EDITORIAL
A nona edição de Esquerda Petista é publicada quando o país encontra-se mergulhado em um quadro político, econômico e social gravíssimo.
Completados dois anos de golpe, as condições de vida da maioria do povo deterioram-se em ritmo acelerado. O aumento do desemprego, do subemprego, da informalidade, da precarização, do trabalho infantil, da escravidão contemporânea, da pobreza, da miséria, da fome e da desigualdade é acompanhado pela diminuição da renda média do trabalho e dos investimentos sociais em saúde, educação, moradia, transporte público, assistência e previdência social.
Para impedir que o golpe seja derrotado pela mobilização social, amplia-se a repressão – haja vista a convocação das Forças Armadas para intervir em tudo e mais um pouco – e aprofunda-se o ataque às liberdades democráticas e às lideranças e organizações populares e de esquerda. Prossegue a arbitrária prisão política do companheiro Lula, que apesar de todos os ataques golpistas mantém sua popularidade em alta e é favoritíssimo em todas as pesquisas de intenção de voto nas eleições 2018. Por outro lado, a resistência é persistente e perseverante, como se vê na incansável campanha de militantes na vigília Lula Livre em Curitiba e de apoiadores nacionais e internacionais pela sua libertação. O debate esquenta diante dos diferentes projetos eleitorais em disputa e de inúmeras ofensivas do campo golpista, que vive um aguçamento de suas divisões, contradições internas e dificuldades em apresentar uma saída para o quadro de crise e instabilidade.
Em seu 4º Congresso, realizado em Aracaju nos dias 4, 5 e 6 de maio, a tendência petista Articulação de Esquerda reafirmou sua defesa de que o candidato do Partido dos Trabalhadores à presidência da República é Lula, único capaz de vencer as eleições e enfrentar os retrocessos recentes, tema abordado em texto de Lício Lobo nesta edição. Outras correntes e forças polí ticas também realizaram seus congressos e conferências – como é o caso do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e da Democracia Socialista (DS), tendência do PT – e divulgaram suas resoluções, que são analisadas em textos de Eduardo Loureiro, Pedro Pomar e Adriano de Oliveira, respectivamente.
A situação internacional, com foco na região latinoamericana, é debatida em uma entrevista com o ex-presidente e atual senador do Paraguai, Fernando Lugo, e no artigo do argentino Pablo Vommaro, que traz uma reflexão sobre as lutas da juventude no continente no momento em que se celebra o centenário da reforma universitária de Córdoba, em 1918. No sentido de contribuir para a integração cultural entre os povos latinoamericanos, optamos por não traduzir estes textos, que publicamos em espanhol.
Os retrocessos e o cenário de luta em defesa das políticas públicas, em especial o SUS, frente à aplicação da Emenda Constitucional 95 são abordados no artigo de Carlos Ocké. No tema agrário e no educacional, mantido com regularidade na revista, retomamos os debates sobre a agricultura familiar em artigo de Cátia Grisa e os desafios para o financiamento da educação no texto de José Marcelino.
Comemoramos, ainda, os 200 anos do nascimento de Karl Marx com um dossiê de artigos publicados nesta e na próxima edição de Esquerda Petista. Por fim, elaborado por Sônia Fardim e Ana Lídia Aguiar a partir de entrevista, apresentamos o perfil de uma das brasileiras mais premiadas e reconhecidas por seu trabalho e engajamento político: a fotógrafa e editora de imagens Nair Benedicto.
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Esquerda Petista foi criada pela tendência petista Articulação de Esquerda em maio de 2014 para ser um instrumento de luta política em tempos de guerra. Com esta nona edição, a revista entra em seu quarto ano de atuação ininterrupta.
Apesar de ser um percurso relativamente curto, o período é marcado pelo acirramento da luta de classes, são tempos em que a esquerda e o petismo vêm sendo sistematicamente atacados pelas publicações golpistas da classe capitalista. Por isso, é hora de fazer um balanço para melhor enfrentar os desafios atuais de nossa tarefa histórica na construção do socialismo.
Em seu primeiro número, o editorial proclamou que, dentre as publicações da editora Página 13, a revista foi criada com a tarefa de realizar debate de maior fôlego ideológico, teórico, programático e estratégico. Afirma também que, para isso, surgiu como publicação aberta a militantes de esquerda, não somente integrantes da AE, para, assim, circular na intelectualidade de esquerda em geral com o intuito de incidir de forma qualificada no debate político da esquerda brasileira.
As armas da crítica em tempos de guerra
A depender apenas dos dados quantitativos, essa tarefa vem sendo cumprida, pois as oito edições mantiveram uma periodicidade semestral e somam 635 páginas, 134 artigos, 10 entrevistas, 12 documentos (manifestos, teses e resoluções), além de fotografias, cartuns, charges, gráficos e ilustrações.
O projeto gráfico é um dos pontos fortes, a diagramação dos artigos e especialmente as capas mantiveram uma estética editorial de qualidade nas oito edições, o que consolidou a identidade visual da Esquerda Petista. Porém, ainda não venceu totalmente o desafio de encontrar soluções iconográficas para dar visualidade à complexidade dos conteúdos dos artigos.
Todavia, há que se destacar que com as obras de Sérgio Bastos na edição nº 1, as fotos do Acervo João Zinclar na edição nº 2, as obras de Latuff na edição nº 4, a contribuição de Ane Cruz na edição nº 5, a curadoria de Renan Brandão na edição nº 6 e a entrevista e a obra da Laerte na edição nº 8 a revista logrou grande qualidade poética e política na conexão entre textos e imagens.
As oito edições apresentam significativa produção intelectual militante nas análises, ideias e experiências de várias tendências petistas, de integrantes de outros partidos de esquerda, assim como pesquisadores, artistas e ativistas culturais independentes.
Essa pluralidade à esquerda se expressa na participação de mais de 200 colaboradores, nacionais e internacionais, sendo oito contribuições assinadas por coletivos e instituições, 104 de autoria masculina e 49 de autoria feminina, sendo uma autodeclarada transsexual.
Respeitar a paridade entre gêneros é uma das diretrizes da AE. Contudo, a revista expressa a desigualdade presente na sociedade brasileira, pois é evidente o desequilíbrio numérico da presença de 49 autoras frente aos 104 autores. Ainda assim, vale destacar que, entre os nomes femininos, a maioria (30) é de militantes da AE. Também é relevante a comparação entre as autorias de integrantes da tendência: do total de 80 nomes, 30 são femininos. Os dados relativos à paridade de gênero ainda são menores que o desejado, mas traduzem os esforços dos editores em garantir espaço para mulheres e para as lutas feministas.
Ainda sobre o perfil das participações, grande parte é de integrantes de organizações militantes com formação acadêmica e atuação em instituições de pesquisa, predominando entre os que assinam artigos a titulação de mestrado e doutorado.
As entrevistas, em grande maioria, cumpriram um papel de aprofundar a exposição de debates das disputas políticas, sociais e eleitorais e a atuação sindical no contexto do acirramento da luta de classes que marca o período.
De modo geral, os temas abordados em artigos e entrevistas têm a predominância do debate em torno da discussão sobre programa e estratégia socialista, rumos do projeto político de desenvolvimento, em especial a questão agrária, políticas públicas universais e reformas estruturais; educação, cultura e comunicação na luta por hegemonia; debates de fundo acerca da conjuntura e tática; balanço dos governos encabeçados pelo PT, em âmbito nacional, estadual e municipal; as diferentes manifestações da luta de classes, incluindo eleições, movimentos e lutas sociais; as questões de gênero, raça, orientação sexual e geracional; acompanhamento do debate acerca do PT e do conjunto da esquerda brasileira; e o acirramento da luta de classes na América Latina, com destaque para o golpe impetrado pela classe capitalista contra a classe trabalhadora no Brasil.
Como não poderia deixar de ser, a maioria desses temas está atravessada pelas análises dos rumos do PT e do governo Dilma. Isso indica o quanto a Esquerda Petista tem sido um instrumento importante na disputa de rumos do partido: sua estratégia, sua tática, seu programa e sua organização e funcionamento.
Contudo, uma observação é necessária: embora debates sobre feminismo e a participação de mulheres sejam significativos no conjunto das edições, o tema da liberdade sexual e a explicitação da orientação sexual não binária se registra uma única vez, na oitava edição. Alem de debates sobre homossexualidade e liberdade sexual, também os movimentos negro e indígena estão presentes ainda de forma desproporcional em relação à sua relevância no debate de ideias e disputas postas hoje no cenário político. Isso indica a necessidade de fomentar uma participação mais ampla do conjunto de colaboradores e colaboradoras, assim como maior diversidade nas pautas, mas sempre sob a centralidade da luta pelo socialismo como fundamento emancipatório crítico na teoria e na prática.
Nesta caminhada, há muitas pessoas a agradecer. Nesses quatro anos, muitos militantes vêm construindo a Esquerda Petista e apostando em seu potencial como instrumento de luta política da classe trabalhadora. Devemos um agradecimento especial a Claúdio Gonzalez, cujo trabalho, muito além da diagramação, tem garantido a qualidade do projeto gráfico da revista, e a Edma Walker, responsável pela sua distribuição, tornando-a accessível aos que preferem um material no formato impresso. Queremos registrar o agradecimento ao companheiro Valter Pomar, idealizador da revista, que realizou com o máximo empenho e competência a tarefa de editor da revista até seu oitavo número, função que doravante estará em outras mãos.
Em sua crítica a Hegel, Marx afirmava: “As armas da crítica não podem, de fato, substituir a crítica das armas; a força material tem de ser deposta por força material, mas a teoria também se converte em força material uma vez que se apodera das massas”. Que esta publicação possa seguir contribuindo neste sentido!