Rudá, Lula e Tatto

Por Valter Pomar (*)

Se alguém te chamar de brilhante desde criancinha, prepare o lombo, que aí vem porrada. Este é o caso do artigo de Rudá Ricci, intitulado “O segundo turno em São Paulo pode estar nas mãos de Lula” (ver ao final).

Na primeira parte de seu texto, Rudá retoma a tese segundo a qual “a direção raquítica” do PT “interdita qualquer autocrítica por puro medo”.

Como sou da direção do PT, mas não sou do setor majoritário desta direção; e como, além disso, defendo que devemos fazer autocrítica, poderia sair à francesa desta polêmica. Mas não consigo ouvir uma tolice deste tamanho ser dita, sem retrucar.

Óbvio que o PT vive uma crise; esta crise possui várias causas, entre as quais a insistência em manter uma estratégia ultrapassada; mas essa insistência não se deve, como pensa Rudá, ao “puro medo” de fazer autocrítica.

O motivo é ao mesmo tempo mais simples e mais complexo: um setor do PT não acredita e não concorda que seja possível adotar outra estratégia. E, portanto, não acredita que tivesse sido possível, entre 2003 e 2016, fazer as coisas muito diferentes do que foram feitas.

Reduzir este debate estratégico a uma questão de “puro medo”, além de não contribuir em nada para enfrentar a questão, nos conduziria a achar que os reformistas são reformistas porque são covardes; e que os revolucionários são revolucionários porque são corajosos, uma simplificação característica de certo machismo-leninismo latino-americano.

Mas Rudá não escreveu seu texto para falar disso, mas sim para falar da eleição de São Paulo. Aliás, é engraçado: determinado setor da esquerda, que adora criticar o PT por seu eleitoralismo, de repente passou a ver nas eleições municipais de uma cidade a pedra filosofal que permitiria criar uma nova esquerda no Brasil. Leiam o texto de Rudá até o fim e verão que ele pensa exatamente isto.

Segundo Rudá, o desempenho eleitoral do PT na cidade de São Paulo seria um “desastre”. Acontece que, como a eleição ainda não aconteceu, a opinião de Rudá se baseia nas pesquisas. E, se for este o critério, então qualquer debate sério deveria começar reconhecendo que, não apenas o PT, mas o conjunto da esquerda enfrenta sérios problemas; e problemas em todo o Brasil, não apenas em São Paulo. Mas não se deve pedir peras al olmo, assim que sigamos em frente.

Especificamente sobre São Paulo, Rudá desanca um argumento que utilizei numa polêmica com Leonardo Boff. Meu argumento foi: “Se eu fosse apoiador de Boulos, eu pediria exatamente o oposto: que a candidatura Tatto continuasse na disputa, tirando votos principalmente de Russomano”.

Rudá diz assim: “Valter está muito pressionado. Daí apresentar um argumento tão frágil, o que não lhe é comum”. Começo concordando com Rudá: Bolsonaro está governando o país, o PT está em crise e eu mesmo não estou me sentindo muito bem. Mas termino discordando: não acho que o argumento seja frágil não.

Rudá pensa que meu argumento seria frágil porque “Russomanno está em queda e Boulos em ascensão”.

A rigor, segundo a mais recente pesquisa da Falha Global, se considerada a margem de erro, Russomano está em queda e Tatto está em ascensão. Mas para facilitar o debate, vamos supor que Rudá tenha razão. Pergunto então o seguinte: Boulos estaria ascendendo pelo mesmo motivo que Russomano cai? Há uma transferência de votos entre eles? Ou Russomano está caindo por outros motivos, entre os quais a presença da candidatura Tatto?

A esse respeito, sugiro a leitura do seguinte texto, que analisa a mais recente pesquisa sobre a eleição de São Paulo: https://pagina13.org.br/analise-da-pesquisa-datafolha-para-prefeitura-de-sao-paulo/

Com base na pesquisa, esta é minha hipótese (nem tendência, nem prognóstico, mas hipótese); e, se esta hipótese for verdadeira, Boulos deveria seguir fazendo sua campanha e deixar Tatto em paz.

Salvo, é claro, se o objetivo principal não for ir ao segundo turno; salvo se o objetivo principal for ultrapassar o PT.

É com esta impressão que fico, acerca da posição de Rudá, segundo a qual poderia ocorrer uma onda de voto útil que “deverá destruir de vez a candidatura do PT”. Pode acontecer isto? Claro que pode, quase tudo pode acontecer. E, aliás, se acontecer, Boulos poderia ir ao segundo turno do mesmo jeito. Mas, se é assim, porque gastar tanta energia buscando arrancar, não apenas votos, mas também a desistência do PT? Por qual motivo não dedicar mais tempo a arrancar votos da direita?

A campanha do PT não está atacando o PSOL, estamos buscando votos que estão com candidaturas da direita. Por qual motivo Rudá não defende que o PSOL faça o mesmo, ao invés de pressionar pela desistência do PT?

Sigo para outro argumento de Rudá: “A questão da desistência do PT não tem relação com Tatto, mas com Lula”.

Segundo Rudá, “se Lula apoiar nos próximos dias a candidatura de Boulos, a força de seu nome e deste simbolismo da unidade das esquerdas em São Paulo garantiria, possivelmente, a esquerda no segundo turno”.

Não é maravilhoso?? Segundo Rudá, Lula seria supostamente capaz de fazer, por Boulos, algo que Lula não estaria conseguindo fazer por Tatto.

Como argumento é meio esquisito. Mas como vacina, é ótimo. Se por acaso Boulos não for ao segundo turno, já temos um culpado.

Mas Rudá acha que o super-Lula seria capaz de fazer algo mais, a saber, alterar “o estado de letargia em que o PT se encontra”. Ou seja: aquilo que Lula e o PT não estariam conseguindo fazer diretamente, em favor de si mesmos, supostamente conseguiriam fazer por tabela, através de uma “boa ação” feita em favor de outros.

Não sei o que Rudá tomou antes de escrever seu texto, mas quero experimentar. Deve ser algo tipo a poção mágica do Obelix: supera o “medo” e te faz ficar “bem” ao mesmo tempo!!!!

Vejam a frase de Rudá: a “oxigenação” produzida por este movimento “pode levar o PT a ser novamente de esquerda. Porque seria uma aproximação do PT ao PSOL”.

Gente, é realmente divino e maravilhoso! No mesmo texto nos dizem que: 1/não somos de esquerda; 2/devemos desistir de nossa candidatura de SP; 3/e, assim, nos aproximando do PSOL, voltaríamos a ser novamente de esquerda!!!!

E não terminam aí os efeitos mágicos do proposto “sacrifício de Tatto”. Segundo Rudá, “tudo poderia ficar mais emocionante porque esta aproximação do PT à candidatura de Boulos, também alteraria a composição interna do PSOL, fortalecendo a corrente de Ivan Valente, projetando Erundina. Estaria lançada a ponte para formarmos a ‘Geringonça’ brasileira”.

Só falta propor que a cerimônia sacrificial seja acompanhada de uma versão customizada do seguinte clássico: “ai esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um imenso Portugal!!!”

Rudá termina me cobrindo de elogios, para ao final dizer que talvez só me falte “ser menos fiel ao PT atual e ser mais fiel à esquerda brasileira. Sendo mais fiel ao projeto da esquerda, ajudará imensamente seu partido”.

Confesso que não consigo levar a sério um “projeto de esquerda” que se organiza em torno de pesquisas, de voto útil, de eleições e de um demiurgo. Mas confesso, também, que sou fiel ao PT. Não por patriotismo de partido. Mas porque aprendi algo básico nestes mais de 40 anos: a prestar atenção no que o inimigo quer. E o que o inimigo mais quer, hoje, é destruir o PT.

(*) Valter Pomar é professor da UFABC e membro do Diretório Nacional do PT

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O segundo turno em São Paulo pode estar nas mãos de Lula

Por Rudá Ricci 

Vi que Valter Pomar respondeu ao meu artiguinho sobre o envelhecimento do PT e, agora, responde ao apelo de Leonardo Boff para apoio ao Boulos (citando Lula). Decidi não polemizar com Pomar por dois motivos.

Primeiro, admiro Pomar. Eu o conheci muito jovem, nos seminários que o Vladimir organizava sobre a revolução russa e marxismo em uma sala, se não me engano, no Paraíso, na capital paulista. Ele já se revelava brilhante. Mas, há um segundo motivo para não desejar polemizar.

Minha intenção não é fazer ping-pong. Muito menos com dirigente do PT. Minha intenção era, com o artiguinho, motivar um debate sobre os erros do PT, já que a direção raquítica do partido interdita qualquer autocrítica por puro medo. Infelizmente, o PT vive sua maior crise.

Contudo, Valter Pomar parece ter decidido retrucar o apelo ou declaração de voto de Leonardo Boff. É louvável esta disposição de um líder como Pomar em polemizar com essas críticas que surgem a partir do desastre do desempenho eleitoral do PT em São Paulo.

Aqui, vale a pena uma breve observação sobre uma passagem do texto de Pomar. Diz, à certa altura: “Boff : seria “um gesto político generoso e amigo dos pobres e sem-teto apoiar a chapa BOULOS/ERUNDINA”. Pois é: de boas intenções, o inferno está cheio. Se eu fosse apoiador de Boulos, eu pediria exatamente o oposto: que a candidatura Tatto continuasse na disputa, tirando votos principalmente de Russomano.”.

Valter está muito pressionado. Daí apresentar um argumento tão frágil, o que não lhe é comum. Argumento frágil porque, primeiro, Russomanno está em queda e Boulos em ascensão. Em uma semana, tendem a estar em empate técnico ou muito próximo disso. Tendência, não prognóstico, que fique claro. Se ocorrer, a onda do voto útil deverá destruir de vez a candidatura do PT.

Aliás, foi este o movimento na eleição que elegeu Haddad como prefeito de São Paulo. Erundina, candidata do PSOL naquele pleito, chegou a se aproximar de 10% e, com o voto útil pregado pelo PT, desabou. A questão da desistência do PT não tem relação com Tatto, mas com Lula.

Se Lula apoiar nos próximos dias a candidatura de Boulos, a força de seu nome e deste simbolismo da unidade das esquerdas em São Paulo garantiria, possivelmente, a esquerda no segundo turno.

Para deixar claro, na minha leitura, seria algo ainda maior.  Uma entrada de Lula neste momento, na terra que o projetou no cenário nacional, alteraria o estado de letargia em que o PT se encontra. Não será o apoio de Lula e a desistência de Tatto que fará o PT menor. O maior partido da esquerda brasileira não depende de uma capital. A sinalização de Lula pode alterar este cenário de letargia interna, provocando um forte debate sobre mudança de perspectiva e atuação política do PT. Tal oxigenação pode levar o PT a ser novamente de esquerda. Porque seria uma aproximação do PT ao PSOL.

E é aí que tudo poderia ficar mais emocionante porque esta aproximação do PT à candidatura de Boulos, também alteraria a composição interna do PSOL, fortalecendo a corrente de Ivan Valente, projetando Erundina. Estaria lançada a ponte para formarmos a “Geringonça” brasileira.

Já disse que quando António Costa, líder do PS português, anunciou, em 2014, a aliança com o Bloco de Esquerda, eu estava em Portugal. E li os editoriais da grande imprensa, ironizando esta guinada à esquerda. Resultado: a aliança governa Portugal com muito sucesso.

Portanto, a eleição de São Paulo teria este condão de abrir janelas para a esquerda nacional. Alteraria o cenário de composição da centro-esquerda com o liberalismo e social-liberalismo. Algo que ocorreu com o PS português quando se aproximou do Bloco de Esquerda.

Ao PT, talvez, o momento doloroso tenha sido providencial. Era preciso uma chacoalhada para filiados e dirigentes perceberem as consequências de erros em série. Para retornarem ao ninho da esquerda.

Continuo admirando Valter Pomar. Sincero, honesto, comprometido e… fiel. Talvez, só falte a ele ser menos fiel ao PT atual e ser mais fiel à esquerda brasileira. Sendo mais fiel ao projeto da esquerda, ajudará imensamente seu partido.

Pomar pode ser uma liderança importante no “aggiornamento” tão necessário deste partido que ainda é o maior do sistema partidário brasileiro, mas que sangra nestas eleições não porque seja alvo de ataques externos. Sangra porque suas direções não sabem o que fazer.

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