necessária. Neste sentido, buscaremos construir uma ação comum com os setores do Partido defensores de outra vice, tática que em nossa opinião deve incluir a apresentação, ao encontro nacional, de uma candidatura a vice que não tenha vínculos com o golpismo, nem com o neoliberalismo.
Reiteramos que ter Alckmin na vice é uma opção perigosa e negativa do ponto de vista eleitoral, do ponto de vista programático e do ponto de vista prático. Os que defendem Alckmin comparando-o com José Alencar esquecem que o empresário mineiro era defensor de uma política de desenvolvimento industrial, além de ter se oposto a tentativa de golpe de 2005. Já Alckmin, além de golpista, é um dos artífices da política pró agronegócio, pró capital financeiro e pró Estados Unidos vigente nos governos tucanos. Os que defendem Alckmin falando que ele seria “útil” no relacionamento com o Congresso nacional, esquecem que foi este um dos argumentos utilizados para defender Temer na vice de Dilma. Temer nunca mais!
Alckmin, além de neoliberal e golpista, é autor de inúmeros atos e de inúmeras frases recentes ofensivas contra o PT e contra Lula, inclusive a de nos acusar de “criminosos” cujo líder estaria num presídio. Achar que isso não é um problema e que não será explorado eleitoralmente é uma brutal ilusão. Aliás, a suposta ampliação eleitoral que resultaria de ter Alckmin na vice não se manifestou, pelo menos até agora, nas pesquisas eleitorais, que aliás têm trazido sinais preocupantes. Mesmo no estado de São Paulo, até o momento, não se materializaram os supostos efeitos positivos de uma aliança do PT com o PSB e com Alckmin.
Finalmente, os argumentos segundo os quais entregar a vice para Alckmin contribuiria na relação com os “mercados” e, portanto, funcionaria como um “antídoto preventivo” contra movimentações golpistas, desconhece algo simples: a tentativa de golpe de 2005 e o golpe de 2016 se alimentaram das concessões feitas aos mercados. Lamentavelmente, alguns setores da esquerda seguem operando numa lógica segundo a qual, frente às pressões da classe dominante e da direita, devemos reagir com mais e mais concessões, num círculo vicioso cujo desfecho em nenhum caso será positivo para a classe trabalhadora.
Por tudo isso, seguiremos em nossa luta por outra vice e por outra linha política. Esta posição tem sido acusada, por alguns, de rebeldia inapropriada. Não é a primeira nem será a última vez que petistas são convocados a se domesticar, embora seja de um cinismo imenso que, em defesa de uma aliança apresentada em nome da “democracia”, se pretenda suprimir o direito democrático da militância do Partido decidir seu futuro através do debate e do voto em um encontro partidário.
Obviamente, seja qual for o resultado do encontro nacional do PT, faremos o que gostaríamos de ter podido fazer em 2018, se não tivéssemos sido impedidos pelo judiciário e pelos golpistas (Alckmin inclusive): faremos campanha e votaremos em Lula presidente. Mas neste caso será apesar de Alckmin.
Alianças com setores da direita às vezes podem ser necessárias. Mas, mesmo quando isso acontece, a direita continua sendo de direita e a esquerda continua sendo de esquerda. Companheiro não festeja a condenação, a prisão, a interdição, as balas e as bombas jogadas contra companheiros. Alckmin fez tudo isso. Ele nunca foi, não é e nunca será nosso companheiro.
A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda
São Paulo, 9 de abril de 2022