O 8º Congresso nacional da tendência petista Articulação de Esquerda delegou, à direção nacional da AE, a tarefa de concluir o debate e aprovar a versão final da emenda sobre o tema “cultura”. A direção nacional da AE, reunida nos dias 9 e 1o de dezembro, deliberou o que segue.
1/A esquerda brasileira, em particular o PT, tem um expressivo acúmulo de reflexões, de resoluções e de ações práticas acerca da cultura, em todas as suas dimensões. Apesar disso, é evidente que estamos na defensiva, frente a uma direita e a uma extrema-direita que travam, contra nós, o que denominam de “guerra”.
2/Esta guerra acontece, antes de mais nada, num plano que a extrema direita denomina de “existencial”. Do ponto de vista deles, trata-se de reafirmar e defender, num tom de cruzada santa, um conjunto de verdades, de princípios, de valores acerca da natureza humana e do capitalismo, que convertem a cultura em arma da classe dominante. Noutro plano, a direita e a extrema direita defendem e praticam, mediante a ação de empresas, governos, organizações e indivíduos, um conjunto de políticas que converte a cultura em negócio.
3/É por isso que um dos primeiros atos do governo golpista de Temer foi a extinção do Ministério da Cultura. O orçamento autorizado para a pasta cultural, entre 2015 e 2022, caiu cerca de 55%. A maior parte do orçamento restante foi para a subfunção “Administração Geral”; em torno de 10% foi para a área de “Difusão Cultural”.
4/É por isso, também, que o governo Bolsonaro entregou a Cultura para figuras que se destacam pelo reacionarismo: José Henrique Pires, golpista, antigo chefe de gabinete do Ministério de Desenvolvimento Social do governo Temer; Ricardo Braga, banqueiro que teve sua carreira constituída na especulação financeira; Roberto Alvim, que evocou a figura nazista de Goebbels; Regina Duarte e sua minimização sobre a pandemia, o relativismo da tortura do regime militar e o crime de fake news contra a companheira petista Marisa Letícia; Mário Frias e seu cotidiano de violência autoritária contra as produções culturais populares, um secretário que era visto empunhando armas de fogo de calibre pesado, num momento em que o patrimônio, os equipamentos e as culturas populares se encontravam, literalmente, em chamas.
5/O terceiro mandato do companheiro Lula partiu desta realidade dramática, caracterizada não apenas por cortes no orçamento e desestruturação das políticas culturais, mas também pela difusão, em larga escala, de uma cultura reacionária que contamina os mais amplos setores da sociedade.
6/Para alterar esta situação, não basta ter uma política de governo, embora uma política de governo seja indispensável. Faz-se necessária uma política “de Estado”, em favor de uma cultura política democrática, popular e socialista. Acontece que o Estado brasileiro segue sendo o Estado da classe dominante, resistindo e sabotando as políticas de governo que visam atender aos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora.
7/Por isso, faz-se necessário ter uma estratégia global, que combine ações de governo, com ações vindas de fora do Estado e debaixo da sociedade. Nessa estratégia global, os movimentos sociais e os partidos de esquerda, especialmente o PT, jogam um papel decisivo.
8/É preciso lembrar que a classe dominante, suas empresas, suas organizações, seus intelectuais, seus meios de comunicação e seu Estado são fontes produtoras e disseminadoras de cultura. Uma cultura que valoriza moralidades preconceituosas; perpetua negacionismos científicos; promove revisionismos históricos; reproduz a lógica do consumo como liberdade; defende a competição, o preconceito, a misoginia, o racismo, o fundamentalismo religioso, o anticomunismo e a meritocracia.
9/Nossa classe trabalhadora é submetida, todo santo dia, ao bombardeiro cultural promovido pela classe dominante. O principal objetivo deste bombardeio é fazer com que a classe trabalhadora não tenha consciência de classe, pressuposto graças ao qual a ideologia da sociedade pode continuar sendo a ideologia da classe dominante.
10/Mas a classe trabalhadora não é um bloco homogêneo, que absorve passivamente a cultura dominante. O povo produz, consome e compartilha cultura de forma plural e heterogênea. Os diferentes setores das classes trabalhadoras, também produzem sua própria cultura, com base no conflito que se desenvolve na sociedade capitalista. Essa matéria-prima, produzida no conflito cotidiano e permanente, entre a classe trabalhadora e o empresariado capitalista, é o ponto de partida da política cultural da esquerda em geral, e do PT em particular.
11/O PT tem muito a contribuir para que a classe trabalhadora vença a guerra cultural, como prova nossa história e o expressivo número de militantes que atuam na área. Entretanto, o Setorial de Cultura do PT Nacional segue aquém de sua real potencialidade. E, de forma similar, seguem aquém de sua potencialidade tanto o Ministério da Cultura, quanto seus equivalentes nos estados e municípios governos por petistas.
12/Há várias causas para isto. Uma delas é a compartimentalização, que atribui exclusivamente a um ministério ou secretaria aquilo que é papel do conjunto do campo democrático, popular e socialista. Noutras palavras, cabe ao Ministério da Cultura cumprir uma função de coordenação e estimulo de atividades, cuja execução deve ser feita pelo conjunto do governo.
13/Outra causa é o rebaixamento programático ocorrido nas últimas décadas, que privou grande número de militantes das nossas principais armas ideológicas: a defesa de uma sociedade sem classes e sem Estado, a defesa do socialismo, a defesa da revolução, a defesa de políticas e condutas antisistêmicas, intrinsecamente vinculadas à luta anti imperialista, antifascista, antiracista, antimachista, anti homofóbica e demarcadamente anti capitalista.
13/Sem isso, não há como formar uma base partidária militante consistente no campo cultural, não há como cumprir um papel importante na formulação de uma cultura anticapitalista e, principalmente, não há como realizar ações políticas que participem do debate cultural a partir da lógica da luta de classes.
14/Numa sociedade de classes, o que sustenta a exploração da maioria pela minoria não é somente o medo, a crença no poder invencível da mão que segura o chicote. Pesa muito a descrença na luta coletiva e na viabilidade de uma sociedade igualitária, a defesa da ascensão individual. Por isso, o Capital nunca baixa a guarda, não questiona a centralidade da cultura na sustentação da sua hegemonia, nunca abre mão de exercer os poderes – políticos, econômicos, midiáticos, institucionais, judiciais e policiais – que ocupa nas chamadas democracias burguesas.
15/Na mesma lógica de guerra, mas em sentido político totalmente oposto, a maior das tarefas culturais de um partido político de esquerda – como instrumento da luta anticapitalista e da emancipação da classe trabalhadora – é combater e superar a cultura capitalista. Trata-se de colocar a cultura no centro da política, formulando e exercitando contramolas culturais anticapitalistas.