Por Guida Calixto (*)
O pronunciamento feito pelo prefeito de Campinas Jonas Donizette, ocorrido no 09/10/2019, de que Campinas irá aderir ao projeto do Governo Federal das escolas cívico-militar me motivou a destacar alguns pontos sobre o que está por trás desse modelo de governança.
Primeiro ponto que destaco é que esse projeto político de entregar a gestão do ensino municipal de Campinas a setores que não se pautam pela defesa da educação pública, não é novo.
Há pouco tempo, mais precisamente em 2013, o mesmo prefeito firmou convenio com a empresa COMUNITAS, que é uma organização social, criada em 2000 por Ruth Cardoso e que atua como articuladora de institutos e empresas e, no caso de Campinas, essa articulação contou também com a empresa de consultoria FALCONI.
Segundo ponto importante a ser lembrado é que esse contrato de 2013 foi firmado sem nenhum debate, seja com a sociedade ou com os profissionais da educação, da mesma forma como ocorre agora com o anuncio da adesão às escolas cívico-militares.
A mesma falácia utilizada em 2013 quando a SME firmou o convênio com as empresas para ocuparem a gestão das escolas municipais, foi utilizada agora; “melhoria no ensino público”. Porém, sabemos bem que o real motivo é privilegiar setores que têm interesses em transformar a educação pública em mercadoria e por isso defende a sua privatização para assim lucrar vultuosos recursos através desses convênios com as administrações públicas. Essas empresas têm “apetites insaciáveis” na constante tentativa de transformar o ensino público como algo rentável. Agora, mais uma vez nós educadores somos ameaçados com a invasão de setores que não tem comprometimento com a escola pública, mas querem se utilizar desse espaço para interesses particulares.
Temos que diferenciar as escolas militares atuais que são geridas pelas Forças Armadas e com recursos próprios, das escolas cívico-militares (do atual governo federal) que são escolas públicas, de ensino fundamental e médio que terão as gestões transferidas para instituições militares, como a Polícia Militar. Porém, os recursos ali investidos serão aqueles oriundos do orçamento público para a educação pública.
Em terceiro destaco o que está preconizado no artigo 206 da Constituição Federal Brasileira que são os princípios basilares do ensino, a saber:
- I) Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.
- II) Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.
III) Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino
- IV) Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais
- V) Valorização dos profissionais do ensino garantidos na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos.
- VI) Gestão democrática do ensino público na forma da lei.
VII) Garantia de padrão de qualidade.
Com a transformação da escola pública em um espaço militar, tendo a presença de um gestor fardado teremos o rompimento desses princípios basilares constitucionais acima citados. Será a destruição do espaço democrático, público, laico, plural, de respeito às liberdades, às diferenças e ao pensamento crítico. Estaremos submetidos a um processo de domesticação, de pensamento único, de submissão de ideias e de rompimento com a democracia.
Por último, um projeto que se pauta no rompimento com o debate democrático, que reafirma a ideia de homogeneidade e de uniformização, traz consigo a negação das manifestações culturais e da diversidade presente no ambiente escolar. Podemos assim definir que o projeto da escola cívico-militar se contrapõe à luta que o movimento negro brasileiro, bem como a dos educadores que trabalham contra a invisibilidade e o apagamento dos negros e negras no Brasil. Um exemplo disso é a padronização do corte de cabelos para meninos, cabelos presos e domados para as meninas e a obrigatoriedade do uso de fardas para todos (as). Regras como essas rompem principalmente com um elemento de extrema importância na luta antirracista que é a construção e valorização da identidade dos (as) alunos (as) negros (as).
O convênio assinado em 2013 pelo prefeito Jonas Donizette foi derrotado pelos valorosos educadores do município, que mais uma vez estão sendo convocados a defender a educação pública, laica, de qualidade e democrática em nosso município.
(*) Guida Calixto é monitora de educação infantil na SME em Campinas e também advogada.