A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida no dia 28 de fevereiro de 2021, aprova a seguinte resolução sobre a situação nacional e nossas tarefas imediatas.
1.O ano de 2020 terminou com quase 200 mil mortos devido a pandemia do Covid 19, isto considerando os dados oficiais, notoriamente subestimados. Passaram-se apenas dois meses de 2021 e o número de mortos já ultrapassa os 250 mil, indicando uma aceleração catastrófica da doença, devido a novas cepas, a ausência de medidas adequadas de isolamento social e a desastrosa política de vacinação adotada pelo governo federal. O capitão-presidente Jair Bolsonaro é o maior aliado do vírus. Ele e o general-ministro Eduardo Pazzuelo e os demais responsáveis precisam ser destituídos de seus postos, submetidos a julgamento e punidos por esta tragédia.
2.Ao lado da peste e da morte, avança a fome. O fim do auxílio emergencial, o crescimento do desemprego (que atinge cerca de 40 milhões de pessoas) e a inflação empurram parte importante da população brasileira para uma situação inaceitável. As políticas implementadas pelo governo federal – a começar por aquelas defendidas pelo ministro Paulo Guedes – são direta e indiretamente responsáveis por esta tragédia. A financeirização, a desindustrialização, a primarização, a privatização de empresas públicas (como a Petrobrás, a Eletrobrás, os Correios) e os cortes em todas as áreas sociais já seriam desastrosas em qualquer cenário. Em meio a uma pandemia, constituem crimes inafiançáveis contra o povo brasileiro, tão genocidas quanto o apoio que Bolsonaro da à transmissão do Covid 19. Por isso não basta o impeachment do “presidente”: é necessário colocar para fora este governo e suas políticas.
3.Ao lado da peste, da morte e da fome, avança a guerra. Grande parte do governo Bolsonaro está sob gestão militar. A presidência, a vice-presidência, vários ministérios, diversos escalões da administração direta e indireta, órgãos públicos dos mais diferentes tipos estão sob gestão militar. Além dos ganhos pessoais, a instituição também está sendo beneficiada na distribuição do orçamento público. Ao mesmo tempo, empodera-se as estruturas policiais em todo o país. Facilita-se a importação e a comercialização de armamentos de “uso pessoal”. Um governo tutelado pelas forças armadas e presidido por um aliado das criminosas milícias está incentivando abertamente as camadas ricas da população a se armarem. O objetivo é claro: como treinaram no Haiti e como praticam cotidianamente nas periferias, trata-se de impor a “lei e a ordem” sobre os setores populares, sobre os negros e as negras, sobre as mulheres, sobre a juventude trabalhadora, sobre a esquerda.
4.Peste, morte, fome e guerra anunciam que o apocalipse pode estar às nossas portas. Uma das consequências é que se aprofunda o conflito entre as diferentes facções do condomínio que deu o golpe parlamentar de 2016 contra Dilma e o golpe judiciário de 2018 contra Lula. A eleição da presidência da Câmara dos Deputados, a prisão do deputado Daniel Silveira e o fim da Operação Lava Jato são os acontecimentos mais recentes de uma guerra que não põe em questão um consenso que há entre eles: manter o povo do lado de fora e do lado de baixo. Fora do poder e debaixo do tacão.
5.Frente a esta situação, a classe trabalhadora encontra-se na defensiva e a esquerda encontra-se dividida em relação à tática. A defensiva pode ser ilustrada pelo resultado das eleições municipais, assim como pela reduzida mobilização de rua contra um governo cuja popularidade, não obstante, vem caindo nas pesquisas. Não é apenas a pandemia, o golpe e seus efeitos, que explicam a defensiva da classe trabalhadora. Parte desta defensiva resulta do péssimo exemplo que veio de uma parte da esquerda, nos últimos anos, o de achar melhor fazer um acordo ruim do que arriscar uma boa luta.
6.Neste momento, predomina na esquerda brasileira uma tática que pode ser resumida assim: tentar derrotar Bolsonaro através de uma frente ampla entre a esquerda, o centro e parte da direita. Esta é a política adotada pelo PDT de Ciro Gomes, pelo PSB, pelo PCdoB, por boa parte do PT e até mesmo por metade da bancada federal do PSOL, inclusive pelo que até ontem era sua corrente supostamente mais radicalizada e esquerdista. No fundo desta política, há uma persistente ilusão de classe, que se manifesta também e por exemplo na crença no STF como defensor da democracia, na cúpula das FFAA como inocentes nos crimes de Bolsonaro, na busca de aliados no grande empresariado etc.
7.Um rápido panorama sobre os acontecimentos dos últimos doze meses ilustra o que estamos dizendo. Quando a pandemia estava começando, setores importantes da esquerda resistiram a defender o impeachment. Diziam que era hora de “defender a vida, não de fazer política”. O resultado foi que perdemos uma oportunidade de afastar Bolsonaro, que seguiu livre para continuar matando. E na prática a política sanitária defendida por nós foi derrotada: não houve o isolamento necessário, não há vacinação adequada. E o auxílio emergencial que nós corretamente defendemos, foi capitalizado politicamente pelas forças de direita.
8.Hoje, em alguns aspectos parece que voltamos ao ponto de partida: a pandemia em curva de crescimento, novo debate sobre o auxílio emergencial, conflitos entre o presidente e governadores, setores da esquerda dizendo não acreditar ser possível fazer o impeachment. Os que agem assim esquecem que a correlação de forças necessária para nossa vitória não é como a chuva, que cai do céu. Constrói-se. E isso exige demarcar posição – em primeiro lugar contra Bolsonaro e suas politicas – o que não se fez na imensa maioria das campanhas eleitorais de 2020, assim como não ainda não estamos conseguindo fazer na mobilização de rua. Mesmo em situações extremas, como o fechamento das fábricas da Ford, prevaleceu tanto nas bases quanto na direção da classe trabalhadora uma posição tímida frente à violência da agressão. Sendo esta a atitude que prevaleceu, não há por que admirar-se do resultado das eleições municipais, em que 75% dos votos válidos beneficiaram candidaturas de direita.
9.O ano de 2020 terminou e o de 2021 começou com a esquerda votando para a presidência do Senado em um candidato também apoiado por Bolsonaro. No caso da Câmara, a maior parte da esquerda aceitou que as direitas polarizassem a disputa pela presidência da Câmara, sem demarcar campo próprio. Argumentando que Arthur Lira defenderia retrocessos políticos, apoiou-se Baleia Rossi, golpista e defensor de um programa neoliberal. Vitorioso Arthur Lira, sua primeira medida foi encaminhar a aprovação da autonomia do Banco Central; defender que um novo auxílio emergencial deva ser financiado com recursos da saúde e da educação; e propor ampliar a imunidade parlamentar (o que na prática serviria apenas para proteger facínoras). E o que faz diante disso uma parte da oposição de centro e esquerda? Divide-se entre as diferentes opções propostas pela direita e começa a preparar-se para… 2022. No caso do PT, primeiro debatendo um programa (que nada fala das forças armadas) e depois “colocando o bloco na rua”.
10.A tática hegemônica na esquerda, pior do que errada, é ineficaz. É errada porque compromete a esquerda com posições neoliberais e muito pouco democráticas, como é o caso das posturas de Dória, Maia, Baleia e Temer. E é ineficaz porque não contribui para reconquistar – para a esquerda e contra Bolsonaro – os setores populares que se afastaram da esquerda, particularmente desde 2015. Para que esta reconquista seja possível, a esquerda precisa reocupar território perdido nos locais de moradia, nos locais de trabalho, nos locais de estudo, nos espaços de cultura e lazer. E isso precisa ser feito aqui e agora, em torno das questões imediatas: a luta contra a pandemia e a vacinação para todos e todas, a luta contra o desemprego e pelo auxílio emergencial, a luta pelo Fora Bolsonaro e pela devolução dos direitos políticos de Lula. O centro da tática não são as eleições presidenciais de 2022, mas sim a disputa em curso neste ano de 2021. É para esta disputa que temos que “colocar o bloco na rua”; sem esta disputa, nossas chances de vencer as próximas eleições presidenciais serão muito reduzidas (sem falar que não sabemos como estará o país, caso Bolsonaro siga “presidindo”).
11.Ou alteramos esta postura, ou na melhor das hipóteses 2022 será uma versão piorada de 2020. É preciso subir o tom e dar visibilidade de massas à insatisfação crescente. Não basta fazer oposição parlamentar, lives e carreatas pontuais. É preciso retomar a mobilização, é preciso reocupar as ruas, é preciso colocar a classe trabalhadora em movimento, é preciso radicalizar na luta contra o governo genocida e suas políticas. Por exemplo convocando – por iniciativa da Frente Brasil Popular e da Frente Povo Sem Medo – 48 horas de paralisação nacional contra este governo que está matando o povo brasileiro. Ao mesmo tempo, nossos governos estaduais e municipais, nossas bancadas e as organizações de massa que influenciamos precisam articular e implementar um programa comum de combate ao Covid 19, que parta do princípio de que Bolsonaro é o maior aliado do vírus e que seu impeachment é uma medida de salvação nacional.
12.O êxito da luta contra o governo Bolsonaro depende em boa medida das escolhas que venham ser feitas pelo Partido dos Trabalhadores. E a verdade é que o PT está dividido profundamente em torno da linha política a adotar. As resoluções do 7º Congresso Nacional do PT – até hoje não publicadas, porque até hoje não foram devidamente finalizadas pelo Diretório Nacional – não dão conta da situação que vivemos. É preciso convocar, imediatamente, um Encontro nacional extraordinário, único espaço idôneo para dirimir as profundas divergências que impedem nosso partido de cumprir seu papel nesta conjuntura dramática que o país vive.
13.Por fim: vivemos um momento de crise profunda, em que parece que tudo pode acontecer, inclusive nada. Mas o mais provável é que – frente ao avanço da peste, da morte, da fome e da guerra – haja um aprofundamento da disputa política no país. Se o povo brasileiro não entrar em cena, a disputa será resolvida na luta entre as diferentes quadrilhas da classe dominante, com parcelas da esquerda submissas ao suposto mal menor. Só uma grande onda de lutas sociais reverterá a catástrofe. O PT deve fazer de tudo para estimular e buscar dirigir esta luta. Sem ilusões no STF, no parlamento, nas forças armadas e na classe dominante. A salvação da classe trabalhadora só pode ser obra da própria classe trabalhadora.